A Água é Nossa!
Hoje Nelson Weneck Sodré estaria engajado na campanha "a água é nossa!"
“ A aversão da ditadura à ciência e à arte foi traço ostensivo e definidor do seu caráter anticultural, de seu horror aos conhecimentos, de sua inarredável incompatibilidade com a inteligência.”
Memórias de um Soldado, Nelson Werneck Sodré, 1967
Historiador, sociólogo, jornalista, crítico literário e memorialista, Nelson Werneck Sodré foi um do pensadores mais importantes e originais do Brasil. Tinha uma vasta gama de interesses, sobretudo pela literatura – como Trotsky e Gramsci - que nunca abandonou, mesmo nos períodos de maior difilculdade e de perseguição política. Fez carreira militar, indo para a reserva com a patente de general de brigada.
O que se deve ler para conhecer o Brasil, História da Literatura Brasileira e Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil são algumas de suas obras mais conhecidas. De um de seus livros de memórias, A Luta pela Cultura – publicado em 1990 – retiro este trecho que apresenta um pouco do pensamento e do engajamento deste autor por ele mesmo:
“A história das infâmias cometidas, no Brasil, contra todas as manifestações patrióticas está por ser escrita. Será escrita, um dia, sem dúvida. E os pósteros ficarão estarrecidos com o número de vítimas de uma controvérsia aparentemente técnica, como a que girou em torno da exploração petrolífera. Longos são os braços do imperialismo, realmente, e dotados de ventosas, como os tentáculos dos polvos. Eu compreendia – isto é, em 1947 – também as razões que havia para o abandono a que haviam sido entregues as nossas ferrovias, surgindo o fascínio rodoviário. Um governo inepto, após a guerra, ficara com as velhas estradas de ferro inglesas, reduzidas a ferro-velho, obsoletas, absolutamente desprovidas de condições para exploração rentável. E o resto da rede ia sendo abandonado, como se a fase estivesse encerrada, para o transporte ferroviário. Todo o zelo, todo o capricho, e todos os recursos do Estado – e só do Estado, naturalmente – iam agora para as rodovias.
Havíamos mudado de metrópole, e a nova estava interessada em nos vender, não locomotivas, vagões, trilhos, carvão, mas automóveis, caminhões, peças, gasolina, lubrificantes, e até asfalto. Chegamos, nessa batida, ao cúmulo de transportar, a longuíssimas distâncias, gêneros de largo consumo a granel, alimentícios, gerando singular distorção na estrutura dos transportes e anômalo excesso nos custos de produção das mercadorias mais insignificantes e nos próprios produtos agrícolas. Compreendi, pois, quando se permitiu a instalação entre nós, para melhor exploração do trabalho e para melhor exploração do mercardo interno, da indústria estrangeira de automóveis, que o fascínio rodoviário teria de assumir novas proporções. Compreendi como, depois, foi possível reter o preço do nosso aço, fornecendo matéria-prima barata, à custa da descapitalização da nossa siderurgia, para que o capital estrangeiro produzisse aqui automóveis caros. E remetesse os lucros, naturalmente...Os que assim compreendiam eram chamados de comunistas e perseguidos e marcados como criminosos. Agindo assim, entretanto, os serviçais do imperialismo haviam convertido patriota e comunista em sinônimos. Mas patriotismo, evidentemente, dava cadeia. Foi no estudo objetivo de problemas brasileiros concretos, o do transporte especialmente, que me convenci da justeza e do acerto, mais do que isso, da necessidade, de lutar contra o imperialismo.Não fui convertido a essa posição apenas por estudos teóricos, mas principalmente pela prática. Não lutei contra o roubo por sabê-lo condenado pelo código penal, mas por ver como se roubava.Ora, por esse tempo, crescia em intensidade e revestia-se de conteúdo político candente a campanha em torno do petróleo brasileiro e da sua forma de exploração. É claro que minhas simpatias voltaram-se, desde logo para os que se definiam pelo monopólio estatal.”
Como se pode ver, a acusação de ‘comunismo’ contra os que defendem os recursos naturais e o patrimônio público do Brasil contra o acaparamento pelo capital internacional vem de longe... E os acusadores são sempre e ainda os mais ávidos defensores da entrega destas riquezas. Por isso Nelson Werneck Sodré é tão atual: o que ele combateu em sua época foram as mesmas ameaças que enfrentamos hoje. Ele nos deixou instrumentos de análise e reflexão que são fundamentais para orientar e fortalecer nossas lutas em defesa dos bens públicos e naturais do nosso país.
