O ovo da serpente ronda a educação
Não sou o único e nem o último a ser assediado. Essa prática é rotineira no Centro de Educação da UFPE
Ingmar Bergman, no excelente filme “Ovo da serpente”, estrelado por David Carradine e Liv Ullmann, em 1977, narra a ascensão do nazismo na Alemanha, servindo muito bem para metaforizar o que está se passando no Centro de Educação. Com imagens e interpretações sombrias, o medo prevalecia naquele contexto, não sendo muito diferente no CE, onde paira no ar um fantasma do tipo O ovo da Serpente.
A partir do artigo A República de Weimar vista por Bergman[1], escrito por Luiz Santiago, é possível associar o seu conteúdo ao tempo bolsonarista: “O desemprego e a fome estão em toda parte na Berlim dos "loucos anos". A cidade parece uma carcaça por dentro, encoberta pela arquitetura. Em uma cena chocante, vemos pessoas cortarem a carne de um cavalo morto para alimentar-se. Também acompanhamos a constante desvalorização do marco, até o ponto em que o valor impresso da moeda não importava mais, e a venda era feita pelo peso que tinha o dinheiro. A luta pela sobrevivência é a ordem a ser cumprida, e o medo acompanha as ações vacilantes de uma sociedade que se decompõe. A libido se ajusta à histeria e ao desalento”.
Em complemento, o blog Janela Encantada[2]destaca que o filme de Bergman é “neurótico, violento e pessimista, onde tudo nos chega pelos olhos, já de si cansados e amedrontados, de Abel, um personagem, que, para mais exacerbar a sua posição frágil, é de origem judia”.
Publiquei recentemente o texto “Privatização simbólica e imaginária”[3], e alertei que o assédio que vinha sofrendo pelo meu departamento, na pessoa da minha chefia e coalescência da maioria absoluta dos membros do DAEPE, estava ligado à solicitação da mudança do nome do auditório do Centro de Educação: de Carlos Maciel para um outro. Esse novo nome deveria ser proveniente de um debate amplo e democrático. Defendi que não seria correta a manutenção de um nome no auditório que representasse a ditadura militar como interventor do MCP, Carlos Maciel.
Não se engane com a fachada do Centro de Educação, com pintura em homenagem a Paulo Freire[4]. É sabido que as instituições sempre produzem uma fachada de si, sem se apresentar conforme a sua “essência”. Essa capacidade de constituição “fachada” encobre movimentos contraditórios e opostos, inclusive os da violência. Eugène Enriquez, como tantos outros, alerta-nos que a instituição educacional é uma instituição da violência. Ora, não há argumento racional plausível que desconsidere a existência de uma instituição da não violência. Como no CE, ela estaria incólume a uma característica básica dessa instituição. Impossível! Esse discurso e essa imagem produzida de si, de comunidade do amor, só existe como produção do encobrimento de si.
Ainda sobre a fachada do Centro de Educação, a de Paulo Freire, muitos docentes foram contra a mudança da anterior para a atual, mas se silenciaram (e/ou foram silenciados). Por que docentes doutores, cultos, com opinião formada sobre a estética-política da fachada de seu local de trabalho foram amordaçados? Efeito da violência simbólica, diria Bourdieu. Quem, numa pandemia, com laços sociais fortemente rompidos, isolados, sem afetos positivos, num tempo bolsonarista, iria com muita confiança se opor a esse projeto ditatorial de consenso fabricado principalmente pela falsa polarização entre nós (a esquerda, a intelectualidade, Paulo Freire, etc.) e eles (os bolsonaristas).
A instituição, para vários teóricos, é uma fábrica de consensos e evita o pensamento, a reflexão, já que essa proibição permite a harmonia, o consenso a coesão institucional. Ora, o Centro de Educação não é um centro paulofreireano, mas um centro de pesquisas em educação com uma forte transdisciplinaridade. Reduzir o Centro a um autor, mesmo que seja utilizada uma explicação de conjuntura para justificar tal ação, é outra violência imposta. A melhor defesa do pensamento de Paulo Freire é o seu próprio pensamento, é sua prática – daqui a pouco irei tocar nesse ponto. A fabricação de consensos por imagens não é mais o campo da ciência, mas dos grupos políticos (não científicos) que consomem e vivem de sua imagem – os vampiros dos mortos. Paulo Freire transformou-se nas mãos desses vampiros apenas em papers de congressos e artigos acadêmicos. Da mesma forma que chamei a atenção para os ensinamentos de Roberto Da Matta, que nos adverte sobre o fato de toda festa ter um dono, Paulo Freire tem também seu dono.
