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Edson Santos

Vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT

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As lições das eleições municipais e os desafios políticos da esquerda

"Temos no Brasil uma extrema direita com expressão e força, uma centro-direita expressiva e uma esquerda sem rumo", avalia Edson Santos

Urna eletrônica (Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

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Fomos derrotados e houve um encolhimento do campo de esquerda nas eleições municipais em todo o país. Em número de prefeituras, a esquerda aumentou, embora bem menos do que a direita e a extrema-direita. Porém, em número absoluto de votos e em termos da importância dos municípios em que venceu, a esquerda viu seu capital político minguar ou, no máximo – na visão do mais otimista dos militantes – ter uma discreta recuperação em comparação com as eleições de 2020. Ao que se deve?

Em nossa formação política, aprendemos a dirigir nosso discurso ao setor formal da economia, sobretudo aos trabalhadores organizados em sindicatos, associações e movimentos sociais. Só que o mundo mudou. 

Vivemos a quarta revolução industrial, com as máquinas literalmente tomando os lugares antes reservados à classe operária, vide a expansão do modelo das fábricas chinesas de automóveis que chegam ao Brasil. Nelas, os poucos operários que ainda participam da produção, substituídos aos milhares por robôs e pela inteligência artificial, não serão capazes de reviver, por exemplo, o fenômeno protagonizado pelos metalúrgicos do ABC Paulista na década de 1980. 

Em “Multidão: Guerra e democracia na era do Império”, o filósofo marxista Antonio Negri e seu aluno Michael Hardt discorrem sobre o advento de um novo setor, o dos desorganizados. Setor que aqui no Brasil é formado por motoristas de aplicativos, entregadores de plataformas digitais, moto-taxistas, bronzeadoras e toda uma gama de trabalhadores que lutam pela sobrevivência em ocupações, em geral, precarizadas, intermitentes e sem vínculos.

Empolgantes em seu otimismo, Negri e Hardt consideram que estes grupos podem vir a convergir numa comunidade global interligada em redes, uma nova matriz de resistência à ordem mundial vigente e ao imperialismo dos Estados Unidos. 

Ao analisar a conjuntura, porém, o que vemos é que estes setores desorganizados estão sendo capturados pela extrema direita, que com o discurso do empreendedorismo e da prosperidade incute falsas utopias nas cabeças das pessoas, sem que nós, do campo de esquerda, tenhamos um contraponto a apresentar. Esta é a principal fonte do nosso afastamento dos setores populares. 

Além da redução substancial da classe trabalhadora clássica e do crescimento de novos setores proletários, a revolução tecnológica fez emergir também uma nova classe média. Setor que é igualmente atraído pelo discurso da prosperidade e pelas pautas de costumes da extrema direita, que vende sonhos ao invés de políticas objetivas. E, o que é pior, um setor que forma opinião e que defende figuras nefastas que hoje simbolizam esta distopia no campo político.  

É possível traçar um rápido paralelo com o momento que era vivido, no início da década de 1930, na Alemanha, país europeu mais afetado pela grande depressão de 1929 – que marcou a decadência do liberalismo econômico, tendo como principais causas a superprodução e a especulação financeira. A esquerda social democrata e o comunismo alemão faziam um discurso distante do sentimento das massas. Enquanto isso, o social nacionalismo prometia recuperação econômica, soberania e prosperidade com o enfrentamento às duras penalidades impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes – acordo de paz assinado em 1919, que encerrou a I Guerra Mundial. Com esse discurso, o nazismo foi vitorioso na disputa por hegemonia política e, mesmo que por meio de um golpe de Estado, Hitler chegou ao poder.

Cabe ressaltar que no período entre Versalhes e a ascensão do nazismo, a República de Weimar foi um dos mais democráticos da história da Alemanha, inclusive do ponto de vista da igualdade de gênero e outros avanços sociais. Porém, os setores camponeses e parte da classe média não entendiam e não aceitavam esses avanços, muito parecido com o que vivemos hoje em relação aos movimentos identitários. 

Temos no Brasil uma extrema direita com expressão e força na sociedade, uma centro-direita expressiva e uma esquerda sem rumo do ponto de vista da orientação política. Espero que não caiamos naquilo que resultou a disputa na Alemanha, onde mesmo a centro-direita foi derrotada, porque os nazistas não admitiam opiniões contrárias.

Será que teremos condições de reagir a tempo a essas ameaças com a formulação de políticas e estratégias capazes de reverter o esvaziamento do campo de esquerda? Será que conseguiremos separar o joio do trigo, a saber, a direita democrática da extrema-direita raivosa, para encaminhar a construção de um projeto de nação que atenda aos atuais anseios da sociedade? Será que conseguiremos, como propõe o sociólogo Jessé de Souza, ir às favelas e periferias explicar ao eleitor pobre as razões das injustiças sociais e de “sua escolha momentânea equivocada por um moralismo repressor”?

Como o maior partido de esquerda da América Latina, e como o grande aglutinador das forças democráticas e populares, o PT e o presidente Lula, respectivamente, têm a grande responsabilidade de pensar e colocar em prática políticas voltadas a esses setores hoje invisibilizados. Só assim seremos capazes de impedir que a “nova classe trabalhadora” seja capturada pelo discurso pretensamente antissistema da extrema-direita hoje em ascensão no Brasil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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