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    Valter Pomar

    Historiador e integrante da Direção Nacional do PT

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    Dois turnos de 2024: pontos para um balanço

    Há crescentes motivos de preocupação para quem é de esquerda

    Eleições municipais no Brasil; 06/10/2024 (Foto: REUTERS/Jorge Silva)

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    A eleição no primeiro turno ocorreu em 5569 municípios.

    Portanto, há 5.569 balanços municipais a serem feitos.

    Ou, no caso do PT, 3.550 balanços, que é o número total de municípios onde (segundo o Grupo de Trabalho Eleitoral do partido) lançamos candidaturas.

    Também é necessário fazer 26 balanços estaduais (no Distrito Federal não acontecem eleições municipais).

    Mas, para além dos balanços municipais e estaduais, há um balanço nacional a ser feito.

    Sobre este, algumas opiniões preliminares.

    Primeiro: as direitas

    Os partidos que vão do centro à direita receberam mais votos, conquistaram maior número de prefeituras e maior número de vereanças. Isso aconteceu no primeiro turno e se repetiu no segundo turno.

    Os números (aproximados) no primeiro turno foram os seguintes:  

    *91 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, 22 milhões de votos para candidaturas do centro à esquerda;

    *4726 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 740 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda;

    *48.106 mandatos de vereança conquistados por candidaturas do centro à direita, 10.308 mandatos conquistados por candidaturas do centro à esquerda.

    No segundo turno, os números (aproximados) foram os seguintes:

    *17 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, quase 5 milhões de votos em candidaturas do centro à esquerda;

    *45 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 6 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda.

    Por quais motivos os partidos do centro à direita venceram? 

    Entre estes motivos, há que considerar a força acumulada, dinheiro, mídia, crime, influência dos aparatos, legislação eleitoral que os favorece, emendas parlamentares, uso da máquina, linha política etc. 

    Mas há, também, o que nós da esquerda fizemos ou deixamos de fazer.

    Segundo: os nem nem

    Tanto no primeiro quanto no segundo turno, houve um imenso número de pessoas que não compareceram para votar; ou compareceram, mas votaram branco ou nulo. 

    Estamos falando de mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras.

    Há quem compreenda este fenômeno como uma demonstração do “fracasso” da democracia, outros como uma manifestação antisistêmica de parte da população, outros ainda como uma confirmação da natureza burguesa do nosso sistema política. 

    Qualquer que seja a avaliação, trata-se de um fenômeno que merece ser analisado em detalhe, para informar medidas que precisam ser tomadas com urgência.

    Terceiro: o desempenho das esquerdas

    Desde 1982 até 2024, já tivemos 12 processos eleitorais municipais. 

    Em todos estes processos, os partidos do centro à direita tiveram mais votos, conquistaram mais prefeituras e vereanças. Portanto, o que ocorreu em 2024 não foi um ponto fora da curva.

    Entretanto, em eleições anteriores, o desempenho das esquerdas em geral e do PT em particular foi relativamente melhor do que o de 2024. 

    Melhor significa: tivemos um percentual maior de votos válidos, conquistamos um número maior de prefeituras e vereanças, conseguimos uma distribuição mais equilibrada dessas prefeituras pelo território nacional, alcançamos vitórias em maior número de cidades estratégicas.

    Tudo relativamente, ou seja, relativamente aos nossos inimigos e relativamente ao nosso próprio desempenho.

    Vejamos o caso específico do PT, que é o Partido que possui o melhor desempenho nas esquerdas.

    Se compararmos o desempenho de 2024 (metade do governo Lula 3) com o desempenho de 2004 (metade do governo Lula 1), 2008 (metade do governo Lula 2), 2012 (metade do governo Dilma 1) e 2016 (depois do golpe), o resultado para prefeituras é o seguinte:

    2004 409

    2008 558

    2012 635

    2016 256

    2020 183

    2024 252

    Portanto, observando a curva, voltamos agora a números absolutos parecidos com os que tivemos em 2016. E superiores aos de 2020. Mas inferiores aos dos anos anteriores.

    Se compararmos 2024 com 2020 (metade do governo Lula 3 com metade do governo cavernícola), o desempenho foi melhor: de 183 para 252, 69 cidades a mais.

    Mas quando levamos em consideração o porte das cidades, a coisa muda de figura.

    Nas cidades com mais de 100 mil eleitores, caímos de 9 para 8 prefeitos/as. A grande novidade é que agora temos uma capital.

    Nas cidades com 50 a 100 mil eleitores, crescemos de 7 para 15 prefeitos/as.

    Nas cidades que tem entre 20 à 50 mil eleitores, crescemos de 20 para 41 prefeitos/as.

    E nas cidades com menos de 20 mil eleitores, crescemos de 147 para 188 prefeitos/as.