Flavio Brayner, em seu texto importante sobre o paulofreireanismo[5], citando
Mülhmann, indica-nos de que “quando uma ideia se institucionaliza, numa igreja ou num partido (mas também numa Pedagogia!) é porque já perdeu a força originária onde, no entanto, ela tenta ainda fundar sua legitimidade”. Diz ele ainda: “Frequento, no meio universitário, colegas freireanos em quem posso constatar pelo menos uma coisa que chama a atenção, sobretudo em se tratando de uma meio que se distingue, em sua condição profissional, por sua exigência “crítica”: diz respeito à sacralização do nome de Freire, de sua obra e de seu legado pedagógico que rara e excepcionalmente se fazem objeto de uma avaliação isenta e rigorosa”.
No texto que fiz referência anteriormente, no início de minhas palavras aqui, chamei a atenção sobre o modo como o Estado brasileiro é dominado pelo patrimonialismo. Seria do ponto de vista lógico, caso aceitemos essa interpretação, que a UFPE e o Centro de Educação fossem contaminados por esse imaginário privatista, antipúblico, logo, antidemocrático, já que só pode existir democracia quando existe a instauração da instituição pública. Da mesma forma, não pode existir democracia no capitalismo. A democracia no capitalismo tem seu dono – os grandes empresários e financeiristas. Essa noção é ampliada num capitalismo de lógica patrimonialista.
Agora voltemos novamente à prática do patrimonialismo acerca da retirada do nome do auditório Carlos Maciel por um outro nome a ser escolhido democraticamente, proposta sugerida ao Conselho Departamental de Educação. O DAEPE, na pessoa da chefia e vice-chefia, apresentou no dia 02/12, no Conselho Departamental, a retirada da pauta desse assunto: 2.2 – Mudança do nome do Auditório do CE (voltaremos a esse assunto mais adiante). Está sendo praticada em Educação, insistentemente, a apresentação de documentos na hora da reunião, ou apenas algumas horas antes. O documento lido pela minha chefia, enquanto pauta de discussão, propunha a retirada de pauta do Conselho sem a divulgação antecipada para os membros, os quais tomaram conhecimento na hora. Esse assunto foi o primeiro a iniciar a reunião, polarizando e impondo a discussão, sem qualquer questionamento de que o assunto entraria em pauta. Como membro do DAEPE, também não foi enviado nenhum documento para os seus membros. Certamente, apenas alguns participaram da sua elaboração sem a apreciação da redação final.
Para ilustrar o modo como o DAEPE tem construído sua prática, a convocação da reunião do dia 03/12 (sexta-feira) foi feita no dia 01/12, às 23h04, sem pauta e qualquer documento. A pauta foi divulgada somente no dia 02/12, às 22h21, faltando 12 horas para iniciar a reunião. A reunião extraordinária do dia 19/10, na qual eu e uma turma éramos ponto de pauta único, depois de 11 dias, somente no dia 30/11, depois de insistir numa resposta que era meu direito saber, já que fui objeto da mesma, recebi um comunicado da chefia que informava a retirada de parte da turma da minha disciplina, sem nenhum processo formal instaurado, apenas reunião de amigos e amigas no colegiado do Pleno.
Na reunião ordinária do dia 03/12 (sexta-feira), solicitei no dia 01/12 (quarta), no prazo estabelecido que fosse pautada, pelo menos no informe, a decisão da reunião do dia 19/11, pois eu tinha alguns questionamentos a fazer. Também havia solicitado a participação da minha advogada na reunião do dia 03/12. No que se refere a esse ponto, recebi da chefia, às 22h40m do dia 02 (faltando 11h20m para iniciar a reunião), a seguinte resposta:
Prof. Evson, boa noite!
O ponto de pauta que contemplou a demanda apresentada de forma institucional pelos estudantes do curso de Licenciaturas XX, antes alocados na turma XX, já foi apreciado e deliberado em reunião realizada no dia 19/11/21. A deliberação dada ao pleito já foi enviada a outra instância da instituição para às providências cabíveis. Caso deseje trazer o referido ponto novamente para debate/esclarecimentos em reunião de pleno do Daepe, solicito, gentileza, formalizar o pleito, pois dessa forma levarei ao pleno tal apreciação. Temos no âmbito do Daepe planejamento já organizado para reuniões de pleno.
