Censura prévia: só há espaço para o ultraliberalismo nas concessões públicas de rádio e TV
"Via de regra os veículos de comunicação oligopolizados usam a concessão do Estado para emplacar sua ideologia ultraliberal", diz Bepe Damasco
A radiodifusão é uma concessão pública, já que as ondas eletromagnéticas pertencem ao Estado, ao povo brasileiro. Então, a família Marinho não é dona do canal aberto da Globo, nem da Globonews e tampouco da rádio CBN, mas sim concessionária.
Em um país diverso como o nosso, seja do ponto de vista social, regional, econômico, político, cultural ou racial, as concessões de rádio e TV teriam que abrir espaços para as representações das partes que formam o complexo mosaico da sociedade brasileira.
Mas não é nada disso que acontece. Ao contrário, via de regra os veículos de comunicação oligopolizados usam a concessão do Estado para emplacar sua ideologia ultraliberal, sua visão de mundo excludente e elitista.
Vamos focar na questão econômica.
A armadilha é a seguinte: repetir como mantras "os agentes econômicos isso", "os agentes econômicos aquilo", "o mercado é contra o pacote de cortes de gastos", "as bolsas caem e o dólar sobre por causa de decisões do governo" ou "o mercado vê com bons olhos nova reforma da Previdência", para fazer crer que a economia se resume a isso.
Desgraçadamente, essa empulhação engana muita gente.
Não é por acaso que as variáveis de fato importantes da economia, como produção, consumo, salário e emprego são sempre relegadas ao segundo plano no noticiário, quando não ignoradas completamente.
Repare que só são convidados pela GloboNews e CBN, para comentar decisões econômicas de governo ou projetos em discussão no Congresso Nacional, economistas ligados a corretoras de valores, fundos e assessorias de investimento, além de tecnocratas de todo o ecossistema do rentismo. Sem falar no samba de uma nota dos comentaristas de economia, 100% alinhados ao mercado financeiro. Não há o mínimo espaço para o dissenso.
Condenam à invisibilidade a corrente econômica desenvolvimentista, a mais exitosa do Brasil, cujas teses aplicadas às políticas de governo ao longo do tempo respondem pela industrialização do país, pelo nosso desenvolvimento tecnológico e por situar a economia brasileira entre as dez maiores do planeta. O desenvolvimentismo guiou também o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, no seu New Deal, e a implantação do estado de bem-estar social na Europa, no pós-guerra.
Professores, mestres e doutores da Unicamp e da UFRJ, para citar apenas dois dos principais bastiões do desenvolvimentismo, são excluídos do debate econômico nas programações de rádios e TV voltadas para as questões econômicas. As emissoras chegam ao cúmulo da desfaçatez ao organizar mesas de discussão com três, quatro convidados, todos da escola neoliberal.
Ao virar as costas para o direito constitucional que as pessoas têm de se informar, e formarem opinião, a partir do conhecimento de visões diferenciadas, os veículos de comunicação fraudam o interesse público, além de empobrecer e mediocrizar o debate sobre os rumos do país.
E haja desinformação com propósito político.
Na semana passada, a imprensa comercial liderada pelas Organizações Globo esperneou contra a proposta do governo Lula de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil reais, uma promessa de campanha de Lula. Como não suportam ver os de baixo melhorar de vida, nem que seja um pouquinho, inventaram que a medida vai corroer ainda mais as contas públicas.
Se ouvido por eles, qualquer estudante de economia poderia explicar que a ampliação da faixa de isenção em questão se enquadra como tributação neutra, já que seria compensada por uma escala de taxação de até 10% sobre os rendimentos acima de R$ 600 mil por ano. Ou seja, o impacto fiscal é zero.
E tem coisa mais grave: o distinto público acaba sendo bombardeado por imbecilidades ultraliberais inacreditáveis, pronunciadas em tom professoral por ditos especialistas, tais como "desemprego abaixo de 10% é um risco para o país, porque pressiona a inflação" ou "crescimento excessivo do PIB acaba sendo ruim, já que aumenta o consumo e, consequentemente, os juros".
Pensam que o nosso ouvido é penico.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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