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      Alastair Crooke

      Ex-diplomata britânico, fundador e diretor do Conflicts Forum.

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      A fraqueza transacional inclina a balança de poder – 'Não alimentem ilusões; não há nada além desta realidade'

      Um "rebalanceamento" econômico dos EUA está chegando. Putin está certo. A ordem econômica pós-Segunda Guerra "acabou"

      Vladimir Putin (Foto: Reuters)

      Originalmente publicado por Strategic-Culture em 31 de março de 2025

      O resultado geopolítico pós-Segunda Guerra Mundial efetivamente determinou a estrutura econômica global do pós-guerra. Ambos estão agora passando por grandes mudanças. O que permanece imutável, no entanto, é a weltanschauung (visão de mundo) ocidental de que tudo deve "mudar" apenas para continuar igual. As finanças seguirão como antes; não perturbe o sono. A suposição é que a classe oligárquica/doadora garantirá que tudo permaneça como está.

      No entanto, a distribuição de poder do pós-guerra foi única. Não há nada "eterno" nela; nada intrinsecamente permanente.

      Em uma conferência recente de industriais e empresários russos, o presidente Putin destacou tanto a fratura global quanto apresentou uma visão alternativa que provavelmente será adotada pelos BRICS e muitos outros. Seu discurso foi, metaforicamente, a contraparte financeira de seu discurso no Fórum de Segurança de Munique em 2007, quando aceitou o desafio militar imposto pela "OTAN coletiva".

      Agora, Putin sugere que a Rússia aceitou o desafio da ordem financeira pós-guerra. A Rússia resistiu à guerra financeira e está prevalecendo também nela.

      O discurso de Putin na semana passada, em certo sentido, não trouxe nada de realmente novo: refletiu a clássica doutrina do ex-premiê Yevgeny Primakov. Sem romantismos em relação ao Ocidente, Primakov entendia que a sua ordem hegemônica mundial sempre trataria a Rússia como subordinada. Por isso, ele propôs um modelo diferente – a ordem multipolar – em que Moscou equilibra blocos de poder, mas não se junta a eles.

      No cerne da Doutrina Primakov estava a evitação de alinhamentos binários, a preservação da soberania, o cultivo de laços com outras grandes potências e a rejeição da ideologia em favor de uma visão nacionalista russa.

      As negociações atuais com Washington (agora focadas estreitamente na Ucrânia) refletem essa lógica. A Rússia não está implorando por alívio de sanções ou ameaçando algo específico. Está conduzindo uma procrastinação estratégica: esperando ciclos eleitorais, testando a unidade ocidental e mantendo todas as portas entreabertas. Ainda assim, Putin não é avesso a exercer um pouco de pressão própria – a janela para aceitar a soberania russa sobre os quatro oblasts [regiões] orientais não é eterna: "Esse ponto também pode se mover", disse ele.

      Não é a Rússia que está acelerando as negociações; muito pelo contrário – é Trump quem as está apressando. Por quê? Parece remeter ao apego estadunidense à estratégia de triangulação à la Kissinger: subordinar a Rússia, afastar o Irã e depois separar a Rússia da China. Oferecer cenouras e ameaçar "prender" a Rússia e, uma vez subordinada dessa forma, ela poderia ser afastada do Irã – removendo assim quaisquer impedimentos russos a um ataque do Eixo Israel-EUA contra o Irã.

      Primakov, se estivesse aqui, provavelmente alertaria que a "Grande Estratégia" de Trump é amarrar a Rússia a um status subordinado rapidamente, para que Trump possa continuar a normalização de Israel em todo o Oriente Médio.

