O forte espírito da emancipação palestina
"As raízes não foram cortadas", escreve Vijay Prashad
Originalmente publicado por Globetrotter em 21 de janeiro de 2025
É impossível conter essa sensibilidade. Gaza inteira é uma ruína. Milhões de palestinos enfrentam o inverno em barracas improvisadas ou em edifícios destruídos, com seus filhos congelando (alguns mortos pelo frio) e a fome aumentando. O cheiro da vingança israelense está em toda parte. O som dos tanques e o silêncio aterrorizante das bombas que caem destroem os nervos até dos combatentes mais endurecidos. No entanto, em meio a tudo isso, as unidades armadas da resistência palestina continuam a disparar a sua escassa munição contra as tropas israelenses. Ao mesmo tempo, as crianças correm em meio aos destroços tóxicos com bandeiras palestinas erguidas.
Agora há um cessar-fogo. Mas este é o ritmo da história palestina desde pelo menos 1948: ocupação, guerra, cessar-fogo e, por baixo de tudo, a constante ocupação e a ameaça de guerra, e, ainda assim, o desafio e os sorrisos. No léxico da resistência palestina, a palavra sumud, usada pela primeira vez na década de 1960 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), significa tudo: significa desafiar, ser resiliente, manter-se firme em sua terra, apesar da ocupação israelense. É pegar a chave de sua casa palestina de antes de 1948 e erguê-la ao alto.
Quando Khalida Jarrar saiu para encontrar a multidão de apoiadores após meses nos cruéis calabouços de Israel, ela disse: “Estou saindo do confinamento solitário. Ainda não acredito. Estou um pouco cansada.” Jarrar, uma das líderes da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), esteve dentro e fora das prisões israelenses durante quase toda a sua vida adulta. Sua primeira detenção foi em março de 1989, quando participou de uma marcha pelo Dia Internacional da Mulher. Acompanhei a jornada dela dentro e fora da prisão, catalogando a sua angústia enquanto os seus captores a impediam de estar nos funerais de seu pai (2015), mãe (2018) e filha Suha (2021). Jarrar é uma das milhares de palestinos detidos nas prisões israelenses sob “detenção administrativa”, um rótulo falso que justifica prisões indefinidas sem acusação.
A cada vez que Jarrar ia para a prisão, o comportamento de seus captores israelenses tornava-se cada vez mais cruel. Desta vez, presa durante o genocídio em dezembro de 2023, ela foi colocada em uma cela com ventilação precária e não conseguia respirar com facilidade. Seu marido, Ghassan Jarrar, leu uma declaração escrita por ela em agosto de 2024:
“Eu morro todos os dias. A cela parece uma pequena caixa hermética. A cela está equipada com um banheiro e uma pequena janela acima dele, que foi fechada um dia depois que fui transferida para cá. Eles não me deixaram nenhum espaço para respirar. Até a chamada portinhola na porta da cela foi fechada. Passo a maior parte do tempo sentada perto de uma pequena abertura que me permite respirar. Espero que as horas passem enquanto sufoco na minha cela na esperança de encontrar moléculas de oxigênio para respirar e sobreviver.”
Agora, Jarrar deixa a prisão junto com outros 90 prisioneiros palestinos que foram trocados por três prisioneiros israelenses na primeira parte do acordo de cessar-fogo. As histórias dos prisioneiros são impressionantes e revoltantes. Os israelenses prenderam uma jovem palestina (Shatha Jarabaa) por escrever nas redes sociais sobre a “brutalidade” do genocídio. Outro jovem (Zakaria Zubeidi), do Freedom Theater em Jenin, foi detido sob suspeita de ser terrorista.
Outras duas mulheres da FPLP, Abla Sa’adat e Maysar Faqih, foram presas pelos israelenses sem acusação e mantidas sob detenção administrativa como parte da estratégia geral de Israel de impedir os grupos palestinos de realizar atividades políticas. O líder da FPLP, Ahmad Sa’adat, está na prisão há décadas e provavelmente não será libertado até que a ocupação termine. Está na agenda israelense há décadas enfraquecer a esquerda palestina — particularmente a FPLP — e, assim, fortalecer as forças islamistas. Isso permite que eles falsamente argumentem que esta é uma guerra contra o islamismo, em vez de uma campanha brutal para extinguir a nação palestina.
É a Ocupação
Em agosto de 2014, soldados israelenses cercaram a casa de Khalida e Ghassan Jarrar. Eles vieram informar Khalida Jarrar de que ela estava banida da sua casa em Ramallah e teria que se restringir à cidade de Jericó. “É a ocupação que deve deixar a nossa pátria,” disse ela aos soldados. Então, ela e seus camaradas montaram uma tenda em frente ao escritório do Conselho Legislativo Palestino e viveram lá. Os israelenses tiveram que recuar. Havia muita pressão internacional sobre eles.
Pessoas sob ocupação são pessoas encarceradas. Palestinos em Jerusalém Oriental, Gaza e Cisjordânia — o Território Palestino Ocupado, como as Nações Unidas o chamam — não têm liberdade de movimento. Eles estão enjaulados. Aqueles que tentam quebrar a jaula são ainda mais encarcerados nas terríveis condições das prisões israelenses. Não é de surpreender, então, que Khalida Jarrar tenha sido, de 1993 a 2005, diretora da Addameer, uma organização sem fins lucrativos que oferece apoio aos prisioneiros. Quando não está em uma prisão israelense, ela trabalha em um projeto de pesquisa do Instituto Muwatin de Democracia e Direitos Humanos da Universidade Birzeit sobre “As Dimensões de Classe e Gênero do Movimento dos Prisioneiros Palestinos e suas Implicações para o Projeto de Libertação Nacional.”
É provável que, daqui a alguns dias, Jarrar saia de sua casa, faça um discurso e, em seguida, volte a trabalhar em seu projeto. Feita de tal aço e amor, Jarrar é implacável. Assim também são os palestinos que estão lentamente voltando para as suas casas destruídas em Gaza, procurando por fotografias perdidas e os poucos pertences que restaram; as raízes que não foram cortadas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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