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    Fernando Horta

    Fernando Horta é historiador

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    Boulos e Marçal: ainda há o que se fazer

    'Meu maior medo é que uma derrota de Boulos para o histriônico Marçal seja uma senha para a renovação do fascismo no país', escreve o historiador Fernando Horta

    Ricardo Nunes (atual prefeito de SP pelo MDB), Guilherme Boulos (deputado do PSOL) e Pablo Marçal (influenciador que pertence ao PRTB) (Foto: Reprodução)

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    Em fevereiro de 2024 o ex-campeão mundial de Boxe, Acelino Popó, atualmente com 48 anos nocauteou em 36 segundos o “influencer” Kleber “Bambam”, de 46 anos. A luta rendeu para ambos algumas dezenas de milhões de reais e o falastrão influencer encontrou a justeza de um ou dois golpes certeiros do ex-campeão. A lei da gravidade fez o resto.

    Se a luta tivesse sido no mundo digital, contudo, Bambam teria vencido.

    Não pode ser entendido como uma novidade o fato de Pablo Marçal, contra até mesmo o bolsonarismo, estar já em segundo lugar nas pesquisas para prefeitura de São Paulo defendendo o teleférico como solução para os problemas de transporte de São Paulo e ensinando como se deve socar o nariz de um tubarão, caso você esteja sendo atacado por ele. Situações semelhantes já tinham acontecido em 2013, quando o jovem Kataguiri resolveu “marchar” até Brasília – precisando de auxílio médico do SUS – para depois tornar-se deputado. Ou em 2018 quando o deputado ligado à milícia do baixo-clero chamado Bolsonaro se tornaria presidente ou ainda em 2018 mesmo, quando um juiz corrupto, desbocado e completamente inábil que até a última semana não figurava nem entre os três nas pesquisas ao governo do RJ se elege.

    Ninguém na esquerda, absolutamente ninguém, pode se dizer “surpreendido” eis que a única coisa que Marçal poderia fazer era levar a disputa para a eleição de São Paulo para o terreno da mentira, da fraude e do mundo digital, onde suas táticas sujas são muito mais efetivas que o bom-mocismo de Boulos ou o clientelismo da velha guarda de Nunes.

    Em pesquisa que realizei recentemente com candidatos às eleições de 2024 a imensa maioria reputava o mundo digital como algo “acessório” à “política de verdade” e não foram poucas as vezes que ouvi de velhos líderes partidários termos como “amassar barro”, “fazer corpo-a-corpo” ou “comer pastel com caldo” para sinalizar que a campanha “ainda se faz nas ruas”. A eleição de 2024 precisa enterrar de vez esse tipo de discurso, ou assim eu espero.

    De qualquer forma, ainda há briga para Boulos, embora ele precise urgentemente se adequar a cinco pontos importantes da disputa. Lembrando sempre que, neste momento, Boulos é quem tem menos chance de crescer pois sua rede digital é pequena, não hierarquizada, não testada e de caráter regional, enquanto Marçal tem uma rede nacional, orquestrada, verticalizada e com muita experiência em técnicas de viralização, memificação, gameficação, transição de sentido e desinformação. A regra nas redes é que você precisa ou de tempo, ou de dinheiro. No melhor dos cenários, tenha as duas. O que agora parece é que Boulos não tem nenhuma das duas.

    No melhor dos intuitos deixo aqui cinco pontos que Boulos precisa refletir e transformar sua campanha para reduzir a vantagem de Marçal a que reputo hoje, já sendo decisiva.

