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      Roberto Ponciano

      Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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      A esquerda faroeste caboclo

      No meio deste genocídio permanente, a esquerda vai perdendo o foco e apenas pensa na eleição de 2026

      Polícia Militar de Rondônia (Foto: Daiane Mendonça/Governo do Estado de Rondônia)

      O Brasil é o país do mundo com o maior número de assassinatos, em termos relativos, é o décimo oitavo, na companhia indigesta de países com IDH muito menores e à frente apenas do México, quando comparado a países minimamente desenvolvidos e industrializados. Para termos ideia do índice de letalidade de armas de fogo no Brasil, a guerra do Vietnã matou 3 milhões e 100 mil pessoas, em 21 anos de guerra, sendo 1 milhão e 100 mil combatentes e 2 milhões de vidas civis. No mesmo período de vinte e um anos, foram cerca de 850 mil pessoas assassinadas no Brasil (que, em tese, não está em guerra), muito mais que as perdas militares de França e Estados Unidos no conflito. Ano passado, 38 mil pessoas perderam a vida no Brasil, oficialmente, quase 15% destas pessoas foram assassinadas pelas forças militares de segurança, polícias de todos os tipos (número não aceitável em qualquer país civilizado), mas este número pode ser bem maior, haja vista a quantidade de assassinatos não elucidados ou registrados como atingidos por “bala perdida”, sem clarificar se a morte se deu em execução (que ainda assim pode ser pela mão das forças policiais, oficiais, ou em atividades paralelas), ou pela mão do crime organizado.

      No meio deste genocídio permanente, nesta Faixa de Gaza cotidiana contra a juventude preta, pobre, periférica e favelada, a esquerda vai perdendo o foco e, em lugar de buscar soluções radicais para problemas estruturais que realmente diminuam a letalidade e o número de homicídios – ser radical é tomar o problema pela raiz; Karl Marx –, apenas pensa na eleição de 2026, e entra numa maratona para suceder à direita mais sanguinária e bolsonarista na sua sanha por justiçamento, e começa a pontuar o problema com falsas perspectivas e soluções, afinal, “a segurança é um dos calcanhares de Aquiles na disputa das eleições de 2026”, então, senhoras e senhores, não percamos o espetáculo, pão e circo, preparem a pipoca e o guaraná, e pautemos nós o show grotesco das soluções fantásticas, que podam os galhos mas não derrubam a árvore, na questão da violência.

      Bezerra da Silva, o grande malandro, numa entrevista fantástica, quando se lhe acusaram de fazer “apologia do crime”, respondeu a repórter, com uma frase que poderia ter saído dos lábios de Rousseau, Hegel ou mesmo Karl Marx: “nunca vi ninguém nascer bandido”.

      E, senhores e senhoras do picadeiro eleitoral de 2026, a esquerda está esquecendo de uma verdade basilar: “ninguém nasce bandido”.

      O Brasil parece um terrível “Conto da Aia”, numa sociedade pouco filosófica e pouco versada a debates de profundidade, e não estou falando de bolsões intelectuais acadêmicos de algum curso aqui ou ali em alguma universidade importante, mas da sociedade tomada como um todo, e que assistimos estarrecidos, por exemplo, à luta no gel, num programa de podcast, entre analfabetos Ancaps, protofascistas de todos os tipos e pseudo marxistas que querem provar que tem o pau maior que a direita analfabeta.

      Assim, surgem falsos debates e falsas soluções para problemas estruturais que não serão resolvidos podando galhos em lugar de tomar o problema radicalmente, pela raiz mesmo do problema.

      Dois lugares comuns da esquerda precisam ser melhor debatidos:

      1) Precisamos dialogar com os evangélicos;

      2) Precisamos “debater” a pauta da violência.

      O primeiro não é tema deste artigo e apenas comentarei brevemente. Quando se fala em “dialogar” ou “debater” com os evangélicos, principalmente os fundamentalistas neopentecostais, a tradução real deste debate ou diálogo é “quero disputar o voto evangélico”, não importa que a pauta sejam concessões absurdas contra o Estado laico, calar-se diante de questões que não são acessórias, mas são centrais hoje da civilização, como a questão da misoginia, submissão da mulher, machismo, conservadorismo, homofobia e naturalização de uma pauta conservadora e protofascista como “questão de foro íntimo e religiosa”. E, como já alertava Istvan Mészàros, uma esquerda que abriu mão da disputa de corações e mentes e vai transformando, paulatina e perigosamente os partidos social democratas ou comunistas, que antes disputavam o rumo dos pensamentos da sociedade, em máquinas eleitorais que vão fazendo todo o tipo de concessões, até ficarem muito parecidos com qualquer partido de direita, a ponto de a diferenciação entre um e outro acabar sendo tão somente pauta do desenvolvimentismo econômico, em quem conseguimos ainda defender o pobre da miséria, face à uma direita ultraneoliberal ou protofascista (por vezes, a conjugação das duas), que ameaça a existência física dos pobres e da própria esquerda.