Sobre a solicitação da participação da advogada, nenhuma resposta. Como havia a recusa de pautar o tema e a advogada só iria estar presente nesse ponto, a presença da advogada já estava diretamente descartada da reunião do dia 03/12. A advogada não era bem-vinda nessa reunião e nem em outras. Eu, diretamente envolvido, não tenho direito à informação sobre a reunião.
No dia da reunião, dia 03/12, solicitei no momento dos informes que fossem esclarecidas algumas dúvidas sobre os procedimentos da chefia com apoio do Pleno, como a deliberação acerca da retirada de parte dos alunos de uma turma, alocando-os em outra disciplina sem o meu conhecimento. A chefia leu para o Pleno o e-mail que enviou para minha pessoa e informou que o assunto não seria ponto de pauta, pois já era morto, passando imediatamente para o ponto de pauta que a chefia escolheu da sua cabeça. Insisti que eu queria somente esclarecimento e que não faria debate.
Há uma resistência por parte do núcleo duro do Pleno, aqueles docentes mais próximos da chefia, que reafirmam que a pauta é grande e que já foi tratado esse assunto, sem a necessidade de voltar a ele. Depois de alguns minutos, a chefia se dispôs a responder às minhas questões por e-mail, informando que faria os esclarecimentos necessários. Solicitei apenas a resposta a duas questões: 1) qual documento embasou a reunião do dia 19/11, se o documento foi entregue aos membros do Pleno antecipadamente ou se foi lido na hora; 2) indaguei sobre quem do corpo discente havia sido contatado, se por e-mail, pelo SIPAC (instrumento legal da UFPE) ou por telefonema. As perguntas geraram uma celeuma – solicitar documentos institucionais virou crime. No mesmo dia, após minutos do encerramento da reunião, enviei essas perguntas bem detalhadas por e-mail, pois havia dificuldade de entendimento pela chefia. Aguardarei a resposta conforme ela se comprometeu – é sua obrigação.[6]E mais: fui ameaçado por um professor de que a imagem do DAEPE estava sendo manchada e o Pleno tinha que reagir não com moções de repúdio, mas com processos, recorrendo à Procuradoria da UFPE para defender a imagem do órgão. A partir de agora está proibido em meu departamento pedir informação e divulgar as arbitrariedades feitas por ele.
Apresentando rapidamente algumas arbitrariedades tomadas pela chefia, prática patrimonialista ao achar que é dona do órgão público, apresentarei agora uma carta lida pela chefia do DAEPE, na qual defende a retirada do nome do auditório, Carlos Maciel, da pauta destinada à reunião ordinária do Conselho Departamental de Educação. Essa retirada seria expressão da decisão do Pleno (repito: esse texto lido não foi distribuído com antecedência no DAEPE e, muito menos, no Conselho Departamental, reunião realizada no dia 02/12, última reunião do ano).
O texto foi lido sem conhecimento de causa por seus membros, o que é um absurdo, pois fere o direito de transparência do funcionalismo público. O texto defendia a “suspensão do ponto de pauta” no Conselho Departamental[7] e somente uma grande condicional mudaria a decisão, demonstrando que o tema não era de seu interesse: “caso o Conselho... faça uma opção por reapresentar...”, proceda da seguinte forma conforme os trâmites.
Na última reunião do ano, com uma sala vazia, propôs-se a suspensão do debate – essa foi a proposta de um departamento de gestão democrática, autonomia educacional, paulofreireanos e professora que defende “comunicação sem poder”.[8]
Segue a transcrição lida pela chefia:
Do departamento de administração escolar e planejamento educacional à direção do Centro de Educação,
Em resposta a solicitação acerca do posicionamento do DAEPE em relação a mudança ou não do nome do auditório Carlos Maciel do Centro de Educação, UFPE. O pleno do Departamento reunido em 08/10/2021 solicita que seja suspenso o ponto de pauta, e caso o Conselho Departamental faça uma opção por reapresentar o ponto para debate, discussão, que o processo siga os trâmites adequados no âmbito da Instituição. Pois, o tema veio para os plenos do Departamento como se todos tivessem um conhecimento histórico do homenageado do auditório. O pleno sentiu falta da formalização de um processo resgatando a origem do texto do surgimento de pauta no âmbito do Centro de Educação, bem como a ausência de elementos para condução dos trabalhos, debates no interior dos Departamentos. Nesse sentido, o Pleno do DAEPE solicita que o Conselho Departamental suspenda de sua agenda de trabalho o referido ponto de pauta.
