Geopolítica: qual o lugar do Brasil no Mundo?
"O Atlântico Sul tem se tornado uma zona de interesse, especialmente para a China atingir com mais facilidade reservas minerais e agrícolas da África e Brasil"
Henry Kissinger ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1973. Mas poderia ter ganho um inexistente Nobel da Guerra. Cientista político formado em Harvard, foi a maior referência da realpolitik. Foi desde sempre um defensor dos EUA e de seu papel no mundo. Eu defino realpolitik como a prática de fazer o que for preciso, aliar-se a qualquer um, se for para atingir seu objetivo. É o conceito “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” levado às últimas consequências.
Sua viagem à China, em 1971 – e as outras 50 que fez até 1980 –, coroou sua estratégia de separar o “país do meio” da URSS. Admitida na ONU e na OMC (em 2011), sua economia cresceu. Houve um progressivo aumento dos salários e o crescimento da classe média. Esse movimento lançou a China na modernidade, integrada à economia mundial. Ela se tornou a “fábrica do mundo”. E legou aos soviéticos o peso gigantesco de concorrer com os norte-americanos, sem aliados relevantes. Deu na queda do muro em 1989, que descobriu a “ferrugem com pintura” dos soviéticos. E reduziu a URSS a pó, sem a necessidade de dar um tiro.
Hoje, passados 50 anos desse momento, o mundo mudou e os EUA disputam a sua liderança com a China. Os EUA seguem sendo a maior economia, mas a pobreza atinge 20% dos americanos. A concorrência se dá nas áreas de ponta do desenvolvimento tecnológico, como a IA, a aeroespacial e energia limpa. Não é à toa que EUA, China, Índia e Rússia voltaram a passear pela Lua, em busca do hélio-3, fundamental para a fusão nuclear.
A guerra da Ucrânia mostra o quão a realpolitik domina o cenário, e a pouca importância da Europa nesse quadro. Vários países, incluindo o Brasil, já deixaram claro que era melhor para a Ucrânia aceitar perdas, tese que os EUA criaram coragem de verbalizar recentemente. A Europa tem valor enquanto OTAN, mas hoje que o eixo geopolítico se deslocou para a Ásia, isso conta pouco. E sua dependência do “óleo e gás” russos limita sua possibilidade de atuar.
EUA e China dançam um balé esquisito. Suas forças armadas são enormes, seguem lógicas próprias, diferentes entre si, mas com o objetivo comum de impressionar e pressionar seus próprios aliados. O conflito direto não interessa a ambos.
As antigas colônias asiáticas, como Taiwan, são a bola da vez. A China vai continuar a pressionar, os EUA a pedir paz e Taiwan segue com o maior fluxo de navios cargueiros do mundo. E assistiremos mais vídeos do caça chinês de 6ª geração, em ações avançadas de marketing, mostrando a excelência do “made in China”. Coisa que os americanos detêm desde a Guerra Fria, por exemplo com o SR-71, avião que atingiu 3.700 km/h na década de 1960. Boa parte dessas tecnologias é originária da Segunda Guerra Mundial, obtida como pagamento pelo “lend-lease", que tirou da Inglaterra importantes patentes como o radar, a transmissão de dados por micro-ondas, dispositivos atômicos ou a computação seriada.
Já o Brasil se orgulha de ser a 6ª ou 8ª economia do mundo, como se houvesse um enorme mérito próprio nisso. Na verdade, o peso do Brasil no mercado internacional é o de um grande produtor de commodities. Importamos fertilizantes, as sementes são da Monsanto e o grande trade é da Cargill. Seu peso na economia depende do interesse de outros países.
O Atlântico Sul tem se tornado uma zona de interesse, especialmente para a China atingir com mais facilidade as reservas minerais e agrícolas da África e do Brasil. Daí seu interesse em financiar alternativas como a rota bioceânica e outros projetos logísticos para ligar o Atlântico ao Pacífico. Os EUA olham com preocupação essa aproximação dos chineses com o “seu quintal”, que também os aproxima da Antártida.
Essa aproximação da China levou os EUA a recriarem em 2008 a 4ª Frota, voltada ao hemisfério sul. Todos os países do continente sul se opuseram discretamente a essa iniciativa, ao que os norte-americanos nem sequer comentaram. Em 2024, o porta-aviões USS George Washington visitou o Rio de Janeiro, no ritual de demonstração de poder habitual. Ele pode operar até 90 aeronaves. A Força Aérea Brasileira tem hoje pouco mais de 30 caças operacionais. Os EUA têm 11 porta-aviões.
O Brasil entende esse jogo e vem buscando apoio para o aumento do mar territorial brasileiro, de 200 km para 350 km. Também tem havido investimentos em equipamentos militares, como navios e submarinos nucleares e convencionais.
Dessa forma, nosso país tem garantido seu envolvimento num futuro conflito militar global. Para que isso não ocorra, temos nos metido em muitos assuntos com os pouco importantes europeus e africanos, especialmente num tema que China e EUA abominam: meio ambiente. Esse foi o último assunto tratado por Kissinger.
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