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      Weiller Diniz

      Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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      Na boleia do golpe

      A trama pela anistia deu marcha-à-ré e os seguidores do “fuhrer” tupiniquim veem Bolsonaro, acovardado, mendigar por um perdão que não virá

      Jair Bolsonaro durante participação em evento em Goiânia, 04/04/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

      O caos provocado pelos caminhoneiros foi decisivo para o cavalo de pau que atropelou a democracia no Chile. A primeira greve - outubro de 1972 – fundiu o país e criou as condições para o golpe de Estado no ano seguinte, derrubando Salvador Allende. O itinerário foi cuidadosamente traçado pelos sindicatos patronais, com óleo na pista e muita fumaça de insurreição, até fabricar uma crise que provocasse a intervenção militar. O pretexto para a sublevação dos caminhoneiros chilenos contra o governo foi a tentativa de criação de uma estatal que agregasse todas as modalidades de transportes. A recém-criada Confederación de Sindicatos de Dueños de Camiones de Chile, presidida pelo advogado León Vilarín, era o motor da máquina golpista. Em 1973, sempre capitaneados por Vilarín, os caminhoneiros voltaram à carga, com um novo “paro”, que terminou com a derrubada do primeiro presidente socialista eleito na América Latina. O General Augusto Pinochet era o comandante do Exército chileno.

      Sob a condução do capitão Bolsonaro o Brasil era uma carreta desgovernada. A doutrina da banguela gerencial era generalizar o caos. Onde havia desordem, infração e desvios reluziam as estrelas de generais. Militarizar cargos civis sempre abasteceu golpes e quarteladas. As antenas do TCU captaram 6 mil quepes trafegando em boleias privilegiadas naquela curva sinuosa para a democracia. Os mais estrelados do comboio eram Braga Netto, Augusto Heleno, Eduardo Pazuello, caroneiros do caos e frentistas da insurgência. Os rastreadores da PF indiciaram os dois primeiros como pilotos de um golpe de Estado e estão colados na rabeira de Pazuello.  Os faróis da PF iluminaram ainda um “cachorro-louco”, como são chamados os caminhoneiros mais enfurecidos e imprudentes das estradas. Se na economia o posto Ipiranga era Paulo Guedes, na ruptura o combustível tóxico de maior octanagem era o Mário. Que Mário?

      Mário Fernandes é general de brigada (reserva). Ele se aboletou na cabine acolchoada do Planalto como Secretario-Executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, tocada à época pelo general Luís Eduardo Ramos. Ambos desembarcados da caçamba dos “kids pretos”, tidos como elite do Exército. Mário Fernandes chegou até a pilotar na pista da Esplanada como ministro interino. A blitz policial o flagrou ao volante, pé embaixo, para atropelar o Estado Democrático e patrolar as instituições. A marcha autoritária engatada por ele tinha múltiplas vias e a cumplicidade de outros barbeiros institucionais. A carga pesada pela ruptura, com atalhos terroristas, foi captada pelos radares policiais e o rebocou para cadeia em 19 de novembro de 2024. Crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa.


      A revisão feita pela PF nas oficinas da sublevação diagnosticou Mário Fernandes como uma buzina ativa e estridente para ecoar a quartelada. Além de muitas paradas nos acostamentos golpistas, Fernandes piscava à direita para a turba estacionada na capital. Entre eles estava “Lucão”, caminhoneiro Lucas Rotilli Durlo, um dos líderes da conspiração sobre rodas, estacionado em Brasília por autorização do dono do caminhão. Em 8/12/2022, Mário Fernandes pisa fundo para brecar uma ordem do STF: a busca e apreensão no acampamento do Quartel General do Exército. Mário Fernandes envia um áudio para o General Braga Netto, às 23 horas e 04 minutos. Pede para ele entrar em contato com o então presidente Bolsonaro para mandar o Ministro da Justiça “segurar a PF” e frear a ordem judicial. Antes, às 22 horas e 59 minutos, deu a mesma seta ilegal para Mauro Cid, que respondeu positivamente em 5 minutos. Os “cachorros loucos” não dormem. Varam as madrugadas mal iluminadas à base de rebites.

      O mesmo ronco para afrontar o poder Judiciário foi dirigido ao comandante militar do Planalto, Gustavo Henrique Dutra de Menezes, às 23h13 minutos. Mário Fernandes derrapa feio e joga luz alta na escolta oficial e ilegal aos golpistas: “Não sei se você já tá ciente e no apoio que nós temos dado tanto ao pessoal do AGRO como aos CAMINHONEIROS que estão aí na, na MANIFESTAÇÃO”. Mário Fernandes diz que os caminhoneiros conhecem Bolsonaro: “nos foi informado que parece que ou o STF ou o TSE tão emitindo o mandato de busca e apreensão para os caminhões que estão aí. O pessoal tá muito preocupado. É... alguns caminhoneiros que conhecem o PRESIDENTE, fizeram contato, certo?”. Na contramão da legalidade ele pede para o então comandante militar do planalto colidir frontalmente com a ordem judicial: “Estamos buscando pelo Executivo Federal também fazer um contato com o Ministério da Justiça. E aí o que eu queria te pedir, DUTRA, é uma atenção a esse aspecto, até mesmo para a gente restringir ao máximo que isso aconteça”. O apelo para descumprir uma ordem judicial foi feito às 22 horas do mesmo dia 8/12 pelo caminhoneiro Lucão, o “cachorro louco” que tratava Mário Fernandes por “amigo”. 

