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    Ricardo Queiroz Pinheiro

    Bibliotecário e pesquisador, militante do livro e leitura, doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC)

    5 artigos

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    A violência que vem de longe

    "A militarização das policiais no Brasil tem origens no período colonial, com a criação da 'Divisão Militar da Guarda Real de Polícia', em 1808", diz

    (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

    A violência praticada pela Polícia Militar em São Paulo não é um desvio ou excesso, mas sim a continuidade de um projeto histórico e político. A militarização das forças policiais no Brasil tem origens históricas que remontam ao período colonial, com a criação da "Divisão Militar da Guarda Real de Polícia", em 1808, com a missão de proteger a nobreza e garantir a ordem social. Essa estrutura se consolidou durante o Império, com a criação da Força Pública, em 1831, que teve como missão inicial reprimir revoltas escravas e movimentos populares. O primeiro brasão da instituição, adornado com símbolos de armamento e autoridade, refletia essa natureza repressiva voltada para a defesa da propriedade dos senhores.

    A função de controle e repressão da polícia se aprofundou com a Proclamação da República e ao longo da Primeira República (1889-1930), quando as forças policiais foram usadas para esmagar greves operárias e sufocar manifestações urbanas, em defesa das elites. A repressão aos movimentos sociais e à classe trabalhadora se intensificou, e a polícia foi consolidada como um instrumento de manutenção da desigualdade social.

    Durante o Estado Novo (1937-1945), o governo de Getúlio Vargas centralizou o poder e intensificou a repressão a greves e manifestações populares. Embora as Polícias Militares continuassem a atuar como agentes de controle social, o regime criou órgãos de repressão política, como a Polícia Política, para combater opositores, fortalecendo o controle centralizado sobre a dissidência e movimentos sociais.

    Na ditadura militar (1964-1985), a PM foi integrada ao aparato repressivo do Estado. Em 1969, o Decreto-Lei nº 667 reorganizou as Polícias Militares, subordinando-as ao Ministério do Exército e consolidando sua função como braço auxiliar das Forças Armadas. Foi nesse período que a cultura da violência institucional se consolidou, com práticas como tortura, execução sumária e perseguição política tornando-se políticas oficiais. A PM passou a atuar, especialmente nas periferias urbanas, como um instrumento de controle e repressão de populações negras, pobres e marginalizadas, vistas como "inimigos internos" pela doutrina de segurança nacional.

    Foi também durante a ditadura que surgiu a temida ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), em 1970, no Estado de São Paulo. Criada como uma força especial da PM para enfrentar a "subversão", a ROTA se tornou sinônimo de violência extrema, funcionando como tropa de choque contra opositores do regime e consolidando um modus operandi de execuções sumárias que persiste até hoje. Nao é à toa que Guilherme Derrite, atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, é ex-integrante dessa tropa e carrega consigo o símbolo da truculência. Mas, falaremos mais à frente.

    Embora a Constituição de 1988 tenha promovido avanços democráticos, as polícias militares continuaram como forças estaduais, com uma estrutura e funções que mantiveram a repressão e a violência institucional direcionadas às classes populares. Esse legado de militarização é um dos fatores que contribuem para os altos índices de letalidade policial no Brasil, particularmente em protestos e nas periferias, mantendo uma lógica de confronto interno que não foi revisada após a redemocratização, ao contrário de outros países da América Latina que realizaram reformas em suas forças policiais.

    É importante lembrar que todos os governos do estado de São Paulo pós-democratização, tanto peemedebistas quanto tucanos, desempenharam um papel central na construção e consolidação de políticas públicas violentas e repressivas. Desde o início, essas administrações firmaram um pacto tácito com as elites políticas e o aparato da Polícia Militar, mantendo e fortalecendo sua estrutura militarizada. Essa aliança resultou na intensificação da repressão às periferias, na criminalização de movimentos sociais e na marginalização das populações vulneráveis. Reafirmndo que a violência policial, longe de ser um desvio, foi transformada em uma ferramenta sistemática e eficaz de controle social. Os tucanos, em particular, se destacaram nesse processo, ampliando ainda mais o poder da Polícia Militar e criando uma rede de impunidade que fortaleceu as práticas violentas dentro da instituição.

