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    Cristiano Addario de Abreu

    Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

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    Bernie Sanders e o socialismo democrático: uma resposta de parte da elite norte-americana ao insuperável desafio chinês

    Bernie Sanders, com o "Socialismo Democrático", seria uma resposta de parte da elite norte-americana ao irrefreável crescimento chinês??? Única resposta realista para ombrear, e tentar barrar, o avanço chinês em direção ao centro Hegemônico da Economia Mundo no século XXI

    O socialismo de Bernie contra o fascismo bolsonárico (Foto: Paul Sancya)

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    Bernie Sanders, com o "Socialismo Democrático", seria uma resposta de parte da elite norte-americana ao irrefreável crescimento chinês??? Única resposta realista para ombrear, e tentar barrar, o avanço chinês em direção ao centro Hegemônico da Economia Mundo no século XXI.

    Como nos ensinou Giovanni Arrighi[1], Immanuel Wallerstein[2] e todos os teóricos do Sistema Mundo: o centro do sistema capitalista está sendo realocado em direção ao Oriente, com a potência industrial chinesa em ascensão. Assim há muitos acreditando que a mudança de Ciclo Sistêmico de Acumulação, de um Ciclo americano, para um chinês, seria o FIM dos EUA. Atenção: os EUA perderem o posto de centro hegemônico não significa que eles vão "acabar", como alguns infantilizados (sobretudo na esquerda) parecem crer. Com toda a dita decadência deles, vejam suas universidades e produção científica. Mesmo com todos os problemas e crises. Um exemplo ainda melhor: o magnífico sistema de bibliotecas públicas dos EUA. Uma certa visão hiperbólica sobre o “ultradecadentismo” dos EUA é fruto de paixões, muito mais do que da realidade. Essa conversa lembra os ocidentais no séc. XIX que descreviam a China como uma sociedade estática decadentista. Os EUA serão superados pela China Sim. Mas seguirão sendo uma potência. Paixões e ódios contra isso são irrelevantes e infantis. Eles seguirão fundamentais no mundo, mesmo perdendo a hegemonia. Perda da hegemonia que gera e gerará reações em cadeia na elite norte-americana, que não aceita tal perda de posição. 

    E o nosso tempo é o dessa Crise de hegemonia dos EUA, na qual MUITA coisa pode ocorrer. Inclusive os EUA se tornarem... meio socialistas para correr atrás do acelerado avanço chinês. Como na Guerra Fria contra a URSS os EUA expandiram uma versão própria de seu keynesianismo rooseveltiano para enfrentar o boom industrial e científico da URSS de então(frente ao Sputnik, em 1957, que causou pânico na elite dos EUA, Eisenhower, republicano, criou um imenso sistema de bolsas nas universidades dos EUA para alavancar a pesquisa científica do país).

    Podemos estar diante de algo análogo hoje, com a elite norte-americana entendendo que para acompanhar e tentar ombrear o Dragão Chinês, um "Socialismo Democrático" precisará ser criado nos EUA. E algo muito interessante possa estar no horizonte. Interessante pra eles, claro: pois no Brasil seguimos o caminho oposto, com o golpismo e o bozonazismo colonial-voluntário, executando o suicídio nacional brasileiro, que vivemos sob Bolsonaro, tornando nossa economia colonial complementar, tanto para os EUA como pra China. Bolsonaro é o ANTI Vargas(anti Nacional): enquanto Vargas aproveitou a Crise da hegemonia britânica, tirando o máximo dos conflitos entre os candidatos a Hegemon de então, que eram Alemanha e EUA(alavancou a indústria de base, fez a CSN..), hoje Bolsonaro joga pela janela da História a oportunidade do Brasil lucrar com a briga hegemônica entre China e EUA.

    Quanto aos EUA, podem me acusar de excesso de otimismo, mas para não despencarem da posição de potência hegemônica, por conta de brios políticos, orgulho nacional, paranoia hegemonista... acho possível uma mudança político econômica profunda nos EUA por conta do insuperável desavio chinês. E Sanders parece representar essa saída, com o "Socialismo Democrático", para os EUA poderem ombrear, e correr atrás da organizada economicamente e politicamente monopolizada pelo partido comunista, China no século XXI. 

