Colher, plantar, colher
"Os passos para trás já foram dados, em 2025 é preciso avançar", escreve Francisco Celso Calmon
1968 foi considerado no Brasil como o ano que não terminou.
Não houve resistência imediata ao golpe de 64, por decisão do presidente João Goulart. As lideranças de antes do golpe de 64 foram exiladas, cassadas, caçadas, demitidas, exoneradas, perseguidas, com intervenções em sindicatos e fechamentos de entidades sindicais, estudantis e interferências em outras instituições e movimentos
As principais entidades secundaristas já no ano de 1965 foram reabertas na marra, sem autorização legal. Entre as mais conhecidas, em novembro de 1965, a AMES do Rio de Janeiro foi a primeira a voltar a funcionar, a partir de uma Assembleia de lideranças, na sede do antigo sindicato dos metalúrgicos, em São Cristóvão, no Rio, na qual fui eleito.
A UNE não parou, enfrentou a ditadura.
De um lado o movimento estudantil e do outro a repressão policial-militar do regime de exceção cresceram em proporções desiguais e o ano de 1968, pelos acontecimentos ocorridos, vai se tornar um ano histórico.
Em 28 de março daquele ano ocorreu o assassinato do estudante secundarista Edison Luís, no restaurante Calabouço, Rio.
A significante manifestação estudantil do seu enterro, mobilizando parte expressiva da classe média, à frente artistas e intelectuais, vai impulsionar novas ações de resistência à ditadura.
“Abaixo a Ditadura. O Povo no poder”, foi a grande faixa que abriu o cortejo do enterro.
Em abril de 1968, operários da Belgo-Mineira realizaram uma greve com ocupação da fábrica. Essa greve marca o início de uma onda de revolta operária em Minas Gerais contra o arrocho salarial.
Em 1º de maio do mesmo ano, em SP, os operários colocaram para correr do palanque de comemoração do dia de luta do trabalhador o governador Abreu Sodré e os sindicalistas pelegos, e realizaram o ato e depois saíram em passeata.
Em 26 de junho de 1968 ocorreu a passeata dos cem mil no Rio, com retumbantes estímulos a outras manifestações em demais partes do país.
Duas semanas após, outra passeata no Rio, quantificada pelos organizadores em 50 mil, a rigor uns 30 mil era mais realista. Fui participante dessas manifestações.
O ano político de 1968 não ocorreu apenas no Brasil, mas em vários países: França, Alemanha, Checoslováquia, Estados Unidos e México. Foi uma quadra de contestação e rebeldia ao sistema e ao status quo do autoritarismo, por novos valores, democracia e pela paz.
Maio de 68 na França, foi uma grande onda de protestos, iniciada com manifestações estudantis pelas reformas educacionais, que evoluiu para uma greve de trabalhadores, pararam a cidade de Paris por vários dias, e balançou o governo de Gaulle.
Nos Estados Unidos, o assassinato de Martin Luther King levou multidões às ruas e impulsionou sanções de direitos civis.
Em 1968, a China estava no auge da Revolução Cultural, que foi um movimento lançado por Mao Tse-tung em 1966, com o objetivo de eliminar elementos "burgueses" e "revisionistas" da sociedade e reafirmar os ideais comunistas. Jovens estudantes, organizados como Guardas Vermelhos, foram incentivados a combater figuras reacionárias.
Se naquele tempo os jovens acreditavam no povo organizado como força motriz da mudança, em 2025, a luta de classes precisa voltar aos trilhos e se reconectar com o espírito coletivo e ousado. Assim como em 68, o futuro exige coragem, consciência e determinação para que a história não seja apenas lembrada, mas vivida como inspiração para a transformação.
1968 não se repete, mas certamente devemos usar momentos históricos para nos inspirar.
Em 2024, tivemos acontecimentos importantes para o desenvolvimento socioeconômico do país, além de outros, simbólicos, que nos dão esperança de um Brasil trilhando um caminho socialmente mais justo.