Relembro que naquele dia da reunião do DAEPE, em outubro, quando se discutiu a retirada do nome do auditório, fui colocado na “parede”, pois eu não poderia jamais levantar essa questão no Conselho Departamental, conforme seus líderes. Mesmo eu explicando que fui convidado pela diretora do Centro e que não defendia nenhuma mudança de nome durante a pandemia, não deveríamos ter pressa. Era preciso ampliar a discussão numa reunião presencial, pois a insatisfação era grande no departamento – tão grande que, num supetão, na “calada noite”, foi apresentada uma proposta de suspensão de discussão no Conselho Departamental. Logo, burocraticamente, está definido que ninguém deve discutir esse tema, pois o Tribunal assim decidiu.
Ora, essas violências de assédios, simbólicas e efetivas, pois tentam tomar medidas administrativas, destroem qualquer confiança em si mesmo (lembre-se do autoconfinamento (im)posto aos docentes acerca da fachada do CE). Sabemos que a rede de poder perpassa todos os tentáculos do Centro: 1984 total. Contudo, como o poder não pode ser supremo, conforme já alertou vários autores, incluindo Castoriadis, Edgar Morin, Karl Marx (dialética), etc., há sempre fissuras, aberturas. Por mais fechados que sejam os poderes, resistências acontecem. Este texto tenta ser uma resistência contra 1984, 1964, 2018-2022.
Mais exemplos de violências simbólicas e administrativas. Nessa reunião do Conselho Departamental (02/12/21), durante a discussão sobre a retirada do nome do auditório Carlos Maciel, uma professora, chefe de outro departamento do CE, comentou algumas vezes, insistentemente, que o Conselho deveria tomar uma atitude diante dos professores que vão para blogs e redes sociais no geral caluniar outros professores, órgãos do CE, solidarizando-se com minha chefia pelo que ela vem passando (?!). Sem estar em pauta tal assunto, a dirigente propôs uma nota de repúdio à minha pessoa sem citar o nome. Um professor interveio e disse que deveríamos nos concentrar no tema, pois poderia parecer uma ação de perseguição. Não fiquei no final e não sei o que deliberaram no seu término.[9]
Então é isso: os amigos da burocracia solidarizam-se uns com os outros sem observância de procedimento formal: linchamento puro. Não estava na pauta, mas besteirinha: inclui aí uma moção de repúdio contra um professor tal. Aprova-se e chama-se a isso de democracia. Vai se construindo imagem de alguém e, quando menos se espera, a pessoa está totalmente “queimada” (na imprensa chama-se de “fritura”) na instituição onde trabalha apenas por palavras (sem direito ao contraditório) em nome da democracia, do amor à instituição contra seus “inimigos”. Esses inimigos precisam ser eliminados. Como uma dirigente pode se posicionar numa reunião institucional e pedir a cabeça de um colega sem ter nunca conversado com ele e sem nenhuma informação institucional por escrito. Nos meus 23 anos de UFPE, ela é professora recente, ela nunca me deu bom dia e vice-versa. Ela nem me conhece, nenhum processo formal foi aberto, mas ela já sabe que eu sou uma ameaça à instituição e devo ser punido politicamente, em nome da democracia, e, antidemocraticamente, propõe uma punição que não estava em pauta. Sou eu que danifico a imagem da UFPE, e não ela, que inventa uma pauta na hora e sem o contraditório, apenas por amizade burocrática, apoiando-se em outra representante burocrática.
No momento em que escrevo, em um outro departamento, um docente está sendo assediado de forma brutal por mensagens via e-mail, sem ter um processo legal estabelecido. Infelizmente, ele está sofrendo sozinho, isolado, com apoio explícito de apenas uma professora ou outra que combate abertamente o assédio estabelecido.
Não sou o único e nem o último a ser assediado. Essa prática é rotineira no Centro de Educação da UFPE. Constituiu-se numa cultura organizacional em que os plenos e conselhos estão acima da lei e do convívio social civilizatório. Qualquer assunto que o Pleno decidir, independente se houve procedimentos e instrumentos legais, está decidido “legalmente”. É o Pleno que produz a legalidade. Assim, quem controlar esses órgãos, controlam seus resultados e processos. Dessa forma, as intimidações são comuns. São práticas rotineiras.