      O caminhoneiro Lucão, amigo do general-ministro, abalroou a democracia em uma entrevista a um canal do facebook em 2/12/2022, transcrita no inquérito da PF. Manobrado, ele convocava para um congestionamento de golpistas na capital em datas emblemáticas para os conspiradores: “Venha junto abraçar essa missão aqui em Brasília. Nós precisamos ter no mínimo uns mil caminhões aqui em Brasília pra que semana que vem, lá pro dia 10, 11, nós não deixamos o LULA empossar.” Lucão demonstra intimidade com Bolsonaro e com o decreto do golpe, que chama de “documento”: “Então, meu Capitão, eu peço ao senhor, assina, este documento e dá o pontapé́ inicial. Nós não vamos desistir. Eu confio no senhor. Porque eu conheci um homem... o senhor sabe, foi nessa data em 2016, no dia de hoje, que eu estive dentro do seu gabinete.(...) Eu sei que o senhor jamais vai trair seu povo. Por isso nós estamos aqui, até o dia que o senhor chegar e disser pra nós ‘Vencemos, eu assinei’ (...). Será muito difícil nós, depois que eles assumirem o poder, conseguirmos resgatar o nosso país novamente de forma democrática, porque eles estão tomando o poder. Eles já deixaram claro isso lá atrás. O que nós estamos fazendo aqui não é um golpe, e sim um contragolpe (...).”

      A investigação localizou balizas ainda mais extremistas de Mário Fernandes. Em uma conversão típica de grupos terroristas, a PF identificou “mensagens que foram encaminhados entre contas de WhatsApp vinculadas ao próprio General Mário Fernandes, possivelmente com o intuito de preservar o conteúdo e dificultar a identificação do interlocutor da mensagem”. O tacógrafo da polícia flagrou uma imagem (criada em 5/12/2022), com o título “comunicado”. O texto, muito grave, chama para uma manifestação que incluía sabotagens para criar um “cenário caótico” e forçasse a convocação das Forças Armadas para atropelar a diplomação de Lula, mesma manobra ilegal dos caminhoneiros no Chile. Eis o texto: “a diplomação do ladrão foi antecipada para o dia 12/12/2022, por isso, no próximo sábado, 10/12/2022, haverá a maior mobilização da história do Brasil, que consiste em tomar Brasília com um milhão de pessoas na Esplanada dos Ministérios e parar todo o país (...) Tudo que você está planejando ou tem conhecimento de que está para acontecer relacionado a: parar estradas, parar abastecimento de combustível nas cidades e aeroportos, e ida para Brasília, deve concentrar-se neste dia (10/12/2022) para que o cenário caótico estabelecido a nível nacional seja impossível de ser resolvido sem a convocação das Forças Armadas”. 

      O general Mário Fernandes ainda pareceu exultante quando a selvageria bateu na sede da Polícia Federal em Brasília no 12 de dezembro de 2022, três dias antes da data combinada para executar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. O estopim do quebra-quebra, no dia da diplomação do Presidente eleito e com vários veículos incendiados, foi a prisão de um cacique bolsonarista, Tserere Xavante: “Tu viu que já começaram a radicalizar, né? A prisão do cacique ali já levou. Ó, aqui no início da Asa Norte, da W3 Norte, na sede da Polícia Federal, o pau tá comendo. Os distúrbios urbanos já iniciaram. Agora vai rolar sangue”, vibrou um general do Exército Brasileiro em áudio enviado ao coronel reformado Reginaldo Vieira de Abreu, conhecido como Velame, cuja rima é irrecusável. A apologia a violência e a sede sanguinária são instintos de carniceiros, ogros e cavernícolas e não de bons oficiais das Forças Armadas em nações democráticas e civilizadas.

      Pequena parte da cúpula do comboio golpista está na cadeia depois da conspiração capotar com o desembarque dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Mas a fila vai andar. Milhares de caroneiros, massa de manobra da urdidura, se embrenharam no atoleiro judicial e foram sentenciados no SFT. Outros ficaram à beira da estrada e alguns fugiram. A trama pela anistia deu marcha-à-ré e os seguidores do “fuhrer” (condutor em alemão) tupiniquim veem Bolsonaro, acovardado, mendigar por um perdão que não virá. Os gravíssimos processos contra ele engarrafam as vias do STF e penas quilométricas o aguardam. É uma via sem saída.       

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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