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    Marcelo Auler

    Marcelo Auler, 68 anos, é repórter desde janeiro de 1974 tendo atuado, no Rio, São Paulo e Brasília, em quase todos os principais jornais do país, assim como revistas e na imprensa alternativa.

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    Folha de S.Paulo: saco de gatos ou de estercos?

    'A Folha não tem como considerar Jair Bolsonaro um democrata. Ela própria sentiu as perseguições dele', escreve o colunista Marcelo Auler

    Folha de S.Paulo (Foto: Divulgação)

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    Em 1980, quando ingressei na editoria de Educação da Folha de S.Paulo, o jornal era carinhosamente chamado de “Saco de Gatos”. Apelido conquistado por uma decisão editorial de abrir espaço para artigos de autores de correntes ideológicas diversas. Fruto da influência direta de Cláudio Abramo, com o respaldado do dono do jornal, Octávio Frias de Oliveira.

    Estávamos ainda sob o tacão da ditadura militar, no governo do último general-presidente, João Figueiredo. A sociedade, após 16 anos de ditadura, passava por uma ebulição. Ao longo do final dos anos 70, ressurgiu o movimento sindical renovado e forte; os estudantes se reorganizaram e voltaram às ruas; após muita luta, conquistou-se a Anistia em 1979; lutávamos pelo retorno das eleições diretas.

    A Folha então ousou publicar artigos variados, de autores diversos, independentemente de posicionamento ideológicos. Havia divergência no que era publicado, o que atraiu um maior número de leitores e maior prestígio ao jornal.Algo, porém, permeava os artigos: a defesa do Estado Democrático de Direito, ainda que vivêssemos sob um regime ditatorial. Não havia espaço para defesa dos ditadores ou das práticas ditatoriais, apesar do passado suspeito da Folha de apoio à ditadura militar e colaborar com a repressão política.

    Naquele momento a empresa vivia uma experiência de convivência pacífica, inclusive na redação, bem administrado pelo Sr. Frias. Desde a pressão dos militares provocando o afastamento de Abramo, por volta de 1977.

    A redação passou a ter como diretor Boris Casoy, com um histórico que o ligava aos grupos de Caça aos Comunistas no tempo de estudante da Mackenzie, e por Odon Pereira, antigo quadro do Partidão. Ao mesmo tempo, porém, Frias criou uma “comissão de redação” que representava os jornalistas da casa, na sua grande maioria de esquerda, muitos deles admiradores/apoiadores do PT. Nos anos 80 Frias pai contou também com a ajuda do filho mais velho, Octávio Frias Filho, o Octavinho, que assumiu cargos na redação.

    Diretas Já, resultado do clima no jornal

    Através do diálogo com a comissão, da qual fiz parte, Frias buscava uma linha direta com o reportariado. Evitávamos queixas individuais ou sobre chefes; buscávamos ganhos coletivos. Mas com isso Frias mantinha-se informado do clima na redação, o coração do jornal. O que contribuía a favor do chamado custo/benefício do emprego. Trabalhava-se com satisfação naquela época.

    Tudo culminou na famosa adesão do jornal na Campanha das Diretas, em 1983/4. Ideia do jornalista Ricardo Kotscho que em um breve texto propôs que a Folha, sendo um “Saco de Gatos”, encampasse a luta aquela luta, já defendida pela maioria dos seus leitores.

    Novamente prevaleceu a visão empresarial de Frias. Mesmo com a oposição de Casoy, contrário ao engajamento em nome de uma suposta “imparcialidade”, o jornal embarcou na campanha e saiu dela mais respeitado ainda.

    Havia, porém, algo que permeava os artigos publicados: a qualidade dos textos, a honrabilidade e capacidade de seus autores e a defesa do Estado Democrático de Direito, ainda que vivêssemos sob um regime ditatorial.

    Todas essas lembranças ressurgiram ao se deparar com o espaço aberto pelo jornal para artigo de Jair Bolsonaro – “Aceitem a democracia”. Mesmo se conhecendo esse passado do jornal que acolheu textos de diferentes posicionamentos, não há como entender esse artigo como fruto daquele “Saco de Gatos” dos anos 80.

    Provavelmente, naquela época, esse texto não seria acolhido por reconhecidamente não representar o que realmente pensa e defende o seu autor.

    A Folha, que em dezembro de 2019 foi perseguida pelo então presidente Bolsonaro tal como denunciou – Bolsonaro cancela assinaturas da Folha no governo federal e ameaça anunciantes do jornal –, não tem como considerar o ex-presidente um democrata. Ela própria sentiu as perseguições.

    Dificilmente a publicação do artigo de alguém que pelo seu passado pode ser considerado um impostor, será visto como demonstração de imparcialidade do jornal. Mais provável ser visto como abertura de espaço para quem recentemente quis recusar a democracia, golpeando-a. Ou seja, o artigo não se encaixa naquele antigo “Saco de Gatos”. Está mais para “Saco de Esterco”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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