O ISEB e o Nacionalismo
Nelson Werneck Sodré foi amigo de Graciliano Ramos e de Jorge Amado, de Astrojildo Pereira e de Clóvis Moura. Foi também professor, à convite de Alberto Guerreiro Ramos, do Instituto Brasileiro de Estudos Superiores – ISEB. Criado em 1955 e vinculado ao então Ministério da Educação e Cultura, o ISEB dedicava-se ao estudo, ao ensino e à divulgação das ciências sociais, reunindo talvez o mais importante grupo de pesquisadores sobre a realidade brasileira até então.
Eram membros do ISEB, dentre outros, Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Antônio Cândido e o já citado Alberto Guerreiro Ramos. Celso Furtado, Paulo Freire e Heitor Vila Lobos foram colaboradores do ISEB. Em suas memórias, publicadas em vários volumes, começando por Memórias de um Soldado, de 1967, seguidas por Memórias de um Escritor em 1970 – republicadas em 1988 sob o título Em Defesa da Cultura – e ainda A Ofensiva Reacionária, de 1992 e A Fúria de Calibã: Memórias do Golpe de 64, de 1994, Nelson Werneck Sodré nos deixou um testemunho inestimável sobre este período do ISEB e sobre todas as lutas da época em defesa do patrimônio brasileiro tão cobiçado pelo imperialismo. Para Nelson Werneck Sodré o imperialismo continuava a exploração colonial e por isso era importante compreender o regime colonial brasileiro e suas consequências.Neste trecho retirado de seu livro Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil – publicado em 1990, mas que é uma coletânea de textos elaborados em torno de 1970 – Nelson Werneck Sodré nos mostra sua visão do colonialismo ainda vigente no Brasil
“O capitalismo brasileiro avança devagar, aproveita as brechas para avanços mais rápidos, transige sempre com as relações políticas mais atrasadas e as econômicas que as asseguram, manobra, recua, compõe-se. Gera uma burguesia tímida, que prefere transigir a lutar, débil e por isso tímida, que não ousa apoiar-se nas forças populares senão episódicamente, que sente a pressão do imperialismo mais receia enfrentá-la, pois receia mais a pressão proletária. (...) Mas a heterogeneidade persiste: o Brasil arcaico nos cerca por todos os lados; o latifúndio persiste, resiste, abalado mas sobrevivendo a tudo.
É uma revolução burguesa peculiar a nação de passado colonial recente e de economia dependente. Revolução burguesa difícil, pois o imperialismo, que preside a dependência, coloca todos os obstáculos à união entre burguesia e proletariado-campesinato para o avanço efetivo. Na época da revolução burguesa clássica, a do Ocidente europeu, a burguesia podia aliar-se ao proletariado incipiente para derrotar os senhores feudais e derrubar seus direitos e privilégios. Era senhora do seu destino e suficientemente forte para, passada a luta, reservar-se as vantagens da vitória. Hoje isso não acontece. A burguesia, nos países de economia dependente, teme a aliança com as classes dominadas, pois estas estão suficientemente fortes para reivindicar a participação nas vantagens da vitória. Vamos, então, pelos trancos e barrancos de uma revolução burguesa que se desenvolve por patamares, sacudida de crises e acompanhada pelo imperialismo, que intervém no processo a cada passo.
(...) o passado colonial marca as nações que o sofreram. Há sempre consequências, mazelas, sequelas ancoradas naquele passado. A principal, sem a menor dúvida – presente, inclusive, nas manifestações mais disfarçadas ou ostensivas do neocolonialismo – está ligada àquela definição : uma economia é colonial quando a renda que proporciona se concentra no exterior.
São as forças econômicas antinacionais que geram as formas políticas e as formas culturais antinacionais; para manter aquelas, é absolutamente necessário suprimir as liberdades que condicionam a democracia e a cultura. Não importa, evidentemente, apenas o passado colonial para que tais mazelas e sequelas se manifestem: ter passado colonial não constitui condenação irremissível. O que constitui condenação , embora superável, é persistirem condições de subordinação colonial, e elas persistem quando condições presentes, e não passadas, estão ainda em vigência. Quaisquer que sejam os apregoados índices de desenvolvimento – a colonização também os apresentou aqui, com o açucar e com o ouro – a realidade prova que há muito de colonial, no Brasil, na fase contemporânea. “
Nesta citação há duas afirmações chave:
- uma economia é colonial quando a renda que proporciona se concentra no exterior.
