A dramaturgia do real: Ainda estou aqui! – Os Golpes!
“As maldades se repetem em ciclos, contaminadas por mentes perigosas e petulantes, com egos absolutamente perdidos em escombros paranoides”, diz Elisabeth Lopes
A partir da estreia em novembro, vários brasileiros de diversas faixas etárias e, principalmente, os contemporâneos de um período nefasto de nossa história vêm assistindo o filme “Ainda Estou Aqui”. Essa obra cinematográfica dirigida pelo cineasta Walter Salles resulta de uma adaptação do livro homônimo do escritor, dramaturgo e jornalista Marcelo Rubens Paiva.
O longa-metragem encena a saga da mãe de Marcelo, Eunice Paiva, esposa do ex-deputado federal Rubens Paiva, torturado e assassinado no ano de 1971, durante a ditadura militar. A sua morte oficial só foi confirmada pelas investigações realizadas na Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 12.528/2011 e instalada em 2012, durante o governo da Presidente Dilma Rousseff. Esta comissão teve como objetivo investigar e desvelar as ocorrências e a autoria dos crimes impetrados contra os direitos humanos, levados a efeito entre 1946 e 1988 com a finalidade de salvaguardar o direito à memória, à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Por quase duas horas de projeção do filme, o público em completo silêncio assiste as cenas quase imóvel, com exceção dos movimentos de olhos e de olhares lacrimejantes. A plateia jaz comovida diante dos movimentos catárticos das personagens, na medida em que a trama real resgata a memória de uma fase obscura e cruel, cujo desfecho sinistro é conhecido.
As cenas se misturam à indignação coletiva pelas lembranças vividas ou contadas. As impecáveis interpretações do elenco, recuperam o inacreditável, a insanidade sanguinária e desumana dos torturadores.
A crueldade tem variadas feições ao longo da história do mundo. Os massacres perpetuam-se nas diversas configurações do mal, seja no nazismo, no fascismo, na escravidão, nos insólitos conflitos bélicos que dizimam vidas de homens, mulheres e crianças que nada têm a ver com as motivações dos infames que os promovem.
O recrudescimento absoluto do regime democrático nos 21 anos de chumbo de um tempo em que a deplorável tortura de homens sobre outros homens se sobrepôs à vida, à liberdade, aos direitos fundamentais, constituiu a absoluta negação da razão civilizatória.
Contudo, as maldades se repetem em ciclos, contaminadas por mentes perigosas e petulantes, com egos absolutamente perdidos em escombros paranoides, que se estendem a outras pobres mentes alienadas que fielmente as seguem.
Em novas circunstâncias e com outras personagens motivadas pelas persistentes intenções golpistas, atrocidades inconcebíveis e contrárias à democracia, reincidem, como na fúria coletiva expressa no ataque às sedes dos três poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023, mediada por vozes dissonantes que pediam a volta do governo militar.
Recentemente fomos surpreendidos por uma manifestação máxima de radicalidade produzida por uma mente, entre tantas deterioradas, que vagam por todos os cantos do país, como zumbis à espera do momento propício para eliminar aqueles que consideram seus algozes. Movidos por uma torpeza imaginária, essas pessoas em absoluta perdição se lançam em aventuras de morte, como no caso do homem-bomba.
A lavagem cerebral, regada pelo nazi fascismo tropical, é inculcada nas mentes cativas pelos discursos autoritários contra o adversário. O ódio que fere e mata explodiu uma vida na praça dos três poderes levada pela intenção de alvejar o Supremo Tribunal Federal e, em particular, a pessoa do Ministro Alexandre de Moraes.
A natureza desses atos contrários à integridade das instituições e das pessoas legalmente constituídas para representá-las revela a disposição do campo radical da extrema direita para agir de modo terrorista e perigosamente bélico. Na última terça feira (19/11/24), a revelação pela Polícia Federal (PF) de uma armação criminosa confirma esse ímpeto, o que nos assegura que os porões da ditadura, vivificados pela cultura cinematográfica, ainda persistem entre nós, ainda estão aqui.