Margareth Mead já nos ensinou sobre os rituais de purificação nas sociedades primitivas. Os sociólogos e antropólogos sabem sobre esses rituais e como, em sociedade modernas, esses rituais são praticados por valores pelos extremistas de direita (e de uma certa esquerda). As posições ideológicas direitistas sempre defendem a pureza contra as impurezas. Nas instituições militares e nas religiões fundamentalistas são práticas corriqueiras esses processos de purificações, de “limpeza” institucional. A burocracia patrimonialista se utiliza das mesmas práticas. Sérgio Buarque de Holanda já nos ensinou sobre o homem cordial. Aos amigos, proteção, aos inimigos a lei (no caso aqui, o assédio. A administração é uma grande arma de perseguição, tanto as legais como, normalmente, as ilegais). Um dos elementos que constitui e dá consistência à politica de purificação é a construção imaginária de “pertencimento legítimo”: a criação da “comunidade UFPE”, “CE”, “DAEPE”, etc. Ora, esse recurso imaginário de busca da comunidade, muito comum no Nazismo e na ditadura de 64 (os militares fabricaram os inimigos a combater: os comunistas, os indígenas, os trabalhadores rurais, os pretos, etc), nas seitas religiosas que produziram suicídios coletivos, é produzido em vários discursos dos dirigentes, os quais desejam capturar seus membros para não se desgarrarem, não ficarem órfãos de seus patriarcas. O recurso da “comunidade de pertencimento” permite garantir o consenso e a união contra os que se desgarraram, abandonaram a comunidade. É a luta de um “nós” contra “eles”.
Esse pertencimento é constituído por um imaginário de família, conforme André Levy[10], referenciando-se em Eugène Enriquez[11], que expressa uma “família original”, que deve-se devoção e fidelidade, eliminando a possibilidade de “escolha”. Repito: É a luta de um “nós” contra “eles”.Há uma ordem mítica por trás que, provavelmente, é a Casa Grande ainda presente: os colegiados que são controlados pelos patrimonialistas são os verdadeiros, os legítimos representantes da comunidade UFPE (mesmos aqueles originados da ditadura). O “caos” (o diverso) é visto como ameaça. Eu sugiro a leitura de Edgar Morin, em seu livro “Ciência com consciência”, em que ele problematiza caos/ordem e vice-versa, além da importância do caos para a ordem. Ele alerta para sociedades baseadas fortemente em ordem, pois desorganiza e destrói o que está ao seu lado. A denúncia de assédio e racismo são vistos como “caos”, ataque à “comunidade”. A procura do Estado por direitos está proibida, já que cabe à comunidade (leia-se: órgãos controlados por elas e eles) resolver os conflitos que eles mesmos produzem intencionalmente. As vítimas, por sua vez, têm apenas que aceitar suas práticas.
Fazer perguntas sobre procedimentos administrativos virou construção de caos, de balbúrdia. Divulgar assédio virou ação criminosa, logo, é um ato que precisa ser punido com moção de repúdio (ilegalmente constituído), ação jurídica-institucional (recorrer à Procuradoria da UFPE para intimidar os denunciadores). Ou seja, a comunidade valorizada pelos dirigentes do CE é uma posição antiestado de Direito Democrático. O assédio com a moção[12]visa intimidar e avisar a quem tentar expor publicamente as arbitrariedades da “comunidade”, pois eles, seus legítimos representantes, serão os juízes. Esses docentes são contrários a tudo o que prega nos papers: gestão democrática, autonomia de cátedra, autonomia intelectual (inclusive consta no Estatuto e no Código de Ética da UFPE). A vida é muito mais rica. A vida demonstra o outro lado da instituição, as suas outras faces.
Não é à toa que o estatuto da UFPE, até então, era o da ditadura. Os burocratas não se sentiam e nem se sentem mal em atuar numa estrutura ditatorial e hierárquica. Dominada por grupos de docentes alheios aos espíritos democráticos, confundem democracia com sua possesobre a organização. Estão em casa. Se sentem em casa. Não precisam ser bolsonaristas para ser bolsonarista. Não é o dizer que vale. É o fazer.
Pelo fim do assédio no Centro de Educação da UFPE!
Pelo fim do patrimonialismo no Centro de Educação da UFPE!
Pelo Direito do Exercício de Cátedra, de Expressão e de Pensamento!
