Eu invejo os palestinos
Eu tenho plena certeza de que os israelenses sentem o mesmo quando olham para os palestinos
publicado originalmente no Substack da autora em 27 de março de 2025
Eu invejo os palestinos. Não pelo que estão passando, obviamente, mas pelo que eles têm. Pela sua cultura profundamente autêntica, com raízes profundas e uma conexão ancestral com a terra.
Uma das pouquíssimas coisas boas que o holocausto de Gaza trouxe ao mundo foi um dilúvio de imagens de palestinos vivendo as suas vidas, interagindo uns com os outros e se relacionando com seus entes queridos enquanto encontram formas de sobreviver a esse pesadelo. Ocidentais como eu temos assistido discretamente a esses vídeos em nossas telinhas, em nossas casas, e visto os diversos filmes, documentários e programas que foram feitos ao longo dos anos sobre a vida palestina — e absorvido tudo isso.
E é simplesmente comovente demais. Os palestinos são pessoas incrivelmente belas. Que ternura eles demonstram entre si. Quão real e orgânica é a sua espiritualidade. O quanto amam profundamente a sua cultura em todas as suas expressões únicas. Quão profundamente íntimas são as conexões entre eles — tanto entre indivíduos quanto com a comunidade como um todo.
Eu sou uma australiana branca. Nós simplesmente não vivenciamos essas coisas. Os habitantes indígenas desta terra foram massacrados, roubados e deslocados da mesma forma que os palestinos hoje, e meus ancestrais foram trazidos para este continente da Irlanda e da Escócia por circunstâncias além do seu controle. Agora, em grande parte, o que resta é essa civilização superficial e vazia cuja principal identidade cultural consiste em não se importar demais com as coisas. Vivemos com esse estado vago e perpétuo de alienação e disforia zumbindo ao fundo da nossa consciência, porque não temos raízes aqui.
Meu marido Tim é um estadunidense de ascendência irlandesa e teve praticamente a mesma experiência. É assim que é para os brancos no mundo colonizado. Não temos conexão. Não temos profundidade histórica. Não temos uma cultura real. Não temos um enraizamento verdadeiro. É por isso que estamos sempre procurando por algo além do que temos, seja mais dinheiro e mais bens, ou um retorno à religião dos nossos avós, ou à espiritualidade New Age, ou ao abuso de substâncias. Nossa experiência aqui simplesmente não parece certa. Não sentimos que pertencemos.
Aí olhamos para os palestinos e vemos como a sociedade deles contrasta nitidamente com a nossa — e não conseguimos evitar de sentir um profundo anseio. Eles vivem de forma tão natural e tão calorosa. Simplesmente parece certo.
E eu tenho plena certeza de que os israelenses sentem o mesmo quando olham para os palestinos. Ali estão eles, com essa cultura ridiculamente falsa de IA e música eletrônica, falando uma versão estranha de uma língua morta que os sionistas reanimaram há algumas gerações para poderem interpretar um teatro de que são “médio-orientais” e fingir que o “Israel” de hoje tem qualquer semelhança com o Israel histórico dos tempos bíblicos.
E então eles olham para o povo que vivia ali antes deles, com suas raízes profundas e autenticidade vibrante, e sentem inveja. E a inveja vira rancor. E o rancor vira ódio. E o ódio vira genocídio.
Claro que há outros motivos para o ódio que os israelenses sentem pelos palestinos — todo o estado de apartheid depende de que eles sejam agressivamente doutrinados a enxergar os habitantes de segunda categoria da terra como menos que humanos. Mas a inveja certamente tem um papel nisso.
E eu espero que eles não consigam exterminar os palestinos. Espero que não consigam expulsá-los da sua terra. Seria uma perda tão grande para o mundo inteiro ver algo de tamanha beleza arrancado de suas raízes e lançado no lixo da história. Para além de todos os outros motivos para nos sentirmos devastados com os abusos que estamos testemunhando em Gaza e na Cisjordânia, há o fato de que nosso mundo está perdendo uma das coisas mais estonteantemente belas que já existiram.
Se esses lunáticos conseguirem apagar a Palestina, acho que será genuinamente como perder um ente querido. Acho que muita gente ao redor do mundo sentirá o mesmo.
Eu espero desesperadamente que isso não aconteça. Se eu fosse outro tipo de pessoa com outro tipo de espiritualidade, eu diria que estou rezando para que isso não aconteça. Num mundo cada vez mais falso e fraudulento, não podemos nos dar ao luxo de perder a Palestina.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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