      A segunda, merece ser discutida aqui em pormenores. Assisti estarrecido um debate deslocado sobre vereadores do PT no Rio de Janeiro terem votado contra a guarda municipal receber armamento. E porque é um debate deslocado, porque tudo hoje na política brasileira parece contaminado, a cada segundo, pelo debate eleitoral de 2026, num pragmatismo oportunista que seria capaz de assustar até Jânio Quadros. Sim, Paes é um importante aliado de Lula para 2026, não, isto não significa que o Partido dos Trabalhadores tenha que virar linha auxiliar de toda política dele para a população do Rio de Janeiro, até porque, o PT venceu a eleição de 2022, seguramente a mais importante da história do Brasil, e evitou que um governo fascistas se elegeu pelo voto e findasse sua tarefa de exterminar todas as políticas públicas e avançasse na destruição do Estado e na conformação de uma república cujo poderio teria que estar voltado para a repressão dos trabalhadores, dos movimentos social e sindical, e voltada apenas para atender aos mais ricos, e venceu levantando nas as bandeiras da direita miliciana TV Record, mas as bandeiras dos direitos civis e das garantias individuais e dos cidadãos.

      Não sou um sectário com 3 neurônios militante do PSTU, não nego a importância da vitória do PT em 2022, e novamente a importância central da manutenção do governo com a reeleição de Lula em 2026, só não estou doente de um pragmatismo senil, que confunde taticismo com estratégia de longo prazo – inexistente no PT, inclusive no que diz respeito à sucessão de Lula – que a priori justifica todas as renúncias ao debate e a luta de classes na sociedade pela vitória imaculada e com todos em 2026. Como se toda vitória não fosse programática (qualquer que seja o programa, mais à esquerda ou mais à direita) e não predeterminar uma margem de manobra maior ou menor no possível e provável quarto mandato de Lula.

      Assim, parte do PT Fluminense, além da óbvia busca tresloucada de cargos, do primeiro ao quinquagésimo escalão na prefeitura do Rio, acha que sua missão é ser sucursal das opiniões e das vontades de Eduardo Paes, de forma que a política do PT do Rio deve ser de dizer que até o peido do Eduardo Paes cheira a perfume francês. E abrindo mão de pautas históricas e de raiz temática da existência da própria esquerda.

      Dizer que a violência é um problema estrutural, não é um clichê do filme Tropa de Elite. É discussão basilar que nos leva à raiz do que é ser de esquerda. Virou um mantra eu repetir nos meus artigos que o Brasil precisa passar por um processo “Iluminista”, e não falo isto sem conhecimento de causa, como quem se utilizasse de um jargão para lacrar na internet. Fico um pouco atordoado quando vejo marxistas atacando “o marxismo ocidental”, defendendo um jargão de marxismo “oriental”, a partir de uma leitura esquizofrênica de um autor de pouca importância como Losurdo, para negar questões centrais também para o marxismo, que são os direitos do indivíduo, ainda na sociedade capitalista, mesmo antes da revolução socialista.Marx e Engels sempre se disseram herdeiros dos jacobinos – revolucionários com raiz iluminista e enciclopedista na França e liberais – e a crítica de Marx à Revolução Francesa não era pela pauta da igualdade, mas sim, pela falta de igualdade substantiva, e à redução da igualdade como um valor universal abstrato – no marxismo não existem valores universais – a uma legalidade de direito baseada numa desigualdade de fato, lastreada no direito à propriedade privada dos meios de produção.

      Marx nunca foi adversário das lutas contra o racismo, ou pela igualdade das mulheres, ou pelos direitos civis mínimos, muito pelo contrário, frente às monarquias, às ditaduras bonapartistas ou bismarckianas, Marx sempre brandiu a pauta mínima da República Democrática Burguesa, para que o proletariado tivesse os mínimos direitos de organização para lutar pela sua sobrevivência e aí poder se organizar para a sua revolução.

      Assim, os direitos humanos, como direito de classe – e não direitos universais abstratos, derivados de alguma verdade divina absoluta – e da classe mais oprimida, sempre foram bandeiras de lutas nossas, dos comunistas, dos socialistas e da esquerda em geral.