O PIB cresceu 3,3% em relação ao mesmo período de 2023, talvez chegue a 3.5.
A taxa de desocupação no Brasil atingiu 6,1% no trimestre encerrado em novembro. De acordo com o IBGE, há 6,8 milhões de pessoas desocupadas.
O menor índice de desemprego registrado foi no governo Dilma, 4,6%, considerado estatisticamente como pleno emprego.
O número de jovens que não estão em nenhuma instituição educacional ou trabalhando está atualmente no menor patamar desde 2012.
Amazônia tem menor taxa de desmatamento em 9 anos. Taxa de desmatamento caiu 77,2%% no Pantanal e 48,4% no Cerrado.
O setor de industria de alta tecnologia registrou crescimento no acumulado de janeiro a setembro de 2024, de 4,0% ( de acordo com a Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) ).
Os investimentos em infraestrutura tiveram um salto positivo de R$ 188 bilhões em 2022 para R$ 260 bilhões em 2024.
O governo atual alcançou a menor taxa de pobreza (27,4%) e de miséria (4,4%) da história do país.
O IBGE, com sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), compartilhou os dados de que A massa de salários em circulação na economia aumentou em R$ 21,952 bilhões no período de um ano, o que é um crescimento de %7,2 no trimestre terminado em setembro de 2023 até o trimestre encerrado em setembro de 2024.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou que o Brasil foi o segundo país que mais recebeu investimentos diretos de países estrangeiros.
É mister salientar que o crescimento da mão de obra industrial agrega não só quantitativa, mas, sobretudo, qualitativamente a classe operaria.
A prisão dos generais Braga Netto e Mário Fernandes é um marco histórico para o país. É a primeira vez que um general quatro estrelas é preso no Brasil.
Donald Trump foi reeleito como presidente dos Estados Unidos, representando uma grande vitória para a extrema-direita internacional e uma ameaça iminente à segurança mundial. Por outro lado, paradoxalmente, pode abreviar os conflitos no Oriente e na Ucrânia.
O fortalecimento dos BRICS é imperativo para colocar limites à voracidade do império. O Brasil numa autocrítica corajosa deve retirar o veto à entrada da Venezuela.
Na Bolívia e na Coreia do Sul, tentativas de implementar uma ditadura militar foram rapidamente desmanteladas, graças à grande revolta e resistência popular em ambas as nações.
Mais de 45 mil palestinos foram mortos pelos ataques de Israel em suas terras. Cidades foram completamente destruídas e abandonadas; médicos, jornalistas, famílias com recém-nascidos tornaram-se alvos de missões táticas que buscavam aniquilar qualquer entidade que trouxesse esperança ou auxílio ao povo palestino.
Entre avanços e retrocessos, a única certeza é que 2025 já carrega uma grande carga de conflitos profundos entre nações, além de ser um ano decisivo para o Brasil.
Novas presidências no Senado e na Câmara trarão lideranças comprometidas com o bolsonarismo. Contudo, são produtos de arranjos nos quais os partidos do governo participaram. É crível esperar menos traições e chantagens, e mais diálogo e negociações pontuais.
O poderoso Arthur Lira já está em declínio, podendo sair desmoralizado e sujeito a processos. Esse cenário pode conter a extrema-direita na Câmara.
Haverá reforma ministerial em áreas como Defesa e Comunicação, entre outras. Advogo pela alteração no comando da política externa, com Vieira e Amorin, dando lugar a quadros mais sintonizados com a nova geopolítica.
A saída de José Múcio do Ministério da Defesa, caso não ocorra o dedo podre na escolha em sua substituição, poderá inverter a lógica atual: um ministro do governo junto às Forças Armadas, e não um ministro das Forças junto ao governo.
A especulação sobre o vice-presidente Geraldo Alckmin assumir o cargo parece um movimento estratégico bem acertado e poderoso.
Já a entrada de um marqueteiro, sem base, no Ministério das Comunicações seria um erro. Comunicação não é apenas propaganda; trata-se de diálogo, defesa firme, divulgação de feitos, educação e disputa de concepções e ideias, utilizando a rede de TVs, rádios e outros meios culturais e sociais. Se palpite valesse cravaria o nome Glesi Hoffmann.