- São as forças econômicas antinacionais que geram as formas políticas e as formas culturais antinacionais; para manter aquelas, é absolutamente necessário suprimir as liberdades que condicionam a democracia e a cultura.
A sanha das privatizações comandada pela direita brasileira atualmente, que procura entregar as grandes empresas públicas e os recursos naturais brasileiros ao capital internacional, é uma tentativa de neocolonização do Brasil que só pode ser conduzida suprimindo as liberdades democráticas e a cultura. O golpe contra a presidente Dilma Rousseff foi o início do processo de supressão da democracia, acompanhado pela operação Lava Jato e pelo desenfreado lawfare que, em todo o país , atacou pessoas e organizações que, de vários modos, se opuseram ao golpe ou que propunham políticas sociais alternativas. Ao mesmo tempo, a cultura e a educação , sobretudo as universidades, passaram a sofrer pesados ataques já no governo golpista de Michel Temer, uma agressão aque se acentou no governo do administrador colonial – erradamente chamado de presidente – Jair Bolsonaro. As privatizações defendidas por Bolsonado e seus seguidores, todos ‘patriotas’ inflamados, são apenas mais uma manifestação de um processo que Nelson Werneck Sodré já tinha visto e decifrado em sua época, um processo aliás que se repete desde a época do Império: as potências coloniais nunca aceitaram abandonar as riquezas do Brasil para o uso de seu povo e sempre tiveram aqui os seus bem remunerados serviçais. Os diversos estudos de Nelson Werneck Sodré são fundamentais para a compreensão deste processo de saqueio e destruição ao longo de toda a nosso história, processo que segue nos dias de hoje com forças renovadas e mais sofisticadas.
O ISEB foi um dos alvos preferidos do ataque desferido contra a cultura e a ciência pela ditadura militar, tendo sido fechado três dias depois do golpe de 64.
Nelson Werneck Sodré, pelas suas ligações com o ISEB e sobretudo pela sua pública e intransigente defesa da exploração do petróleo através de monopóplio estatal, teve seus direitos políticos cassados duas semanas após o golpe, seus livros publicados foram confiscados e ele acabou preso. Teve a sorte de não ser torturado como muitos outros militares nacionalistas – é importante não esquecer que havia uma significativa ala militar nacionalista, realmente preocupada com os destinos da nação, interessada em estudá-la e compreendê-la. A ditadura militar de 64 se empenhou em destruir o movimento nacionalista dentro das forças armadas. Ao que tudo indica, foram tão eficazes na brutalidade desta repressão que esta ala nacionalista parece ter desaparecido definitivamente. Os sucessivos ataques à Petrobrás, a privatização da Eletrobrás e da SABESP, não contaram com a indignação pública de nenhum militar de alta patente, que eu saiba. Mas houve manifestações públicas destes militares quando se tratava de prender Lula e de mantê-lo fora da campanha presidencial. Nelson Werneck Sodré reconheceria estes seus companheiros de farda e sabia muito bem a quem eles estavam servindo.
Cambuquira e a Luta pela Água
“Costumo, todos os anos, salvo impedimento, passar o verão, pelo menos em parte, na minha casa de Cambuquira, a mesma em que, agora, estou escrevendo estas memórias.”
A Fúria de Calibã: memórias do golpe de 64
A família Werneck tem uma longa história com a região do Circuito das Águas em Minas Gerais, particularmente com a cidade de Cambuquira. Américo Werneck, irmão da avó materna de Nelson, engenheiro do Rio de Janeiro que se mudou para o sul de Minas, militou, no tempo do Império, pela abolição da escravatura e pela República e foi responsável pela captação das fontes de água mineral que ainda fluem nos parques de água de Cambuquira e Lambari. Américo Werneck morou em Cambuquira mas foi o primeiro prefeito de Lambari e responsável pela criação, no Brasil, do conceito de Estância Hidromineral, seguindo o exemplo das estâncias hidrominerais européias, principalmente a famosa Baden-Baden, no estado de Baden Württemberg, ponto de encontro no século XIX de escritores, artistas e nobres. Dostoiévsky era assíduo frequentador de Baden-Baden e de seu cassino, onde perdeu muito dinheiro e que inspirou seu romance O Jogador.
