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    Marcia Tiburi

    Professora de Filosofia, escritora, artista visual

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    Identitarismo imaginário: uma nota sobre o 'esquerdomachismo'

    "A renovação é radical. Não é liberal, nem machista, nem racista, nem capacitista. Ela inclui essas lutas como paralelas à luta de classes", diz Marcia Tiburi

    Manisfestantes protestam na avenida Paulista (Foto: Ricardo Stuckert)

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    O espectro do identitarismo imaginário ronda o Brasil. Ele foi inventado pelo ‘esquerdomachismo’ explícito, acompanhado do ‘esquerdomachismo’ oculto em posturas de diversos personagens, inclusive mulheres de esquerda que têm medo de se autodefinirem como feministas, pois nessas horas podem perder vantagens junto aos donos do poder. Uma feminista – ou seja, uma mulher com consciência da sua condição na sociedade patriarcal - incomoda muita gente. Ela nunca deveria levantar a mão para falar de direitos das mulheres e de injustiças históricas. Ela deveria ficar no seu lugar de obediência ou, pelo menos, agir como um homem, mas claro, colocando-se no seu lugar (apagado e servil) de mulher sempre que o sistema assim demandar, ou seja, a todo momento...

    Essa fala contém ironia! Mas o contexto exige, desde que, na eleição nos EUA, criou-se a ideia de que a culpa é dos chamados “identitários”! Uma mistificação que vem ganhando terreno e que mostra mais a falha da velha esquerda do que um problema da nova esquerda que surge na sua forma radical, tão radical quanto a nova democracia que precisamos construir. O que vem sendo chamado de identitarismo nada mais é do que uma construção imaginária que coloca novos atores da cena pública e política como inimigos a serem combatidos. A esquerda está mirando nos próprios pés – e os pés são de seu próprio bebê que vai crescer e ficar gigante - em vez de combater o fascismo.

    Para podermos avançar nessa discussão, é preciso antes explicar o que é o ‘esquerdomachismo’.

    O machismo é uma postura em nível moral, ou seja, concernente à subjetividade das pessoas. Enquanto o patriarcado é o sistema estético-teológico-econômico-estatal-jurídico-midiático que funciona como uma frente de ação universal organizando a sociedade, o machismo é a forma moral, ou seja, um parâmetro de comportamento interiorizado e levado a cabo por homens – e infelizmente também por outros gêneros – que se tornam sacerdotes envolvidos na manutenção do sistema. Ora, o ‘esquerdomachismo’ é machismo igual ao machismo de direita. Contudo, mascarado de “esquerdismo”, ou seja, de valores democráticos, direitos iguais e equiparação geral – econômica e política - para os gêneros, ausência de misoginia, capacidade de distribuição e reconhecimento. Assim como há um ‘esquerdorracismo’ e um ‘esquerdocapacitismo’, há um ‘esquerdomachismo’ estrutural a ser superado.

    O ‘esquerdomachismo’ é a ideologia que desponta sem vergonha e cheia de ignorância no momento em que novas atrizes e atores chegam para participar do campo político. Corpos e singularidades aparecem pontuando uma nova luta de classes, mas pouca gente percebe essa mudança como avanço da democracia. Esses corpos antes impedidos de exercer direitos, inclusive políticos, que sempre foram tratados como intrusos, chegaram para ficar. Um novo modelo de democracia surge: é a democracia radical que avança para além da democracia burguesa, branca e liberal. A democracia radical inclui todo mundo. Ela não exclui ninguém, pois excluir é antidemocrático.

    Se o ‘esquerdomachismo’ exclui os corpos e suas lutas, ele se torna antidemocrático. Na verdade, talvez seja por isso que a esquerda esteja em crise. Por que a esquerda ficou velha, precisa se renovar. A caducidade da esquerda é, ao mesmo tempo, patriarcal, racial, capacitista, e até mesmo etarista! Há que se respeitar os corpos-sujeitos presentes na produção do processo democrático.

    E a renovação é radical. Não é liberal, nem machista, nem racista, nem capacitista. Ao contrário, ela inclui essas lutas como paralelas à luta de classes. A luta de classes nunca deu certo, porque ela sempre escondeu alguma coisa que o momento atual vem revelar, a saber, que mulheres sempre foram exploradas no processo. Agora, elas querem o poder! Apenas para falar dessa população, é preciso ficar claro que os esquerdomachos não estão gostando disso, e se estiverem gostando, não são esquerdomachos.

    Não é preciso ter medo dos novos agentes da luta. É preciso não ter medo de renovar a luta e de saber que ela pode ser mais completa e radical. Essa é a nova universalidade que precisa ser levada em consideração.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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