A teoria do valentão
No âmbito internacional, os Estados Unidos, particularmente sob o governo de Donald Trump, incorporaram esse papel de valentão global
intimidação para dominar os mais frágeis, explorando suas vantagens físicas e psicológicas para consolidar poder. Esse comportamento, embora geralmente associado à infância, transcende os limites do pátio escolar e ecoa em dinâmicas políticas e econômicas globais. A Teoria do Valentão, que tento formular neste artigo, explica como a intimidação e o abuso de poder se perpetuam de forma insidiosa, tanto em relações interpessoais quanto no cenário internacional.
Minha experiência com o bullying
Esse tema encontra eco em minha experiência pessoal. Nos anos de adolescência, no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, em Açu, enfrentei os desafios que muitos fragilizados enfrentam. Magro e franzino, frequentemente era o alvo nos jogos de voleibol. Os saques mais fortes e as pancadas mais agressivas vinham diretamente a mim, vindos de um colega substancialmente maior, cujas dimensões físicas triplicavam as minhas e cuja altura me superava em cerca de 20 centímetros.
Diante disso, tive de escolher: enfrentar ou abandonar. Escolhi permanecer, resistindo às humilhações e me colocando como contraponto à dinâmica do valentão. Essa vivência revelou muito sobre como o poder é exercido e como a resistência silenciosa pode moldar dignidade.
Psique do valentão: um olhar psicanalítico
Sigmund Freud definiu que o valentão opera sob o domínio do id, a parte impulsiva e primitiva da mente, buscando satisfação imediata. Além disso, a incapacidade de equilíbrio entre o ego (a racionalidade) e o superego (as normas sociais) transforma essas inclinações em comportamentos destrutivos.
Lacan complementa afirmando que o valentão projeta suas inseguranças no outro, utilizando a violência como reflexo de suas deficiências internas. Já Carl Jung conecta o comportamento do agressor à "sombra", o arquétipo que armazena os aspectos rejeitados da psique. O medo de encarar suas próprias vulnerabilidades faz com que o valentão intensifique suas ações opressoras como um mecanismo de fuga emocional.
Um valentão no jogo de poder global
No âmbito internacional, os Estados Unidos, particularmente sob o governo de Donald Trump, incorporaram esse papel de valentão global. Por meio de políticas protecionistas, tarifas exorbitantes e sanções econômicas, o governo americano impôs sua vontade sobre outros países, muitas vezes desconsiderando os impactos globais. A guerra comercial com a China é um exemplo claro dessa dinâmica.
Em 2018, Trump iniciou com tarifas de 25% sobre produtos chineses. Essa percentagem evoluiu ao longo dos anos, alcançando 145% em 2025, uma das taxas mais agressivas na história recente. A resposta da China veio rapidamente: Pequim aumentou suas tarifas sobre produtos americanos para 125%, além de impor restrições a produtos estratégicos como sorgo, baterias de lítio e carne de frango. Xi Jinping, presidente chinês, condenou essa postura como "bullying comercial" e afirmou que a China possui ferramentas prontas para resistir até o fim.
Essa batalha tarifária ocorre entre dois colossos econômicos e militares. Os Estados Unidos, com um PIB superior a US$ 27 trilhões e o maior orçamento militar do mundo, de US$ 900 bilhões, enfrentam uma China economicamente menor, com PIB de US$ 18,4 trilhões, mas altamente resiliente e equipada com o segundo maior exército do mundo e crescente sofisticação tecnológica.
Mexer com pequenos e oposição com iguais
Enquanto os EUA impõem severidade diante do Vietnã — com sua economia de apenas US$ 470 bilhões e uma renda per capita de US$ 4 mil —, as dinâmicas contra a China são mais equilibradas. Pequenas economias, como o Vietnã, têm pouca margem para retaliar contra uma potência econômica como os EUA. Já a China demonstra sua capacidade de resistir ao bullying comercial, abrindo novos mercados e fortalecendo iniciativas internas.
Outros países também sofrem. O México, com um PIB de US$ 1,3 trilhão e cujo comércio com os EUA compõe cerca de 75% de suas exportações, foi severamente afetado por tarifas impostas sobre commodities como aço. O Canadá, por sua vez, com um PIB de US$ 2,5 trilhões, viu sua relação comercial histórica com os EUA estremecer após medidas unilaterais que buscavam restringir sua venda de matérias-primas centrais como alumínio.
Groenlândia, Panamá e… a Europa
A ambição imperialista, disfarçada de estratégia comercial, ficou evidente em ações como a tentativa de Trump de adquirir a Groenlândia, rica em minerais e com relevância geopolítica crescente no Ártico. Já o interesse pelo controle estratégico do Canal do Panamá ilustra outra faceta do bullying americano, onde as infraestruturas globais são vistas como extensões de sua influência unilateral.
A União Europeia também foi alvo das políticas agressivas de Trump. Como principal parceiro histórico dos EUA, a Europa viu tarifas prejudiciais serem implementadas, colocando em risco setores estratégicos como a indústria automotiva alemã. Líderes europeus, como Ursula von der Leyen, criticaram veementemente a postura protecionista, reforçando que o unilateralismo americano estava minando as estruturas de governança global. Bruxelas, em alinhamento com Pequim, começou a reorganizar políticas comerciais para resistir às ações americanas, amparada por seu PIB conjunto de cerca de US$ 16 trilhões.
Bullying comercial e riscos globais
A recorrência do termo bullying nas críticas globais reflete o simbolismo das práticas americanas. Xi Jinping reafirmou recentemente que "ameaças nunca funcionarão com a China". O bullying comercial, afirmou ele, prejudica não apenas seus alvos diretos, mas também desestabiliza cadeias globais de suprimento, em um momento crítico de recuperação econômica pós-pandemia.
Assim como as forças físicas dependem do equilíbrio e da resistência, as economias globais respondem ao poder opressor criando contraforças. Países frequentemente alvos de bullying comercial, como o México e a China, diversificam suas parcerias comerciais e fortalecem suas lideranças internas. A dependência mútua é evidente, destacando que a força unilateral não é sustentável no mundo atual.
O verdadeiro significado do poder
Minha vivência no Colégio Nossa Senhora das Vitórias reflete, em microescala, a lógica do valentão: há uma força destrutiva na imposição de poder, mas sua vitória é temporária diante da determinação e resiliência. Esta incipiente Teoria do Valentão exemplifica as consequências de práticas agressivas, como as tarifas e sanções dos EUA, cujos impactos reverberam globalmente.
Só por meio do diálogo, da consulta e da cooperação será possível criar um sistema onde a justiça prevaleça sobre o domínio — isto porque tudo o que aflige a parte, aflige o todo.
O futuro global exige que abandonemos práticas que reforçam desigualdades e insegurança. Ao contrário da força bruta, líderes que constroem pontes e promovem o diálogo serão essenciais para o desenvolvimento de um equilíbrio estável em um mundo interdependente. Não custa nada visitar os livros de história para vermos que os valentões entram neles pelas portas dos fundos, quase sempre mencionados em notas de rodapé — enquanto os líderes servidores e solidários emergem no palco da história.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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