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      Heba Ayyad

      Jornalista internacional e escritora palestina

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      Crise Diplomática entre EUA e África do Sul: Tensões Raciais, BRICS e a Defesa dos Direitos Humanos

      A melhor medida que o governo sul-africano pode tomar é fortalecer suas relações com os países do Sul Global, com o Grupo dos 77 e com a China, diz

      Manifestantes se reúnem do lado de fora da embaixada israelense em Pretória, África do Sul (Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko/Arquivo)

      Em meados de março, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou o embaixador da África do Sul em Washington, Ibrahim Rasool, "persona non grata" devido ao seu suposto ódio aos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump. Em uma publicação no Twitter, Rubio afirmou: "Não faz sentido discutir isso com o embaixador e, portanto, ele é persona non grata no país", acrescentando que Rasool estaria "inflamando tensões raciais" com seus comentários. Rubio também afirmou que a decisão foi motivada pelas opiniões do embaixador, que ele descreveu como anti-Trump e causadoras de tensão nas relações bilaterais entre os dois países.

      Ibrahim Rasool acusou Trump de liderar um movimento de supremacia branca. O embaixador é conhecido por ser um fervoroso defensor da causa palestina e opositor do sionismo. No entanto, a disputa vai além das declarações de um embaixador ou ministro. Trata-se, na verdade, da posição assumida pela África do Sul em relação à guerra de extermínio em Gaza e de sua postura corajosa ao apresentar uma queixa formal ao Tribunal Internacional de Justiça, solicitando a análise dos acontecimentos em Gaza e a possível caracterização como genocídio, conforme definido na "Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio", adotada em 10 de dezembro de 1948.

      Desde que Trump assumiu o cargo para seu segundo mandato, contando com o apoio de Elon Musk — sul-africano pertencente à minoria branca —, suas ações não cessaram de ter como alvo a África do Sul.

      Trump acusou, quase certamente com base nas alegações de Musk, que a minoria branca na África do Sul estaria sendo perseguida e submetida a um genocídio econômico, sob a justificativa de que o governo de maioria negra busca despojá-los de suas terras, propriedades e negócios. Trump já havia repetido essa calúnia em seu primeiro mandato, ao alegar que a maioria negra estaria matando brancos e confiscando seus bens. Essa afirmação, no entanto, não poderia estar mais distante da realidade. Por exemplo, a taxa de homicídios na África do Sul é de 69 pessoas mortas por dia, sendo a grande maioria de vítimas negras, enquanto apenas 26 pessoas da minoria branca foram assassinadas em todo o ano de 2024.

      Quanto à terra e à economia, estas ainda estão quase inteiramente nas mãos da minoria branca, especialmente no que diz respeito aos bancos e às minas de diamantes e ouro. Apenas 7% da população, composta por brancos, ainda detém 72% das terras agrícolas. Em 1913, o governo do apartheid promulgou a Lei de Terras, que retirou 93% das terras da população negra e as concedeu à minoria branca.

      Em 2024, o governo sul-africano aprovou uma nova Lei de Terras, que visa utilizar terras públicas para benefício coletivo. A lei não abrange propriedades privadas, e a desapropriação de terras públicas só é confirmada após revisão judicial. Essa legislação pode beneficiar tanto negros quanto brancos pobres (caso existam), uma vez que poderão receber terras do setor público para restaurá-las e delas retirar seu sustento.

      Contudo, Trump — que se informa principalmente por meio de relatórios e informações fornecidas por pessoas próximas — decidiu cortar a ajuda destinada à África do Sul, a qual era utilizada para combater o HIV/AIDS. A contribuição estadunidense, repassada por meio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), representava apenas 17% do orçamento do programa sul-africano de combate à epidemia.

      Além disso, Washington nomeou Leo Brent Bozell — um fervoroso apoiador da entidade sionista — como embaixador na África do Sul. Bozell havia classificado o Congresso Nacional Africano, liderado por Nelson Mandela, como uma organização terrorista.

