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Larissa Ramina

Professora de Direito Internacional da UFPR, Membro da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

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60 anos do golpe militar de 1964 e as consequências da impunidade que persiste

"O perigo de novos golpes de Estado no Brasil ainda é latente", escreve Larissa Ramina

Bolsonaro e terroristas invadindo o Congresso Nacional (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino | George Marques/via REUTERS)

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O golpe de Estado de 1964 deu início à ditadura militar no Brasil que durou até 1985. A destituição do presidente João Goulart em 31 de março pôs fim à Quarta República desde a sua proclamação em 15 de novembro de 1889.

Quase 60 anos depois, em 8 de janeiro de 2023, ocorreu uma tentativa de golpe de Estado no Brasil liderada pelo ex-militar e ex-presidente Jair Bolsonaro. O Presidente Lula havia assumido o poder há poucos dias, quando a “Praça dos Três Poderes” foi invadida. Trata-se do episódio mais grave do longo processo de colapso institucional que o Brasil sofre desde a grande fraude jurídica e política de 2016, o impeachment de Dilma Rousseff.

O caminho para a construção do golpe de 8 de janeiro começou com o apoio das Forças Armadas ao golpe jurídico-parlamentar contra Dilma em 2016, a ascensão do seu vice-presidente Michel Temer e depois com o seu apoio à eleição de Bolsonaro em 2018. E o que tornou possível esta nova tentativa de golpe? A impunidade. Foi a impunidade que possibilitou o retorno dos militares à política e o apoio ao golpe contra Dilma.

Em 31 de Março de 1964, uma ruptura patrocinada pelos militares inauguraria um período de 20 anos de um regime autoritário que censurou a imprensa e perseguiu, torturou e assassinou opositores políticos. 60 anos depois, o Brasil ainda não acertou contas com o passado.

O governo de extrema direita de Bolsonaro abriu caminho para o retorno dos militares à política, o que não foi resolvido na transição democrática e na Assembleia Constituinte de 1988. Após sua eleição para a presidência da república, muitos generais foram para o governo e milhares de oficiais reformados e da ativa tiveram acesso a cargos públicos, revelando o evidente caráter militar do governo. A vontade de voltar à política foi preservada nas Forças Armadas como consequência natural da impunidade, ou seja, da falta de julgamento e responsabilização pelo golpe de 1964, bem como pelos crimes e violações dos direitos humanos cometidos em nome do Estado durante a ditadura que comandaram.

Foi esta impunidade que possibilitou o golpe jurídico-parlamentar que depôs Dilma e a detenção ilegal de Lula, candidato favorito nas eleições de 2018. Foi a guerra judicial contra Lula que possibilitou a vitória da extrema direita.

E como? Através da agora completamente desmoralizada Operação Lava Jato, que deveria ser a “maior operação anticorrupção do mundo” e se tornou o “maior escândalo judicial do planeta”. Esta Operação, cujo início completa agora 10 anos, nada mais foi do que uma estratégia bem-sucedida dos Estados Unidos para minar a autonomia geopolítica brasileira, sua soberania econômica, e pôr fim à ameaça representada pelo crescimento de empresas que colocariam suas próprias operações em risco. Em outras palavras, a ascensão da extrema direita e dos militares ao poder baseou-se na intervenção estrangeira da Casa Branca, através da cooptação de agentes do sistema de justiça brasileiro. Isto foi possível porque o sistema judicial não foi adequadamente reformado, permitindo que juízes e procuradores atuassem como agentes estrangeiros, mas principalmente porque os militares ficaram impunes pelos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura de 1964.

Foi devido à impunidade que as Forças Armadas retomaram sua intervenção criminosa, com o objetivo de controlar os destinos do Brasil apoiando a candidatura de Bolsonaro, apesar de este ter sido expulso da organização.

A história de 8 de janeiro não pode ser registrada sem responsabilizar as Forças Armadas, que apoiaram abertamente o golpe. A tentativa de golpe só foi sepultada, entre outros motivos, pela reação imediata do governo do presidente Lula, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que encontraram forte apoio da sociedade civil, de parcela de membros das Forças Armadas, é verdade, e da comunidade internacional.

Está claro que uma das formas de abrir as portas para um novo golpe e comprometer as conquistas democráticas num contexto neoconservador se dá principalmente graças à impunidade das Forças Armadas. Então, quais seriam os antídotos para essa situação? Por certo, entre esses antídotos está o fim da anistia para crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis. Além disso, a devida prestação de contas e responsabilização dos criminosos. O perigo de novos golpes de Estado no Brasil ainda é latente.

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