      Witkoff [o negociador do governo dos EUA] deixou a estratégia de Trump muito clara:"A próxima coisa é: precisamos lidar com o Irã… eles são benfeitores de exércitos por procuração… mas se conseguirmos eliminar essas organizações terroristas como riscos… Então normalizaremos em todos os lugares. Acho que o Líbano poderia normalizar com Israel… Isso é realmente possível… Síria também: Talvez Jolani na Síria [agora] seja um cara diferente. Eles expulsaram o Irã… Imagine se Líbano… Síria… e os sauditas assinarem um tratado de normalização com Israel… Quero dizer, isso seria épico!"

      As autoridades dos EUA afirmam que o prazo para uma "decisão" sobre o Irã é nesta primavera…

      E com a Rússia reduzida a um status de suplicante e o Irã resolvido (nesse pensamento fantasioso), a equipe de Trump pode se voltar para o principal adversário – a China.

      Putin, é claro, entende isso bem e desmistificou todas essas ilusões: "Deixem de lado as ilusões", disse ele aos delegados na semana passada:

      "Sanções e restrições são a realidade de hoje – junto com uma nova espiral de rivalidade econômica já desencadeada…"

      "Não alimentem ilusões: Não há nada além desta realidade…"

      "As sanções não são medidas temporárias ou direcionadas; constituem um mecanismo de pressão sistêmica e estratégica contra a nossa nação. Independentemente de desenvolvimentos globais ou mudanças na ordem internacional, nossos competidores buscarão perpetuar a restrição da Rússia e diminuir as suas capacidades econômicas e tecnológicas…"

      "Vocês não devem esperar liberdade total de comércio, pagamentos e transferências de capital. Não contem com mecanismos ocidentais para proteger os direitos de investidores e empresários… Não estou falando de sistemas legais – eles simplesmente não existem! Eles existem lá apenas para si mesmos! Esse é o truque. Entendem?!"

      Nossos [da Rússia] desafios existem, "sim" – "mas os deles também são abundantes. A dominância ocidental está escorregando. Novos centros de crescimento global estão assumindo o palco", disse Putin.

      Esses [desafios] não são o "problema"; são a oportunidade, explicou Putin: "Priorizaremos a manufatura doméstica e o desenvolvimento de indústrias tecnológicas. O modelo antigo acabou. A produção de petróleo e gás será apenas um adjunto a uma 'economia real' majoritariamente interna, autossuficiente – com a energia não mais como seu motor. Estamos abertos a investimentos ocidentais – mas apenas em nossos termos – e o pequeno setor 'aberto' de nossa economia, por outro lado fechada, continuará negociando com nossos parceiros do BRICS."

      O que Putin delineou é efetivamente um retorno ao modelo de economia fechada e de circulação interna da escola alemã (à la Friedrich List) e do premiê russo Sergei Witte.

      Para deixar claro – Putin não estava apenas explicando como a Rússia se transformou em uma economia resistente a sanções que poderia desprezar tanto as aparentes seduções do Ocidente quanto as suas ameaças. Ele estava desafiando o modelo econômico ocidental de forma mais fundamental.

      Friedrich List, desde o início, desconfiou do pensamento de Adam Smith que formou a base do "modelo anglo". List alertou que ele acabaria sendo contraproducente; enviesaria o sistema contra a criação de riqueza e, por fim, tornaria impossível consumir tanto ou empregar tantos.

      Essa mudança de modelo econômico tem consequências profundas: mina por completo o modo transacional da "Arte do Negócio" da diplomacia na qual Trump se baseia. Expõe as fraquezas transacionais. "Seu incentivo de suspensão de sanções, além de outros atrativos de investimento e tecnologia ocidentais, agora não significam nada – pois daqui em diante aceitaremos essas coisas apenas em nossos termos", disse Putin. "Nem", argumentou ele, "as suas ameaças de um novo cerco de sanções têm peso – pois as suas sanções foram a bênção que nos levou ao nosso novo modelo econômico."