      É assustador ver um prefeito do PT, como Quaquá, defender abertamente que “lugar de bandido é na vala”, e pior ver gente como Ricardo Capelli repercutindo a fala dele no Instagram e o parabenizando pela iniciativa, ou a militância do partido justificando a fala e a “necessidade imperiosa” de armar as guardas municipais, para termos mais segurança, ou será apenas e tão somente para garantirmos as eleições em 2026?

      “Lugar de bandido é na vala” é a versão “bandido bom é bandido morto”, só que agora tingido de vermelho e dita por petistas.

      É abrir mão das nossas convicções filosóficas e de todas as nossas bandeiras de luta. O socialismo e o comunismo são, antes de tudo, concepções de mundo laicas e imanentistas. Sim, senhores, o homem é produto do meio, ainda que não seja uma tábula rasa.

      É certo que o grande desastre das duas guerras, do fascismo e do nazismo, de 70 milhões de mortos na conjunção destas duas grandes pragas e tragédias colocaram muitas dúvidas nas convicções e expectativas revolucionárias de emancipação do mundo, e o debate mais de fundo, mais teórico e mais filosófico foi desaparecendo.

      Os artigos de Freud, “O futuro de uma ilusão”,  e em “Psicologia das massas e análise do eu”, não só demonstram que o ser humano não é bom por natureza (uma crença imputada por ele aos comunistas), mas trata das pulsões, do instinto de morte e das satisfações da inclinações sádicas do homem, não só para diagnosticar a religião como um desdobramento da angústia humana, em face da aniquilação física decretada pela morte, mas, também, vai explicar como a irracionalidade presente na psiquê de cada um explica a adesão em massas a movimentos messiânicos – que teriam o mesmo gatilho irracional da religião – como o fascismo e o nazismo.

      Mas, Freud foi além disso, acusou explicitamente os socialistas e comunistas de depositar esperanças fraudulentas nas massas, porque, para ele, nossa herança genética, nossos impulsos sádicos e competitivos, “o pequeno ditador e proprietário existente em cada um de nós” – interpretação jocosa minha da teoria freudiana –, acabaria por destruir qualquer possibilidade de uma sociedade igualitária e de futuro socialista. O que, ironicamente, acaba, de ser feita, por igualar Freud, a quem ele combateu ferozmente, os nazistas e fascistas: estes acreditavam num pré-determinismo genético, na sua fraudulenta tese sobre a superioridade ariana; Freud, por sua vez, para combater o comunismo, inaugura uma forma de “pré-determinismo social da psiquê”, ahistórico, e que recuperar uma “natureza humana eterna”, a qual exatamente ele pretendia combater.

      Freud atirou no que viu e acertou no que não viu. Estava correto em não reduzir à crítica ao nazismo e ao fascismo a uma crítica racionalista que não dá conta dos epifenômenos de massa em época de crise, grandes contingentes populacionais, corroídos pela miséria e pela perspectiva de indigência, que se veem seduzidos muito facilmente por qualquer discurso irracional e messiânico. Nisto Freud dará luz a marxistas não ortodoxos, como Georg Lukács e Max Horkheimer, para que façam uma análise profunda dos fenômenos fascistas e nazistas. Eles conjugaram análise sociológica e de conjuntura política e histórica, combinados com elementos de psicologia comportamental de massas, que conseguem aprofundar e trazer lume às razões da vitória de movimentos autoritários, “Em estudos sobre a personalidade autoritária”, eles conseguem mesmo levar a frente uma série de questionários sobre as possibilidades de vitória do fascismo nos Estados Unidos, conjugando elementos de condição de classe, vulnerabilidade, recalque, ressentimento, pobreza, com a sua correlação com pensamentos racistas, fascistas, homofóbicos, misóginos.

      Mas, por que digo que Freud atirou no que viu (no comunismo) e acertou no que não viu, nazismo e fascismo? Porque a crítica dele ao messianismo das massas é perfeita, mas a ideia dele de que Marx e o marxismo fossem uma continuidade do “mito do bom selvagem de Rousseau” é sem nenhuma base epistemológica real. Marx nunca trabalhou com ideias de “bondade universal” e, embora reconhecesse a importância dos “socialistas utópicos”, os combatia como uma ilusão de massas que não conseguia analisar criticamente as condições históricas reais.

      Muito pelo contrário, Marx era dialético, e a antítese não é um silogismo lógico ou uma combinação harmoniosa de pensamentos, Marx era darwiniano e entendia a luta de classes até mesmo dentro da natureza. Engels tem um belo texto sobre o “papel do mal” na humanidade. E, é claro, Engels não está falando de nenhuma força diabólica ou demoníaca – até porque o marxismo é ateu – mas das potencialidades da destruição das estruturas vigentes e da demonização, pela classe dominante, de tudo que esteja contraposta ao status quo.