    1. Compartimentalização: Esse conceito é mal compreendido como “furar a bolha” e chegou a impulsionar os efeitos deletérios do “janonismo cultural” nas eleições de 2022. Compartimentalização é a capacidade que as redes têm de manter certos grupos sociais cativos de determinadas fontes de informação. Não necessariamente redes digitais somente fazem isso, mas as igrejas e suas eternas pregações para que fiéis não “confiem ou assistam” a televisão também. Boulos precisa compreender exatamente para quais grupos ele não consegue falar, entender a racionalidade por trás das regras de compartimentalização e alcançar esse grupo com conteúdo significativo. Não adianta fazer – como fazia janones – com fake news e depois se vangloriar do dado quantitativo irreal. É preciso um trabalho mais profundo de comunicação.
    2. Estratificação: Um dos maiores males atualmente é que quem fazia campanha nos anos 80 e 90 fazia para um “brasileiro médio”. Um tipo ideal weberiano que as empresas de publicidade da época tinham milhares de técnicas para definir. Como a comunicação analógica é finita (no tempo e no dinheiro) apresentar um candidato para todo mundo era o essencial. Ocorre que no mundo digital há um Pablo Marçal para cada grupo de pessoas. Há um “coach de sucesso”, há o “milionário filantropo”, há o “inovador intrépido” e tantos outros quantos grupos forem identificados por linguagem e interesses. Há também o estelionatário contumaz e o fascista anti-esquerda e todos eles são direcionados a cada grupo por uma comunicação estratificada. Já Boulos é sempre apresentado da mesma forma. E sobre essa forma são aplicados os rótulos negativos das redes de Marçal. No final do dia, Marçal está sempre “limpinho” e Boulos sempre amarrotado de mentiras.
    3. Multiprojeção: Cada rede social, cada técnica de comunicação e cada grupo a ser comunicado tem uma quantidade específica de técnicas de produção de conteúdo, veiculação e amplificação. Compreender isso significa ter várias projeções da mensagem que se quer passar, adaptadas aos sentidos e às necessidades comunicativas que podem variar até diariamente no ritmo frenético das campanhas. Em 2022 a equipe inteira do Felipe Neto (incluindo toda a atenção dele mesmo) foi deslocada para desfazer os ataques do bolsonarismo. E mesmo com tudo isso, muitas vezes não conseguíamos. Não trabalhar com o conceito de multiprojeção de Boulos é perder por muito.
    4. Antecipação: Precisamos ser justos, nada que Marçal ou o bolsonarismo criam nas redes é novo, novidade ou particularmente inteligente. Todos os movimentos poderiam ter sido antecipados e, se antecipados corretamente, já termos elementos comunicativos para fazer uma barricada cognitiva contra os ataques. Em realidade, a imensa maioria dos políticos de esquerda acham que comunicação política se faz apenas em tempos eleitorais e costuma se preocupar com isso quatro ou cinco meses antes das eleições. Isso significa que quando a campanha inicia, nós já estamos atrasados em relação à direita, no mínimo em 3 anos e meio de trabalho. Essa diferença se materializa em cadeiras no parlamento, por exemplo. Hoje, já é possível saber todos os temas e como será a última semana de campanha de Marçal e se a equipe do Boulos não está preparada hoje, não estará quando a tormenta (prevista) chegar.
    5. Construção: redes de comunicação são construídas desde que o mundo é mundo. Muito antes das revoluções digitais. Lá atrás, levava-se séculos para construir as redes e eram cultivadas com cuidado. Hoje, a mudança se deu no tempo. O dinheiro constrói redes de forma rápida, mas a ideologia as constrói de forma instantânea. Os algoritmos das redes sociais jogam sempre a favor dos temas de ódio, violência e corrupção – claramente a plataforma da direita. Conduzem o absurdo ao espaço da normalidade e o normal fica invisível. A esquerda tem redes adormecidas que precisam ser despertadas, mas isso só se dá a partir do uso de determinados compromissos e palavras. Em outras palavras, se Boulos continuar com sua “guinada ao centro” se tornará invisível e não se aproveitará daquilo que o trouxe até aqui como deputado mais votado da esquerda. Estranhamente ele foi convencido de que ser ele mesmo não era suficiente para ser eleito, enquanto Marçal, acorda todo dia e acredita que mesmo sendo um criminoso sentenciado, enganador de multidões ele pode – sendo ele mesmo – ser eleito.

    Meu maior medo é que uma derrota de Boulos para o histriônico Marçal seja uma senha para a renovação do fascismo no Brasil. Agora “coachcrático”, digital e ainda mais mentiroso e perverso. E esse medo é também do bolsonarismo. A família Bolsonaro encontrou um monstro que faz melhor todas as monstruosidades que eles sempre fizeram. É mais próximo do PCC e do tráfico de drogas. Conhece melhor as condenações judiciais por estelionato, mente melhor nas redes e promete mais sucesso às pessoas. Consegue amealhar mais dinheiro sendo um “mito maior”. E, exatamente por isso, vai engolir o Bolsonarismo e ser uma ameaça real em 2026.

    Que ninguém se engane. Marçal quer ser presidente em 2026. São Paulo é apenas seu campo de provas.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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