      Posteriormente, o presidente Trump assinou um decreto presidencial que impôs um boicote ao Tribunal Penal Internacional (TPI), após o tribunal ter designado o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Galant, como criminosos de guerra que deveriam ser levados à justiça. O decreto estipula a imposição de sanções ao TPI, acusando-o de iniciar procedimentos jurídicos infundados contra os Estados Unidos e seu aliado próximo, Israel.

      O texto publicado pela Casa Branca proíbe a entrada nos Estados Unidos de autoridades, funcionários e colaboradores do Tribunal Penal Internacional, bem como de seus familiares próximos e de qualquer pessoa que tenha prestado assistência às investigações conduzidas pelo tribunal. O decreto também determina o congelamento de bens desses indivíduos em território estadunidense.

      Os Estados Unidos não são signatários do Estatuto de Roma, que criou o TPI e o tornou um órgão independente das Nações Unidas. Já o Tribunal Internacional de Justiça (CIJ) é um dos principais órgãos das Nações Unidas e não requer reconhecimento formal de nenhum país, pois o simples ato de ingresso na ONU implica a aceitação do tribunal e de suas decisões. Como suas decisões (fatwas) não são vinculativas, a menos que aceitas por ambas as partes envolvidas, Trump e seus aliados não consideram necessário punir o tribunal. No entanto, continuam a ameaçar juízes, inclusive um juiz estadunidense.

      Outro motivo por trás da tensão entre os Estados Unidos e a África do Sul foi o papel desempenhado pela África do Sul no estabelecimento, desenvolvimento e fortalecimento do grupo BRICS — que inclui China, Rússia, Índia e Brasil — antes de sua expansão. A China tornou-se o maior parceiro comercial da África do Sul, e suas relações com a Rússia estão cada vez mais fortalecidas. O grupo busca formar uma nova potência global que poderá mitigar ou até contribuir para a dissolução da hegemonia estadunidense. As trocas comerciais entre os países são intensas, e há a possibilidade de o dólar deixar de ser a única moeda utilizada nas transações do bloco.

      Outro fator que irritou os Estados Unidos foi a inclusão do Irã no grupo, o que oferece ao país uma oportunidade de atenuar os efeitos do embargo abrangente imposto pelos EUA. Washington acusa a África do Sul de cooperar com o Irã em diversas áreas, inclusive no campo nuclear. Alguns membros do Congresso estadunidense chegaram a propor a imposição de sanções à África do Sul por conta dessa cooperação.

      A resposta da África do Sul

      O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, respondeu à ameaça de Trump de cortar a ajuda ao país por causa dos "supostos maus-tratos a fazendeiros brancos", negando a alegação de que as autoridades estariam "confiscando terras". “A África do Sul é uma democracia constitucional profundamente enraizada no Estado de Direito, na justiça e na igualdade”, declarou ele na plataforma X (antigo Twitter). “O governo sul-africano não confiscou nenhuma terra dos brancos. Estamos ansiosos para trabalhar com o governo Trump em nossa política de reforma agrária e em questões de interesse mútuo.”

      Ramaphosa acrescentou que, embora os Estados Unidos sejam um parceiro estratégico importante nos âmbitos político e comercial, não forneceram financiamento significativo à África do Sul, exceto no contexto de um importante programa de auxílio ao tratamento do HIV/AIDS.

      Ao que tudo indica, Trump e suas acusações não encontraram ressonância significativa entre a minoria branca sul-africana. Apesar de ter oferecido status de refugiado a agricultores africâneres (brancos) supostamente perseguidos, apenas cerca de 8.000 pessoas se interessaram pela proposta.

      A melhor medida que o governo sul-africano pode tomar é fortalecer suas relações com os países do Sul Global, com o Grupo dos 77 e com a China, além de ampliar o comércio com o grupo expandido dos BRICS. Espera-se também que os países árabes estendam a mão à África do Sul, promovendo cooperação nas áreas econômica e de investimentos, a fim de apoiar esse grande país que, apesar de todas as pressões, continua a defender a verdade, a justiça e o Direito em todos os lugares — especialmente na Palestina.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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