Com a criação das estâncias hidro-minerais surgiu no Brasil a medicina baseada na utilização das águas minerais– disciplina conhecida como crenologia, que , novamente seguindo o exemplo europeu, rapidamente se tornou uma medicina procurada pelas elites políticas e econôminas brasileiras, basta lembrar as frequentes visitas de Getúlio Vargas à Poços de Caldas e São Lourenço, ambas conhecidas estâncias também em Minas Gerais. A Faculdade Nacional de Medicina tinha uma cadeira de crenologia, onde se formavam os médicos que depois iam trabalhar nestas estâncias e que deixaram valiosos estudos sobre a utilização medicinal das águas minerais, hoje praticamente esquecidos. Havia também uma Comissão Federal de Crenologia que orientava e apoiava os estudos e pesquisas sobre a utilização das águas minerais e que cuidava também da proteção destas fontes e de seu meio ambiente.
Em Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, Nelson Werneck escreveu:
“O nome que mais aparece nos mapas brasileiros das regiões ocupadas mais cedo é o de tapera, isto é, ruína. Esse nome assinala tristemente um dos fenômenos mais característicos da história do nosso país: a marcha territorial da riqueza. São inúmeros os casos, no Brasil, de áreas por vezes extensas que conhecem periodos de prosperidade, por vezes longos, descaindo depois, com um declínio também prolongado: a riqueza passou por ali, deixou vestígios materiais até, em certos casos, sem falar nos vestígios culturais. As populações acompanham essa decadência inexorável.”
Em Cambuquira, como nas estâncias minerais vizinhas de Lambari e Caxambu pode-se ver ‘que a riqueza passou por ali’ e que ‘deixou vestígios materiais’ – os muitos hotéis suntuosos, hoje na sua maioria fechados, em ruínas, vitímas desta ‘marcha territorial da riqueza’ , tristes testemunhas da época dos cassinos e da medicina das águas.
A riqueza maior, no entanto, as águas minerais, continuam ali.
Gosto de imaginar que Nelson Werneck Sodré, em suas temporadas em Cambuquira, deveria ir ao Parque das Águas, certamente apreciava esta riqueza.
Não encontrei, no que eu li de seus livros, nenhuma texto específico sobre a água, mas há uma interessante passagem sobre meio-ambiente publicada no livro O Fascismo Cotidiano, publicado em 1990:
“Aparecem, de vez em quando, na imprensa, protestos ou simples advertências contra a destruição das matas brasileiras. Como é sabido, o capitalismo, e com mais forte razão o capitalismo dependente, do tipo brasileiro, é predatório por essência: a destruição dos recursos naturais, o desequilíbrio biológico, a poluição dos ambientes são processos inerentes ao desenvolvimento de relações capitalistas. Atingem grau máximo quando tais relações alcançam a etapa de concentração, gerando a paisagem funérea das grandes cidades contemporâneas e dos extensos desertos nas áreas rurais. A destruição florestal é apenas um dos aspectos desse trágico processo em que o homem destrói a sua própria casa. No Brasil, é claro, a destruição florestal teve início séculos antes do aparecimento aqui de relações capitalistas. O mercantilismo, com as formas pré-capitalistas do capital – responsável pela colonização - ao montar a grande empresa produtora litorânea que foi a do açúcar, acarretou a derrubada da velha, larga e densa faixa florestal que se estendia do Nordeste a São Vicente. Se a destruição devida à exploração do pau-brasil não chegou a causar manchas extensas, brechas demasiado largas, a que se processou por força da atividade açucareira foi de consequências desastrosas. Ao longo dos séculos, por outro lado, e em toda a área povoada, a lenha foi o combustível quase único. Tudo isso acabou por acarretar a destruição que conhecemos.
Mas foi, sem dúvida, o desenvolvimento das relações capitalistas aqui, e o alastramento territorial delas, que acelerou consideravelmente a destruição do revestimento natural, por força, ainda, e como agravante, do caráter dependente do nosso “modelo” de produção econômica. Na medida em que tais relações invadem o campo, em áreas muitas vezes praticamente virgens – como a Amazônia, por exemplo - , o desequilíbrio biológico é posto em risco. Em grandes proporções, em muitos casos, ou em pequenas proporções mas ação continuada, em outros, a destruição está nos transformando num dos maiores desertos do mundo. O incentivo ao reflorestamente não atende, ou não vem atendendo, às necessidades de preservação do ambiente. É que não é simples restabelecer as condições que a natureza, em processos de extrema complexidade, consumiu anos para gerar e manter. A formação do solo é muita lenta; uma floresta demanda séculos para se formar; a destruição de quinze centímetros de solo – lembra, hoje, uma missivista inteligente em carta a um jornal – corresponde à destruição do trabalho natural de mil a seis mil anos.”