    A elite norte-americana é estruturalmente nacionalista e patriota, e parece consciente do tamanho titânico do desafio chinês para uma elite obcecada com uma autoimagem de eleita para a hegemonia. A elite norte-americana, por mais diversa que seja, tem no nacionalismo hamiltoniano um eixo central. Seja ela mais progressista, mais belicista, mais protecionista, mais intervencionista... o nacionalismo  é central. Claro que há uma parcela da elite que odeia Sanders (como muitos plutocratas nos anos 1930 odiavam F. D. Roosevelt também, último grande reformador dos EUA com o New Deal). Não é por acaso que Sanders invoca reincidentemente Delano Roosevelt, e propõe um Green New Deal: assume seu reformismo profundo com orgulho, como uma alavanca para salvar... o capitalismo, como F. D. Roosevelt fez. Uma agenda um tanto radical para a tradição norte-americana, mas que é apenas social-democrata europeia, é exposta com orgulho por Sanders, que insiste que tal agenda não é radical... pois salvará a América rica e para todos. 

    Uma parcela da elite atual acorda que para enfrentar o desafio chinês não basta cortar direitos e salários (como é a resposta da “elite” colonial/cafetinizada do Brasil com Bolsonaro: destruição da CLT, da Previdência, uberização...). E nem só o proverbial protecionismo estridente, saída de Trump, mas que é uma solução histórica entre os republicanos, que desde Lincoln foram os maiores protecionistas. Trump retoma com o ultra protecionismo uma solução típica dos republicanos e dos teóricos do American System. Nada de novo. Mas o tamanho do desafio chinês, para uma elite obcecada pela hegemonia, exige novidades, mudanças e audácias. E é isso que ouso aventar aqui: que o audacioso senador Sanders representa, com seu corajoso discurso outsider, talvez algo não tão outsider assim. Creio que ele representa uma elite que anda lendo Piketty[3], e que vê que o capitalismo atual exige uma taxação radicalmente progressiva: sobre capital, heranças e dividendos. Controle social, com agencias reguladoras federais, e fortíssima taxação progressiva e controle social sobre os gigantes tecnológicos, que estão ficando mais fortes do que muitos Estados. Sobretudo os 4 gigantes:  facebook, Apple, Amazon, Google.

    Suspeito que por mais outsider que pareça, há algo sistêmico na ascensão de Sanders, que expressa um país que, diferentemente do Brasil, tem uma elite nacional. E que por mais fragmentada e diversa que seja tal elite, há dentro dela grupos que pensam sistemicamente. Como Bill Gates declarando que os ultra ricos pagam pouco imposto nos EUA[4]. Muito diferente do deserto mental da não elite brasileira...

    Voltando ao ponto de crise de hegemonia, com os EUA se financeirizando e a China como potência industrial em ascensão, como nos ensinou Giovanni Arrighi em sua obra magistral O Longo Século XX[5], todas as crises sucessórias de hegemonia foram resolvidas com guerras entre as potências: de um lado a potência financeira em decadência contra as industriais em ascensão do outro. Guerras dos 30 anos, guerras Napoleônicas, e I Guerra, e II Guerra Mundial... Contudo, após Hiroshima a guerra direta entre potencias centrais tornou-se inviável. O governo Trump ainda trabalha com os dados que mostram que uma guerra marítima com a China ainda seria possível na década de 2020. Pois uma guerra terrestre a muito é impossível contra a China: a China é um país ininvadível. Mas uma guerra naval os EUA ainda teriam alguma supremacia... nos anos 2020. Depois nem isso. Essa pequena digressão foi apenas para argumentar sobre essa hipótese, nunca totalmente descartada, mas se fosse para ser feita, a chance já passou. Ate os anos 1960 alguns generais e senadores norte-americanos defendiam, contra o que viam como bomba populacional chinesa, a hipótese de alguns bombardeios nucleares contra a China. Claro que tais sugestões e estudos sempre ocorreram dentro de toda discrição, mas algumas vezes vieram a tona tais estudos militares, causando o devido horror[6]. Contudo, com horror ou não, aquele seria um último momento para os EUA, não invadir, mas bombardear nuclearmente a China. Felizmente tal catástrofe não se realizou e o republicano Nixon reconheceu a China comunista em 1973. Logo, a “solução” guerra, felizmente parece devidamente fora do horizonte. Apesar de que nunca devemos dizer nunca. 

