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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    A resiliente Rússia e os “boatos” ocidentais

    A Rússia, que já resistiu aos príncipes polacos, aos Cavaleiros Teutônicos, a Napoleão e a Hitler, parece que vai continuar a resistir bem aos EUA e à Otan

    O presidente russo, Vladimir Putin, presta juramento durante uma cerimônia de inauguração no Kremlin, em Moscou, Rússia, em 7 de maio de 2024, nesta imagem tirada de um vídeo transmitido ao vivo (Foto: Kremlin.ru)

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    Certa vez, espalharam boatos sobre a suposta morte do escritor estadunidense Mark Twain. Os boatos se tornaram insistentes.

    Twain, agastado, foi obrigado a desmentir publicamente que estava morto. Na ocasião, proferiu a sua famosa e sarcástica frase: “Os boatos sobre minha morte foram um tanto exagerados”.

    A frase entrou para a história.

    Outra coisa que parece que vai entrar para a história é a resiliência econômica, política e militar da Rússia. 

    Muitos previram, após o início do conflito na Ucrânia, a “morte” iminente do regime de Putin.

    De fato, boa parte dos analistas acidentais apostaram, e disseminaram, por assim dizer, “boatos”, sobre o “iminente colapso da Rússia”, após as severíssimas sanções econômicas e comerciais impostas pelos EUA e aliados, e ante o apoio decidido da Otan à Ucrânia.

    Com efeito, os Estados Unidos e os países ocidentais, desrespeitando as normas internacionais, expulsaram a Rússia da arquitetura financeira internacional, a saber, do sistema SWIFT (abreviação, em inglês, de Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), confiscaram ativos russos – pessoais e do Estado – e congelaram as reservas cambiais do país. Agora, com a nova lei aprovada recentemente nos EUA, essas reservas soberanas poderão também ser confiscadas.  O petróleo e o gás, principais produtos de exportação russos, também sofreram forte bloqueio, no Ocidente.

    Alguns analistas ocidentais argumentaram, ademais, que a contraofensiva ucraniana, iniciada em meados do ano passado, infligiria uma derrota militar significativa à Rússia e, inclusive, provocaria uma mudança do regime de Moscou.

    Nada disso, porém, passou de “boato”, como aquele feito contra Mark Twain.

    Em sua mais recente análise prospectiva, de abril deste ano, o próprio FMI prevê que a economia da Rússia crescerá mais rapidamente do que todas as economias avançadas do mundo, incluindo os EUA, este ano.

    O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que a Rússia cresça 3,2% este ano, significativamente mais que os EUA (2,7%) Reino Unido, (0,5%), França (0,7%), Alemanha (0,2%), a Zona do Euro (0,8%) e todas as economias “avançadas” do mundo (0,9%).

    As exportações de petróleo "mantiveram-se estáveis", principalmente devido às compras de China e Índia.  e os gastos do governo "permaneceram elevados", contribuindo para o crescimento, afirmou o FMI.

    O FMI concluiu que a economia russa tem sido bastante resiliente”. 

    Ironicamente, as sanções comerciais ao petróleo e gás russos afetaram bem mais a Europa que a Rússia. A Alemanha, por exemplo, não apenas teve sua economia bastante afetada, mas também enfrenta ameaça de desindustrialização, face aos custos elevados da sua energia, os quais antes eram bem menores, devido ao suprimento do gás russo.

    Quanto à tão propalada “contraofensiva ucraniana”, ela fracassou totalmente. As forças ucranianas não só não conseguiram avançar um milímetro sequer, como sofreram baixas pesadíssimas.  Hoje, as forças russas estão na ofensiva e fazendo as linhas ucranianas recuarem em vários setores das frentes de batalha, principalmente na estratégica região próxima a Kharkov.

    O fracasso da “contraofensiva ucraniana” não se deveu, como alegam alguns, à demora no envio de armamentos para a Ucrânia.

    Mesmo com o apoio da Otan, a Rússia tem superioridade militar clara em força aérea e, principalmente, em artilharia, o que é algo vital numa guerra de desgaste.

    Mas o componente fundamental é o fator humano. Estima-se que a Ucrânia já tenha perdido entre 400 mil e 500 mil homens, e está esgotando rapidamente suas reservas de tropas. 

    A Ucrânia simplesmente não tem soldados suficientes para sustentar uma guerra de desgaste de longo prazo com a Rússia, que possui reservas muito maiores. Essa carnificina inútil tem de parar. 

    Quanto ao aspecto político, Putin demonstrou, ao contrário do que afirmaram muitos analistas ocidentais, que continua a ter muita popularidade e apoio interno. Sua recente grande vitória eleitoral, com cerca de 87% dos votos, demonstra isso. 

    Muito embora os comentaristas do Ocidente sempre façam acusações de “fraude” nos pleitos eleitorais russos, o Instituto Levada-Center, muito citado pela mídia ocidental, que faz pesquisas de opinião sistemáticas sobre a política russa, afirma que popularidade de Putin se mantém muito alta, desde o início deste século. 

    Tal popularidade parece ter crescido mais recentemente, face ao conflito externo. Saliente-se que o ataque terrorista ao Crocus City Hall, nos arredores de Moscou, uniu ainda mais a opinião pública russa em prol do governo Putin.

    No campo diplomático, a Rússia vem conseguindo escapar do cerco imposto pelos EUA e a Otan. Moscou conseguiu aprofundar bastante sua união estratégica com Beijing e outros membros do BRICS, como Índia e Irã. No chamado Sul Global, não houve adesão às sanções e teses do Ocidente ou do Norte Global. Há pouco tempo, Emmanuel Macron admitiu, a respeito do tema, que estava “muito impressionado com o quanto estamos perdendo a confiança do Sul Global”.

    Na realidade, a maior parte dos países do mundo adota uma posição de neutralidade, em relação à guerra na Ucrânia, e deseja, sobretudo, uma paz rápida; não o prolongamento e o possível agravamento do conflito, como parece ser a aposta dos EUA e da Otan.

    Consoante a esse desejo majoritário no mundo, o Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, e o Chefe da Assessoria-Especial do Presidente da República do Brasil, Celso Amorim, anunciaram, há poucos dias, uma proposta conjunta para negociações de paz, com participação de Rússia e Ucrânia. 

    Muito provavelmente, é claro, os EUA e a Otan vetarão a proposta, como fizeram no passado, e continuarão a insistir no inútil e perigoso “esforço de guerra”. E provável até que os EUA acabem cedendo às pressões de Zelensky para que as armas cedidas possam ser usadas ofensivamente, contra o território russo, o que seria um desastre. Macron já chegou a flertar com o envio de tropas à Ucrânia, o que seria um desastre ainda maior.

    Em qualquer caso, contudo, a histórica resiliência russa continua fato incontestável. A Rússia, que já resistiu aos príncipes polacos, aos Cavaleiros Teutônicos, a Napoleão e a Hitler, parece que vai continuar a resistir bem aos EUA e à Otan. 

    Como Mark Twain, a Rússia desmentiu e continua a desmentir os boatos sobre sua “morte”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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