[1] Disponível em: http://www.cinerevista.com.br/artigos/OvodaSerpente.htm [2] Disponível em: https://ajanelaencantada.wordpress.com/2016/10/19/o-ovo-da-serpente-1977/ [3] Em Brasil 247, Privatização simbólica e imaginária: como as instituições republicanas constituem-se antirrepublicanas.
[4]Para quem não sabe, a fachada anterior a de Paulo Freire foi produzida com linguagem mais aberta tratando de vários temas, fugindo a um padrão estético da ordem – como a de Paulo Freire que tenta demonstrar um pseudorealismo racional reproduzindo seu rosto, criança e homem velho preto. Houve uma resistência e crítica muito grande por parte dos docentes à fachada anterior, inclusive, pelos freireanos. Professora chegou a enxergar a presença da “maconha” numa das imagens e ficou horrorizada. Uma coisa boa na fachada anterior é que ela permitia fazer funcionar o inconsciente: fantasias, medos, eros, recalcados emergirem, etc. [5]Disponível em: https://www.anped.org.br/sites/default/files/trabalho-de-flavio-brayner-para-o-gt06.pdfou disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/MhGwJ7KnVXfwkrKCYkVqRkj/?lang=pt&format=pdf [6]A resposta da chefia foi não atendê-las: não enviou os referidos documentos solicitados, apenas manifestou esclarecimentos genéricos. No dia 08/12, cinco dias após a reunião do dia 03/12, respondeu o que se segue: “A demanda apresentada pelos estudantes do curso de Licenciaturas em XX, antes alocados na turma XX, da disciplina Gestão Educacional e Escolar, foi apresentada em requerimento formal da instituição disponibilizado a todos os estudantes da UFPE. O referido documento teve seu conteúdo divulgado na reunião do pleno do Daepe realizada em 19/11 a todos os docentes presentes, isto é, os que atenderam ao chamado para reunião extraordinária. O pleito dos estudantes, migração de uma turma para outra, se deu via Sistema da UFPE e foi encaminhado aos servidores alocados no setor. Desta forma, não temos como precisar nomes de pessoas e, sim, atendimento há um serviço, atendendo a protocolos instituídos pela instituição”. Retornei sua mensagem: Prezada Ana Borba, ainda não me foi fornecido o que pedi. Eu não quero apenas explicação. Solicito: 1) o documento dos estudantes que gerou esse encaminhamento;2) o documento de encaminhamento ao Corpo Discente (designação sua no e-mail anterior. Acho que essa designação nem mais existe) feito pelo DAEPE.
3) volto a repetir: o DAEPE encaminhou essa solicitação dos estudantes com autorização de quem para o "Sistema da UFPE" já que o DAEPE não é autoridade institucional para realizar essa ação?
Da PROGRAD - qual órgão? Ou foi por telefone? Por e-mail? (se sim, quero uma cópia)
4) não quero explicação pois já foi dado. Quero documentos oficiais que comprovem os encaminhamentos e a solicitação dos estudantes. [7] O Conselho Departamental é composto por quatro departamentos e vários outros órgãos do Centro. [8] O Conselho Departamental deliberou a constituição de uma comissão que irá retornar a esse tema no ano de 2022 – indo em sentido contrário à deliberação do DAEPE, que só propôs a “suspensão”. Esse debate será feito nos órgãos do Centro, como os departamentos que não têm presença massiva de estudantes e técnicos. Caberá à burocracia comandar e deliberar a discussão. Está constituindo-se no CE um imaginário de fechamento em que tudo o que vier de fora dos seus órgãos será visto como ilegítimo. [9]Por informação da minha chefia na reunião do meu departamento no dia 03/12, será produzido uma moção de repúdio para professores que se utilizam das redes sociais, blogs escrevendo textos, processos nas justiças, denúncias de acusações de racismos a colegas, etc. Ou seja, colocaram numa panela todos conflitos envolvendo docentes publicamente nos últimos anos, e tentarão, através de uma moção de repúdio, intimidar todos aqueles que estiverem envolvidos em perseguição e conflitos a não se externarem publicamente os seus sofrimentos. [10]Conferir Ciências clínicas e organizações sociais, editora Autêntica, 2001, e em particular, o capítulo VI. [11] A Organização em análise, Vozes, 1997. [12]Até o momento, a moção de repúdio não chegou ao grande público. Nem sei se seguiram em frente com essa proposta aprovada na reunião do dia 02/12/21 conforme informe transmitido na reunião. Uma coisa é certa: foi proposto e reafirmado várias vezes na reunião por sua necessidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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