    Sem poder resolver a crise de hegemonia pela força direta, a elite norte-americana parece perceber que terá que socializar sua democracia, para seguir em luta hegemônica com a China. Após a “solução” de direita, que via na ultra exploração dos trabalhadores chineses a razão de seu crescimento exponencial, e que alimentou nessa direita o combate aos direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários nos EUA e no ocidente, parece que hoje uma outra leitura, de esquerda e muito mais sofisticada surge. Na qual o sucesso chinês ocorre pela planificação, com empresas estatais e controles estatais em muitas linhas de produções. A economia de mercado, histericamente decantada pela mídia apologética do capitalismo, está lá também na China, mas muito em nichos econômicos determinados e dentro de controles. Tal estruturação da economia chinesa pós Deng Xiaoping é de difícil decifração até para especialistas. Mas o “caminho do meio” entre um partido comunista único e o “enriquecer é glorioso”, se fez com um Estado muito mais varguista ou cepalino[7] do que toda a mídia monopolista ocidental admite, é que é a resposta. A China segue a estrada da Coreia e Japão, mas numa escala chinesa. O modelo dos “tigres asiáticos” nada tem de “livre mercado”: sempre teve dirigismo, centralização estatal e planejamento coordenado, na Coreia, Japão e Taiwan. Obviamente que na oficialmente comunista China o Estado foi central, e o caminho cepalino coordenador dos tigres asiáticos prévios foi seguido, de forma nada “liberal”. Como nos ensina o professor Ha-Joon Chang[8].  

    Muito distante de um discurso do atual vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão(infelizmente, muito distante do Alexander Hamilton dos EUA), feito na Fiesp[9], que tratou Deng Xiaoping como “pai” do “neoliberalismo” na China, comparando-o com Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Tal falsificação histórica me chocou quando ouvi, como um discurso que quer arrastar a História para o que sua ideologia anseia que seja verdade. Deng Xiaoping liberalizou a China ultra centralizada de Mao antes dele sim, mas NUNCA gerou um neoliberalismo na China. Isso simplesmente é mentira. E será muito curioso ver o atual governo do Brasil, agarrado ideologicamente ao trumpismo de forma tão adestrada, repetindo sensos comuns de comentarista de Globonews, ou outros jornais patéticos, de forma tão mecânica e binária, terem que presenciar a ascensão no que eles consideram o centro civilizacional do mundo, de um caminho que COPIE a China, para lhe fazer frente. Com: impostos fortemente progressivos, agencias reguladoras, sindicalização e aumentos salariais, até empresas estatais e o aumento de empregos públicos estatais está no projeto de Sanders... Lembrando até Vargas! 

    Assim aqui defendo que a ascensão de Bernie Sanders é uma tomada de consciência de parcela da elite estadunidense, que não sabemos até onde pode chegar. Pois mais do que baixar salários, para enfrentar a concorrência chinesa, é preciso pagar menos aos acionistas. A própria lucratividade capitalista vive uma crise crônica, que a elite, representada em Sanders, responderá, caso ganhe,  com um novo keynesianismo (matando os 40 anos do “neo”liberalismo), no centro do sistema, turbinando o Estado norte-americano e tornando-o mais parecido com o da China. Que nunca foi neoliberal...

    Enfim, veremos se Sanders consegue vencer as prévias, e até onde conseguirá ir. Mas defendo que ele não é tão outsider, representando uma linha política norte-americana de reação ao gigante desafio chinês. Veremos até onde consegue chegar. Uma boa sorte para ele parece ser a obsessão do presidente do Brasil, e de seus filhos, em apoiarem Trump de forma agressiva e indecorosa, como lhes é tão habitual... Pois em quase todos os países em este presidente defendeu um candidato(como ele não poderia fazer: pois é Chefe do Estado brasileiro, e tem que negociar com quem quer que ganhe!!!) o candidato que apoiou perdeu. Ele se expos indecorosamente apoiando candidatos na Itália, Argentina e Israel... E nesses lugares seu apoio não trouxe muita sorte. Logo, quem sabe a obsessão de Bolsonaro em apoiar Trump não seja um bom alvitre para o audacioso candidato Bernie Sanders.  

    Cristiano Addario de Abreu. 

    Doutorando e representante discente do Programa de História Econômica/USP.

        

    [1] O Longo Século XX. ARRIGHI, Giovanni. Editora Unesp.


    [2] WALLERSTEIN, Immanuel. (1974a). O sistema mundial moderno. Vol. I: a agricultura capitalista e as origens da economia-mundo europeia no século XVI. Porto: Ed. Afrontamentos.


    [3] PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Ed. Intrínseca


    [4] https://markets.businessinsider.com/news/stocks/bill-gates-calls-tax-hike-wealthy-new-years-eve-blog-2020-1-1028791394


    [5] O Longo Século XX. ARRIGHI, Giovanni. Editora Unesp.


    [6] https://www.amazon.com.br/Tell-Me-Lies-About-Vietnam/dp/0335155936


    [7] https://nacoesunidas.org/agencia/cepal/


    [8] CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada - A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Ed. Unesp


    [9] https://www.youtube.com/watch?v=S33JBzuFonA

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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