    Ao adotar políticas de segurança pública autoritárias, esses governos perpetuaram e sedimentaram um ciclo de violência e impunidade, criando o terreno fértil para a ascensão de figuras como o capitão reformado do Exército Tarcísio de Freitas, e o capitão expulso da Rota Guilherme Derrite, alçadas pelo bolsonarismo, que aprofundaram esse modelo de gestão baseado no extermínio da população pobre e periférica. A relação entre o fortalecimento da corporação e a perpetuação da violência policial tornou-se um pilar fundamental dessa gestão, que, sob a justificativa da segurança, intensificou a repressão às camadas mais vulneráveis da sociedade paulista e ganhou a eleição de 2022 com esse discurso e tem apoio popular.

    O governador Tarcísio de Freitas, reitero capitão reformado do Exército, é um truculento dissimulado. Posando de técnico e moderado, além de fantoche da Faria Lima e do privatismo, governa com mão de ferro, blindando a violência estatal e boicotando avanços como o uso de câmeras nas fardas dos policiais. É um esforço claro para que as atrocidades sigam invisíveis, exceto quando câmeras de segurança ou terceiros, corajosos, registram os horrores.

    Quem ocupa o papel de executor dessa vez é o capitão Guilherme Derrite, uma figura central nesse cenário. Sua trajetória na ROTA, repleta de abusos, culminou em sua expulsão da corporação. Agora, como secretário de Segurança Pública, Derrite segue a mesma lógica histórica de repressão e violência, evidente na "Operação Escudo", que resultou em um massacre no litoral paulista, com corpos abandonados em mangues e vielas após operações policiais. Assim, temos um capitão reformado (Tarcísio), um expulso (Derrite), aliados e caudatários de um capitão golpista e inelegível (Bolsonaro), todos à frente da segurança pública de São Paulo, perpetuando uma política de morte e controle.

    Vivemos um momento histórico, onde a violência exacerbada se tornou uma política pública. Casos recentes de violência policial, como a morte do médico na Vila Mariana, o jovem jogado do viaduto e o rapaz assassinado com doze tiros em frente ao Oxxo, têm atraído grande atenção. Registros feitos por testemunhas e câmeras de segurança garantem que esses episódios deixem de ser apenas números nas estatísticas, abrindo uma oportunidade para a mobilização. Nesse contexto, os capitães Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite estão agora sob intensa pressão, diante da repercussão negativa desses acontecimentos, exigindo uma resposta firme da sociedade. A oportunidade não é vulgar.

    Mediante a isso o que fazer?

    A luta contra esse projeto de extermínio passa pela denúncia constante dos abusos cometidos pela Polícia Militar e pela pressão para que haja uma investigação imparcial e transparente dos crimes cometidos. Devemos expor a violência sistemática da Polícia Militar, usando todos os meios disponíveis para divulgar os abusos e pressionar por investigações. A luta pela desmilitarização da polícia deve ser uma prioridade, pois a estrutura repressiva precisa ser desmontada para que possamos avançar em um modelo mais justo de segurança. A resistência popular precisa ser organizada de forma ampla e estratégica, com o objetivo de desconstruir o discurso da violência como solução para os problemas de segurança. Por fim, é necessário desconstruir o discurso do ódio e da violência, que tenta naturalizar e justificar práticas brutalizantes como soluções para problemas sociais, perpetuando apenas mais violência.

    Essa não é uma tarefa fácil. Depende de uma grande mobilização, pois a violência estatal está profundamente enraizada e é sustentada por um pacto entre as elites e o aparato repressivo da PM. É essencial que a luta contra essa barbárie seja conduzida de forma coletiva, com coragem e determinação. Para enfrentar Tarcísio, Derrite e seu projeto de extermínio, é necessário um movimento popular organizado, que não hesite em expor os abusos, pressionar por justiça e, acima de tudo, reverter essa lógica de morte. Não podemos permitir que a violência e a impunidade se perpetuem. A mobilização é a única forma de garantir que a verdade seja dita, que as vítimas sejam lembradas e que um novo modelo de segurança seja estabelecido, no qual a vida seja respeitada.

    O caminho é árduo e exige coragem, pois enfrentamos um terreno moldado pelo ódio e pelo ressentimento. No entanto, a única maneira de romper o ciclo de violência e oferecer à população pobre e periférica uma chance de viver sem medo é por meio da mobilização coletiva, da politização e da pressão constante contra esse modelo de governo. Tarcísio, Derrite e sua base política não são gestores no sentido clássico da palavra; são, na verdade, gestores do caos e da violência, cúmplices de um sistema que mata. É a extrema direita fazendo seu papel histórico de carrasco do capital. Combater essa lógica demanda, além de mobilização popular, a coragem de confrontar o discurso do ódio que alimenta essa máquina de morte. Não há espaço para hesitação diante da barbárie que se impõe.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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