      Em suma, Freud não tinha lido absolutamente nada de dialética e atacou um comunismo que só existia na cabeça dele. Na verdade, no ataque ao comunismo expressou apenas sua posição de classe de pequeno burguês de Viena, haja vista que nos mesmos artigos que ataca a religião, ele ainda a defende como uma “necessidade”, chegando ao mesmo nível de conservadorismo de Augusto Comte, como um freio moral das massas, para que eles não tenha a impiedosa ideia de acabar com a sociedade de classes. No fundo, o ataque ao comunismo, ainda que o texto seja muito importante para entender os movimentos messiânicos dentro de quaisquer sociedades – incluindo-se aqui os Ancaps, os partidários de Milei, o bolsonarismo, o trumpismo – como movimentos de massas recalcadas e ressentidas, ele não se aplica à teoria comunista.

      Mas, voltando à questão do armamento das nossas guardas municipais, e à frase “lugar de bandido é na cova”, a longa digressão acima não é um nariz de certa. Se efetivamente somos imanentistas – e não ser imanentistas significa, na outra ponta, acreditar em alguma forma de providência divina ou pré-destinação como “índole”, “caráter”, falha ou tara genética – só podemos acreditar que os homens e as mulheres de uma sociedade são produtos históricos das condições sociais pré determinadas. Limitados e potencializados por estas mesmas condições.

      A uma sociedade extremamente desigual como a brasileira – e é bom lembrar que se o Brasil não é o país mais pobre do mundo, faz pouco tempo, e mesmo com 4 governos do PT isto não mudou radicalmente – o Brasil é a sociedade mais desigual do planeta, com os ricos com maior concentração de riqueza em face do mais pobres – sempre vai corresponder, como estrutural e estruturante uma violência aberta e permanente contra os mais pobres.

      O Brasil foi um país construído a partir da mão de obra escrava, do sequestro e diáspora forçada de milhões de negros e negras, trazidos em cativeiro para construir a riqueza alhures, na Europa, e com total concentração de renda desde a sua fundação. Como já dizia o samba da Mangueira, “livres do açoite da senzala, presos na miséria da favela”. Esta sociedade cimentada na escravidão, só pode construir uma república em cima de uma polícia militarizada, que no interior sempre teve estreitas relações com o coronelismo, o latifúndio e os poderes locais.

      É fato que a esquerda tem dourando a pílula, mas sim, não podemos esquecer que a polícia é órgão de coerção de classe, da classe dominada, da imensa maioria da população pelo 0,5% mais ricos. E toda reforma estrutural necessária que se faça, não vai mudar este eixo fundante da polícia. Como dizia Hélio Luz, a polícia funciona muito bem, ela não está estruturada para combater o crime, ela existe para dizer para o morro que o morro não deve e não pode descer.

      E é lógico que falar isto é falar muito pouco. O próprio conceito de crime tem que ser debatido e analisado, numa sociedade lastreada na expropriação do trabalho alheio. É um conceito de honestidade que se baseia na submissão de massas inteiras a um trabalho por menos do mínimo para sobreviver, ladeado ao desfrute de uma pequena camada de muito ricos que vivem como se habitassem a Europa. A violência já está contida neste desenho desigual. E a polícia serve, precipuamente, para garantir a manutenção deste desenho. Basta olhar a virulência dos 0,5% mais ricos contra o projeto de Lula que quer taxar apenas 2,5% de parte desta ostentação.

      E é lógico que numa sociedade desigual e injusta como a brasileira, na qual os mais pobres trabalham em sua grande maioria, em empregos precários, em subempregos, ou empregos formais por salário mínimo, as condições de se formar um proletariado minimamente politizado e que se aproprie dos debates públicos sobre segurança – num conceito vital, que fale da apropriação da própria vida como bem viver e não somente como combate ao crime – é quase zero.

      E a esquerda morde a maçã podre e envenenada e fabrica 500 “especialistas” de “esquerda” para falar sobre o tema, com falsas soluções para combater o crime e parodiando a frase atribuída a Getúlio Vargas, “façamos a revolução, antes que o povo a faça”, “tratemos do tema da segurança, antes que a direita o faça”. Que deve traduzir-se em “tenhamos uma pauta para segurança pública, mesmo que não acreditemos nela”, para ganharmos a eleição em 2026.