      Em outras palavras, seja na Ucrânia, nas relações com China e Irã, a Rússia pode ser largamente impenetrável (exceto pela ameaça mutuamente destrutiva da Terceira Guerra Mundial) às lisonjas dos EUA. Moscou pode tomar o seu tempo na Ucrânia e considerar outras questões com base em uma análise estrita de custo-benefício. Pode se ver que os EUA não têm alavancagem real.

      No entanto, o grande paradoxo disso é que List e Witte estavam certos – e Adam Smith estava errado. Pois agora são os EUA que descobriram que o modelo anglo de fato se mostrou contraproducente.

      Os EUA foram forçados a duas conclusões principais: Primeiro, que o déficit orçamentário, somado à dívida federal explosiva, finalmente voltou a "Maldição dos Recursos" contra os EUA.

      Como "guardião" da moeda de reserva global – e como JD Vance explicitamente disse – isso necessariamente fez com que a exportação primordial dos EUA se tornasse o dólar estadunidense. Por extensão, significa que o dólar forte (impulsionado por uma demanda sintética global pela moeda de reserva) esvaziou a economia real dos EUA – a sua base manufatureira.

      Isso é a "Doença Holandesa", em que a valorização da moeda suprime o desenvolvimento de setores exportadores produtivos e transforma a política em um conflito de soma zero sobre rendas de recursos.

      Na audiência do Senado no ano passado com Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, Vance perguntou ao presidente do Fed se o status do dólar como moeda de reserva global poderia ter algumas desvantagens. Vance traçou paralelos com a clássica "maldição dos recursos", sugerindo que o papel global do dólar contribuiu para a financeirização em detrimento do investimento na economia real: O modelo anglo leva as economias a se especializarem excessivamente em seu fator abundante, sejam recursos naturais, mão de obra barata ou ativos financeirizados.

      O segundo ponto – relacionado à segurança – um assunto que o Pentágono vem martelando há cerca de dez anos, é que a moeda de reserva (e consequentemente o dólar forte) empurrou muitas cadeias de suprimentos militares dos EUA para a China. Não faz sentido, argumenta o Pentágono, que os EUA dependam de cadeias chinesas para fornecer insumos a armas manufaturadas pelos EUA – com as quais então lutariam contra a China.

      O governo dos EUA tem duas respostas para esse dilema: Primeiro, um acordo multilateral (nos moldes do Acordo Plaza de 1985) para enfraquecer o valor do dólar (e pari passu, portanto, aumentar o valor das moedas dos estados parceiros). Essa é a opção do "Acordo de Mar-a-Lago". A solução dos EUA é forçar o resto do mundo a valorizar as suas moedas para melhorar a competitividade das exportações estadunidenses.

      O mecanismo para atingir esses objetivos é ameaçar parceiros comerciais e de investimento com tarifas e a retirada do guarda-chuva de segurança dos EUA. Como uma reviravolta adicional, o plano considera a possibilidade de reavaliar as reservas de ouro dos EUA – uma medida que, inversamente, cortaria a valorização do dólar, da dívida estadunidense e dos títulos do Tesouro mantidos por estrangeiros.

      A segunda opção é a abordagem unilateral: nela, uma "taxa de usuário" sobre os títulos do Tesouro mantidos por governos estrangeiros seria imposta para expulsar os gestores de reservas do dólar – e assim enfraquecê-lo.

      Bem, é óbvio, não é? Um "rebalanceamento" econômico dos EUA está chegando. Putin está certo. A ordem econômica pós-Segunda Guerra "acabou".

      A arrogância e as ameaças de sanções forçarão grandes estados a fortalecerem as suas moedas e aceitarem a reestruturação da dívida dos EUA (ou seja, cortes impostos em seus títulos)? Parece improvável.

      O realinhamento de moedas do Acordo Plaza dependia da cooperação de grandes estados, sem a qual movimentos unilaterais podem ficar feios.

      Quem é o partido mais fraco? Quem tem a alavancagem agora na balança de poder? Putin respondeu a essa pergunta em 18 de março de 2025.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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