O complexo sistema hidromineral da região do Circuito das Águas levou milhões de anos para ser criado pela natureza. Nos parques de água de Cambuquira, Lambari e Caxambu encontram-se fontes de água mineral de composição físico-química diferentes, uma ao lado da outra, mineralizadas por camadas de rochas contendo minerais distintos no subsolo, uma verdadeira maravilha da natureza.
Para os médicos do tempo da crenologia, a medicina das águas, era uma verdadeira farmácia natural, contendo vários remédios e um potencial que mal se começou a explorar na época. Diante do abandono e do declínio econômico das estâncias hidrominerias hoje, vitimas fáceis da privatização das águas, diante das catástrofes crescentes causadas pela mudança climática, Nelson Werneck Sodré certamente teria levantado sua voz em defesa das águas. Em Cambuquira, onde ele testemunhou o início do declínio, ele poderia ter se interessado em saber as razões do abandono da medicina das águas. E certamente perceberia que tanto o curso de crenologia da Faculdade Nacional de Medicina quanto a Comissão Federal de Crenologia foram fechadas na mesma época, nos anos 50, quando os grandes laboratórios farmacêuticos estrangeiros começaram a divulgar com mais força os seus remédios para a incipiente classe média brasileira. A medicina das águas, apoiada pela elite, tinha que ser combatida pelos laboratórios farmacêuticos interessados ocupar todo o território, aumentando assim os seus lucros. Acabaram, então, com a medicina das águas e com o seu ensino na Faculdade Nacional de Medicina.
O que é mais triste é que aquelas águas deixaram de ser estudadas mas as pesquisas sobre a água, este elemento tão comum mas sempre tão surpreendente e misterioso, continuaram. Sabe-se hoje muito mais sobre a organização molucular da água, só para citar um exemplo, do que se sabia na década de 50.
Que supresas então o estudo das aplicações medicinais das águas minerais brasileiras poderia revelar se forem retomados os estudos delas à luz dos conhecimentos atuais? Um potencial insuspeitado pode estar adormecido naqueles parques de água e em suas fontes.
Nelson Werneck Sodré também certamente estaria indignado com a privatização da SABESP e teria se unido aos que a defendiam. Pela sua vivência em Cambuquira ele estaria atento também à privatização das águas pela indústria da água engarrafada, a ameaça constante que pesa sobre todas as estâncias hidro-minerais brasileiras. E ele teria visto com clareza a relação entre a privatização da SABESP e a indústria da água engarrafada, pois seguem a mesma lógica do capital: a transformação da água em mercadoria. É a indústria da água engarrafada que naturaliza a mercantilização da água e que insidiosamente contribui para a desvalorização do trabalho realizado pelas empresas públicas de água, pois a água engarrafada é vista como ‘melhor’ , mais ‘segura’. Esta desvalorização das empresas pública de água facilita o processo de privatização.
Nelson Werneck Sodré, hoje, defenderia o papel central das empresas públicas de água face à realidade da mudança climática. Ao invés de entregá-las ao capital internacional, o que se deveria fazer é aumentar os seus recursos e ampliar a sua capacidade de ação, dando-lhes mais poderes. Muito além de assegurar o saneamento e a distribuição da água, às empresas públicas de água deveria ser concedida também parte da tarefa de desenvolver e implementar políticas públicas de mitigação dos efeitos do aquecimento global.
Em Cambuquira, hoje, Nelson Werneck Sodré seria membro da ONG Nova Cambuquira, que na pequena cidade luta tão bravamente em defesa de suas fontes.
Ele aplaudiria e participaria também ativamente dos heróicos esforços da livraria e Fundação Vagão 98 em prol da cultura e do meio ambiente em Lambari.
Acredito que ele também iria trabalhar para que os sindicatos das empresas públicas de água se unissem e apoiassem a luta em defesa das fontes de água mineral. Pois a luta pela água é uma só.
Nelson Werneck Sodré foi um lutador pela campanha do Petróleo é nosso.
Hoje ele estaria engajado nesta outra campanha, ainda mais fundamental: a água é nossa!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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