    Ou seja, este ano elegemos 69 cidades a mais, mas a maior parte disto (41) foi em cidades de pequeno porte.

    Além disso, é bom lembrar que - quando a eleição começou - o PT governava não 183 cidades, mas sim 265 cidades. Isto porque prefeitos eleitos por outros partidos, resolveram filiar-se ao PT depois da vitória de Lula. 

    Portanto, a rigor, caímos de 265 para 252. 

    Além disso, a distribuição das prefeituras eleitas por estado revela uma concentração brutal: 202 das 252 estão concentradas em cinco estados. Bahia e Piauí com 50 cada, Ceará com 47, Minas Gerais com 35 e Rio Grande do Sul com 20. 

    Vale destacar que apenas em dois estados (Bahia e Piauí), o número atual de prefeituras é o maior já obtido. Nos outros três (Minas, Rio Grande e Ceará), o PT já governou, no passado, um número maior de cidades.

    Vale destacar que houve um crescimento importante foi o número de pessoas governados por administradores petistas.  Em 2020 governávamos 4,4 milhões de pessoas, agora vamos passar a governar 7,6 milhões de pessoas (lembrando que Fortaleza sozinha tem 2,4 milhões). Um crescimento de 73% em termos da população governada. 

    Mas este crescimento precisa ser considerado relativamente: o PL governava 6,6 milhões em 2020 e agora passou a governar 19 milhões, um crescimento de 189%. O PSD e o Republicanos também tiveram um crescimento expressivo em termos proporcionais.

    Ademais, quando comparamos o PT consigo mesmo, o resultado é o seguinte: o PT governava 19,9 milhões em 2008, 27 milhões em 2012, 4,3 milhões em 2016, 4,4 milhões em 2020 e agora vamos governar 7,6 milhões.

    Por esses e por outros motivos, quando analisamos do ponto de vista nacional, o resultado para as esquerdas em geral e para o PT em particular não deve ser apresentado como uma vitória eleitoral.

    Claro que há derrotas eleitorais que são vitórias políticas. Aliás, o fato de termos obtido alguns resultados mais positivos do que os de 2020, o fato de termos vencido ou de termos tido grande crescimento em algumas cidades, tudo isto demonstra que o resultado nacional poderia ter sido outro. 

    Mas, quando olhamos o resultado nacional de conjunto, não é correto falar nem de vitória eleitoral, nem de vitória política. Vitórias políticas, com ou sem vitória eleitoral, foram obtidas em um número importante de cidades. Mas no conjunto do país, o resultado foi outro.

    Quarto: o impacto no governo

    Tendo em vista que o governo Lula inclui partidos do centro à direita e do centro à esquerda, há quem diga que a oposição cavernícola ao governo Lula foi derrotada. 

    E há quem vá além disso.

    É o caso de Paulo Teixeira, titular do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Segundo Teixeira, “quem ganhou as eleições no Brasil foi a base do presidente Lula”.

    A frase é meio capciosa: não foi Lula quem ganhou, nem foi o partido de Lula quem ganhou, foi “a base”. E como a “base” é composta por vários partidos do centro à direita, como o MDB e o PSD, é possível dizer que a “base” ganhou.

    Mas há três problemas nessa análise.

    Primeiro, minimizar a força da extrema-direita. O PL, por exemplo, foi o partido mais votado e com melhor desempenho nas cidades com mais de 200 mil eleitores.

    Segundo, desconsiderar que muitas vitórias da base foram obtidas contra a esquerda, sem defender o governo e muitas vezes em aliança com a extrema-direita.

    Terceiro e principalmente, esquecer que não foi toda a base do governo que cresceu. Quem cresceu foi a parte da base que vai do centro para a direita. 

    O que isto vai significar, na condução do governo e nas eleições de 2026, ainda está por ser definido. Mas há crescentes motivos de preocupação para quem é de esquerda.

    Quinto: para além das eleições

    Para além das questões citadas anteriormente, há inúmeras que merecem análise detalhada.  A respeito, cito a seguir trechos de um texto divulgado no dia 9 de outubro de 2024.

    A eleição demonstrou, mais uma vez, que temos três graves problemas: em primeiro lugar, um déficit de compreensão acerca da realidade brasileira, das classes e da luta de classes neste momento da história do Brasil, em particular a análise sobre a influência da extrema-direita sobre os setores populares; em segundo lugar, uma reduzida presença cotidiana junto à classe trabalhadora, o que explica parte da dificuldade que enfrentamos nas campanhas eleitorais; em terceiro lugar, uma orientação estratégica equivocada, que não dá conta dos tempos de guerra em que vivemos. O PED de 2025 será útil se, além de substituir quem precisa ser substituído, também ajudar o Partido a perceber e começar a corrigir estes problemas.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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