Outras reformas ministeriais também são prováveis.
O famigerado Banco Central terá mudanças significativas, com Gabriel Galípolo indicado por Lula para a presidência, e outros nomes como Nilton David, Izabela Corrêa e Gilneu Vivan, todos selecionados pelo governo, assumindo a diretoria. Teoricamente, isso deveria garantir sinergia entre a política cambial e de juros e a econômica, mas o BC segue tutelado pelo mercado.
Enquanto 1968 marcou a luta por democracia, paz e pelos direitos, em um contexto de autoritarismo e guerra, hoje enfrentamos novos desafios: instituições fragilizadas e os vergonhosos legados de governos que dividiram e corroeram o tecido democrático, e, outrossim, o neonazifascismo espraiado por vários países.
Bolsonaro fomentou a cizânia em todos os poderes republicanos e instituições democráticas, povoando-os com aliados que carregam uma postura antirrepublicana.
A conjuntura atual do país ainda reflete governos ilegítimos, como o de Temer, nascido de um golpe, e o de Bolsonaro, fruto de um processo golpista alimentado pela Lava Jato, pela mídia e pelo Judiciário, além de uma eleição marcada por mentiras.
Frente a esse cenário, o que esperávamos do Governo Lula, que ressurgiu das cinzas? Que anulasse e corrigisse todos os atos nocivos que prejudicaram o povo, o Estado e o país. É um governo cercado pelos três êmes e amedrontado.
Midia mente, mercado mente, militares mentem. Como contrapor com a verdade? Somente com uma plataforma poderosa de comunicação com os melhores quadros da esquerda.
Criminoso não tem patente. Bolsonaro não vai nunca mais "subir a rampa", mas certamente subirá as escadas da prisão, cuja limpeza terá de manter.
Os poderes, apesar de harmônicos e independentes, se dedicam a chantagear, provocar animosidades e divisões entre si.
Contudo, enquanto criminosos são desmascarados e a justiça de transição ganha espaço, o "ovo da serpente" segue chocando. Quem enfrenta a serpente é o gavião. Existem gaviões na esquerda? No governo, não os há.
Se Lula perder o entusiasmo da esquerda militante, perecerá.
Foi preciso o 8 de janeiro e o 13 de novembro (descoberta do plano terrorista) para que a justiça de transição entrasse na pauta da esquerda.
A reinstauração da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos foi uma decisão positiva e alvissareira para a luta por memória, verdade e justiça. Além disso, é uma ação simbólica que demonstra que a luta nas ruas e a pressão sobre governantes podem influir, dentro da legalidade, o destino do país.
O ministro Flávio Dino afirmou recentemente que a Lei da Anistia não se aplica ao crime de ocultação de cadáveres, pois, segundo ele, "quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido". Dino também demonstrou solidariedade às famílias que perderam entes queridos na violência ditatorial.
“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos e netos, que nunca tiveram seus direitos atendidos quanto aos familiares desaparecidos", disse Flávio Dino.
Flávio Dino, um legalista progressista, Alexandre de Moreis, um legalista punitivista, são figuras essenciais na defesa e manutenção do Estado democrático de direito. É preocupante quando a democracia depende tanto de ministros do STF.
O povo unido e organizado é uma força assustadora para os governantes. Se quisermos um 2025 e os anos seguintes protegidos de golpistas e da virulência da extrema-direita, o caminho é nunca se calar, ousar, fazer-se presente e se revoltar contra decisões que nos façam retroceder nas conquistas populares.
Mobilização e ocupação não é como andar de bicicleta, é como atletismo, é necessário exercício periódico, senão atrofia a capacidade de luta.
A refrega contra a extrema-direita, o imperialismo, pela justiça de transição e pelo socialismo, deve assumir a principalidade da pauta revolucionária.
Os passos para trás já foram dados, em 2025 é preciso avançar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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