      A pauta, ao fim e ao cabo, resume-se em “mais polícia nas ruas e mais armas”, e, se os estados estão quebrados e já com os orçamentos muito comprometidos com segurança, que flexibilizamos a Constituição Federal e que criemos também policiais municipais, e que distribuamos mais armas pelo país.

      Bem, se cerca de 15% dos assassinatos cometidos no Brasil – números oficiais, números não oficiais, os índices podem ser bem maiores – foram por forças policiais, não é, no mínimo suspeito, achar que colocar mais armas e mais policiais em todos os cantos, em lugar de diminuir estes números não pode dinamizá-los?

      Não sou purista e não acho que não se deva combater o tráfico e não se deva retomar os territórios perdidos. Mas só alguém profundamente ingênuo ou mal intencionado consegue acreditar que o nível de poder que o tráfico e a milícia possuem no Rio de Janeiro se devem a um “contingente reduzido das polícias” e não a um conluio, no qual ninguém no Rio sabe muito bem onde acaba o crime organizado e onde começa a polícia. No Rio de Janeiro, nenhum cidadão comum, que preze a própria vida, irá numa delegacia denunciar um miliciano. Pode ser que o próprio miliciano, em pessoa, seja o policial que vai receber o relato na DP.

      O orçamento vai sendo priorizado e constrangido em forças policiais cada vez mais armadas, que transformam nossas ruas num faroeste caboclo e que, a contrario senso de nos dar mais segurança, apenas nos dão a ilusão da presença e a configuração de se naturalizar que a cidade esteja sequestrada por uma guerra diária contra o tráfico, que é uma outra forma de enxugar gelo gastando recursos que deveria estar sendo aplicados em outras áreas.

      Para terminar esta longa digressão, temos que fugir dos moralismos e voltar a falar coisas que falávamos ontem mesmo. A única forma de acabar com o tráfico é legalizando todas as drogas. É algo tão natural e lógico, que a esquerda, principalmente a com força eleitoral, não defende abertamente a legalização das drogas – assim como a legalização do aborto – com o medo permanente de perder as eleições, por ser atacada por todo o falso moralismo da direita e pelos interesses de se manter esta máquina azeitada de ganhar dinheiro que é o crime organizado, que move trilhões de dólares pelo mundo todo, inclusive no Brasil.

      Os menos interessados em legalizar as drogas são o tráfico e a polícia, o primeiro deixaria de existir, a segunda perderia força polícia e importância e teria, em pouco tempo, o seu efetivo bem reduzido.

      Mais armas, mais polícias e mais crimes. A favela continua como imensa Senzala e a desigualdade foi apenas arranhada com as parcas reformas que conseguimos na difícil conjuntura em que nos encontramos, com apenas 1/5 do Congresso a nosso favor. É fundamental que voltemos a ser radicais e falemos verdades. Não vai se combater violência com guardas municipais fantasiados de Cowboy e andando cheio de insígnias pelos guetos. Haverá só mais repressão.

      Uma pauta corajosa da esquerda para acabar com a violência tem que prever:

      1. Descriminalização de todas as drogas, começando pela maconha e sua venda controlada em espaços comerciais fiscalizados – isto desarmará o tráfico imediatamente e afetará pesadamente a indústria de armas.

      2. Reforma progressistas da seguridade social, garantido renda básica a todos e nenhum desassistido, mesmo que a pessoas jamais tenha contribuído para a previdência social, ainda que haja impacto deficitário nas contas, num primeiro momento, já que com a ativação de economia este impacto tem que ser revertido e a conta tem que ser cobrada dos mais ricos. Numa sociedade sem miseráveis e sem famintos, os exércitos do crime têm menos soldados à disposição.

      3. Escola integral da creche ao final do ensino médio, com garantia de que todas as crianças da periferia estejam nelas e corte de pagamento dos programas sociais de quem não colocar os filhos nestas escolas – mesmo que os filhos sejam adolescentes. Menos adolescentes e crianças nas ruas, menos vulneráveis à disposição do crime.

      4. Reversão dos orçamentos da segurança para programas sociais e culturais nas favelas e periferias. Mais emprego, acesso à cultura e qualidade de vida tornam a juventude periférica menos vulnerável aos encantos do crime organizado.

      Não existem soluções fáceis para a violência, e mesmo com pequenas baixas nos índices de homicídio, elas são incompatíveis com uma sociedade desenvolvida e civilizada. Mas não, a esquerda não tem que disputar a pauta da violência com o discurso de mais armas, mais polícias, mais prisões, mais mortos, mais população carcerária.

      A pauta tem que ser sim a redistribuição de renda e o investimento em políticas públicas que vejam a segurança como bem viver e seguridade social, e não somente como combate ao crime.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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