O anúncio da prisão pela PF de 4 oficiais das Forças Armadas e de um policial da PF suspeitos pelo envolvimento num plano macabro de assassinato do Presidente Luís Inácio da Silva, do Vice Presidente Geraldo Alckmin e do Ministro Alexandre de Moraes, então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, pela inconformidade com o resultado da eleição para presidência da República em 2022, tomou de assalto o país em plena realização do encontro de Cúpula de líderes do G20. Enquanto o Presidente Lula colocava o país em evidência internacional ao protagonizar o lançamento da Aliança Global contra a fome e a pobreza obtendo a adesão de 81 países, recebeu das mãos do Diretor Geral da PF, Andrei Rodrigues, a notícia do plano de seu assassinato.
A ação planejada com a suspeita de anuência do ex presidente Bolsonaro e da participação ativa de seu Ministro da Casa Civil e da Defesa, General Braga Netto, além de uma numerosa turba fardada, chocaram o país. Os militares indiciados, todos de forças militares especiais, portanto profissionais de elite, formados para enfrentamentos e defesa em situações de ataques externos à soberania do país, foram presos pelos achados da PF referente a existência de um plano de ação terrorista que tinha por fim aniquilar o Estado de Direito.
A ousadia do plano de retomada do poder, pelo perecimento dos membros da chapa presidencial vencedora e do ministro da Corte Suprema, elaborado em detalhes sórdidos pelos oficiais: General de Brigada da reserva Mário Fernandes, secretário executivo da Presidência da República no governo do inelegível e atualmente assessor do ex-ministro e deputado federal Eduardo Pazuello; Tenente Coronel Hélio Ferreira Lima oficial formado em Forças Especiais; Major Rafael Martins de Oliveira, oficial formado em Forças Especiais e o Major Rodrigo Bezerra de Azevedo, oficial formado em Forças Especiais, abalou o país.
Esses quatro oficiais formados em práticas pedagógicas reminiscentes do modus operandi da doutrina ditatorial militar, não passam de golpistas imbuídos com a sanha do terrorismo fardado e silenciador de vidas em meio à penumbra dos corredores da caserna. Bolsonaro, o inútil capitão insubordinado e devoto a Brilhante Ustra, o maior carrasco e assassino da ditadura, finalmente é indiciado pela PF pelos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, organização criminosa e tentativa de golpe de estado, juntamente com o Gen. Braga Netto, Anderson Torres (ex Ministro da Justiça), Gen Paulo Sérgio Nogueira e Gen Augusto Heleno (ex Ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), além de outros militares e ex assessores do governo Bolsonaro.
Enquanto as instituições brasileiras continuarem inertes à devida e justa punição desses traidores da democracia, desde os protagonistas do golpe militar de 1964, ainda vivos, que torturaram homens e mulheres que lutaram pelo fim da ditadura, como a ex Presidenta Dilma Rousseff, até os que assassinaram vidas, como a do ex deputado Rubens Paiva, do jovem Stuart Angel Jones e de Iara Ialvelberg, companheira de Carlos Lamarca, teremos que conviver com a reincidência de conspirações e ameaças ao estado de direito, à liberdade de ir e vir e até de existir como nos tempos sombrios que ceifaram vidas de brasileiros que lutaram pelo fim dos tempos de exceção.
O povo brasileiro, os corpos desaparecidos durante o golpe fardado de 64, os torturados e assassinados merecem que os detratores da democracia sejam julgados e, finalmente afastados do convívio social por longos anos, para que episódios contrários à doutrina democrática nunca mais se repitam na história do país. Mas só essa providencia não basta, há sérias demandas estruturais urgentes como uma revisão séria da Presidência da República sobre o precípuo papel das Forças Armadas no país e sobre a formação dos oficiais nas academias militares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército.
Com base nos últimos acontecimentos que marcaram esta semana histórica no país, encerro este texto com a esperança de novos e dignos tempos. O povo brasileiro merece viver num Brasil democrático e soberano. Como referiu o brilhante escritor Ariano Suassuna numa entrevista a um jornal brasileiro:
“Não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas amargos. Sou um realista esperançoso. Sou um homem da esperança. Sei que é para um futuro muito longínquo. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo”.
Sejamos realistas esperançosos! Ainda Estou Aqui!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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