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      Washington Araújo

      Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.

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      O ovo da serpente em gestação - o perigo que ignoramos

      Essas sombras têm nome: extrema direita

      Elon Musk faz gesto nazista durante festividade da posse de Donald Trump na presidência dos EUA - 20/01/2025 (Foto: REUTERS/Mike Segar)

      Imagine um país afundado em desespero. A Alemanha das décadas de 1920 e 1930 era um caldeirão de humilhação e revolta, um terreno fértil onde o ovo do nazismo começou a eclodir. Após a derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o país enfrentou as duras condições impostas pelo Tratado de Versalhes, assinado em 1919. Esse acordo forçou a Alemanha a ceder territórios, pagar indenizações colossais e limitar drasticamente seu poder militar, restringindo o exército a 100 mil homens e proibindo a produção de armamentos pesados.

      A economia ruiu como um castelo de cartas. A hiperinflação atingiu níveis absurdos – em 1923, um pão podia custar bilhões de marcos – enquanto o desemprego devastava famílias. Socialmente, a República de Weimar, estabelecida em 1919, lutava para manter a estabilidade em meio a uma polarização crescente entre comunistas e nacionalistas.

      Foi nesse caos que Adolf Hitler e o Partido Nacional-Socialista (Nazista) encontraram espaço para crescer. Prometendo restaurar o orgulho alemão e apontando judeus e outros “inimigos internos” como culpados, eles canalizaram a miséria em nacionalismo exacerbado. Em 1933, esse veneno tomou o poder e arrastou o mundo para uma nova guerra.

      Bergman e o Grito Silencioso de uma Era

      Agora, visualize Berlim em 1920 através de uma lente sombria. Nesse contexto histórico, o filme O Ovo da Serpente (1977), dirigido por Ingmar Bergman, surge como uma obra visionária. O longa acompanha Abel Rosenberg, um trapezista judeu-americano desempregado interpretado por David Carradine, perdido em um ambiente de decadência e experimentos científicos macabros, enquanto o nazismo se forma nas sombras.

      Produzido por uma parceria sueco-americana e filmado em inglês, o filme estreou mundialmente em 28 de outubro de 1977. Seu impacto foi imediato, expondo com crueza os sinais de uma ideologia destrutiva. Críticos do The New York Times elogiaram a atmosfera sufocante, mas o público ficou dividido – entre o desconforto com a temática densa e a admiração pela ousadia de Bergman.

      David Carradine brilha com uma melancolia contida, refletindo o desamparo da época. O Ovo da Serpente vai além: é um alerta sobre como serpentes nascem de ovos discretos, quase invisíveis, até que o perigo se torne inevitável.

      A Gigante Europeia e Suas Fissuras

      Pule para 2025, e a Alemanha é outra história – ou quase. Consolidada como a maior economia da Europa, o país ostenta um PIB de cerca de 4,5 trilhões de euros em 2024, segundo o Fundo Monetário Internacional. Indústrias como Volkswagen, BMW, BASF e máquinas sustentam essa liderança, apoiadas em inovação, exportações robustas (50% do PIB) e uma infraestrutura impecável.

      Mas nem tudo brilha. A dependência do gás russo, abalada pela guerra na Ucrânia, e a transição cara para energias renováveis revelam rachaduras. Cinco eventos moldaram essa Alemanha moderna: a rendição de 1945, a divisão na Guerra Fria, a reunificação de 1990, Merkel em 2005 e a crise migratória de 2015. Um farol democrático, sim, mas com sombras do passado se mexendo.

      Musk e o Fogo da Extrema Direita

      Essas sombras têm nome: extrema direita. O ressurgimento do Alternativa para a Alemanha (AfD) entre 2024 e 2025 é prova disso. Nas eleições de fevereiro de 2025, o partido alcançou 20% dos votos no Bundestag, ficando atrás apenas da CDU/CSU. Nascido em 2013 contra políticas econômicas europeias, o AfD abraçou o anti-imigracionismo, o euroceticismo e até a Rússia.

      Quem jogou lenha na fogueira? Elon Musk. Hoje co-chefe do Departamento de Eficiência Governamental dos EUA sob Trump, ele declarou em um comício da AfD em janeiro de 2025: “Os alemães devem deixar de lado a culpa pelo passado e ter orgulho de sua identidade.” Outra frase sua, “O futuro da civilização pode depender desta escolha,” ecoou forte. Um gesto polêmico na posse de Trump, visto como saudação nazista, incendiou o debate. Musk atiça um fogo que parecia extinto.

      O Dilema Alemão

      No tabuleiro global, a guerra Rússia-Ucrânia, iniciada em 2022, pressiona a Alemanha. Sob Friedrich Merz (CDU) desde março de 2025, o governo apoia Ucrânia e OTAN com cautela. Sem armas nucleares, o país elevou gastos com defesa a 2% do PIB, uma guinada histórica. A interrupção do gás russo via Nord Stream força a busca por alternativas caras, como o GNL americano.

      A apenas 1.200 km de Moscou, a tensão é palpável. A AfD defende reaproximar-se de Putin e abandonar Kiev, atraindo eleitores frustrados com a crise energética. A Alemanha dança no centro de um jogo perigoso.

      Ecos do Passado ou um Novo Monstro?

      O paralelo é arrepiante. Nos anos 1920, crise e ressentimento pariram o nazismo; em 2025, estagnação, imigração e polarização nutrem a extrema direita. Bergman já sabia: o extremismo cresce em silêncio, nas fissuras sociais. Greves, protestos e figuras como Alice Weidel, da AfD, lembram os passos de Hitler.

      Musk adiciona tempero ao caldo. Com o X e sua influência nos EUA, ele amplifica ideias outrora marginais. Seu gesto de janeiro de 2025, debatido como saudação nazista, foi festejado por neonazistas. Projeções de “Heil Tesla” na Giga Berlin mostram o passado assombrando o presente.

      Crises geram monstros – ontem, o nazismo; hoje, um novo autoritarismo? A AfD fala em “reemigração” e saída da UE, ecos de exclusão. A democracia alemã é mais forte que Weimar, mas a história grita: complacência mata. Estamos na corda bamba.

      E a paz? Ela é possível – e inevitável – se quisermos sobreviver. Desde 1945, é o primeiro conflito com potências nucleares em jogo: Rússia e, indiretamente, OTAN. Cada pensamento de guerra exige um de paz mais forte. Cada avanço autoritário pede instituições multilaterais robustas para salvar a civilização. Estamos a uma chance da paz – e a Alemanha, do ovo da serpente ao agora, nos implora para agarrá-la.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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