TV 247 logo
    Pepe Escobar avatar

    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

    379 artigos

    HOME > blog

    O que o Sultão Erdogan realmente quer

    Sobre a mesa, um banquete geopolítico – servido por algumas das melhores mentes analíticas independentes de Bursa a Diyarbakir

    O presidente turco, Tayyip Erdogan (Foto: REUTERS/Pilar Olivares)

    A cena se passa em um restaurante circassiano na lendária rua Istiklal, na histórica Beyoglu. Sobre a mesa, um banquete geopolítico – servido por algumas das melhores mentes analíticas independentes de Bursa a Diyarbakir. O menu, fora a festa meze, é simples: apenas duas questões amplas sobre o enfoque dado pelo Sultão Erdogan ao BRICS e à Síria.

    Aqui vai uma sinopse concisa de nosso jantar, mais relevante que a enxurrada  de salada de palavras de fabricação ocidental. Desfrutem dela acompanhada de um dose robusta do melhor arak. E deixem que a mesa tenha a primeira – e a última palavra. 

    Sobre os BRICS: “A Turquia se vê como parte do Ocidente. Se olharmos para as lideranças dos partidos políticos e para as elites turcas, à direita ou à esquerda, não há diferença. Talvez um pouquinho de Oriente... Ancara está usando sua condição de membro dos BRICS como moeda de troca contra o Ocidente”.  

    Poderia a Turquia ser, simultaneamente, membro dos BRICS e da OTAN? 

    “Erdogan não tem planos claros para o futuro. Após Erdogan, não há resposta clara para o futuro do partido AKP. Eles não foram capazes de criar um sistema normal e permanente. Temos um sistema de governo exclusivamente para Erdogan. Estamos recebendo gás da Rússia. Compramos matéria-prima da China, fazemos a montagem na Turquia e vendemos para a Europa e os Estados Unidos. Em comparação com a União Europeia, temos vantagens em termo de comércio internacional, segundo estatísticas  publicadas pelo governo turco. Nosso maior déficit comercial é com a Rússia – e em seguida a China. Essa é a nossa posição especial, e explica por que Ancara não quer perder a opção oriental. E, ao mesmo tempo, dependemos do Ocidente para nos defendermos. Tudo isso explica nossa singular postura de política externa”. 

    Então, não há garantia de que Ancara concordará em se tornar membro dos BRICS? 

    “Não. Mas Ancara não fechará de todo as portas aos BRICS.  A Turquia sabe que o Ocidente vem perdendo poder. Há novas potências dinâmicas em ascensão, mas ao mesmo tempo não somos uma potência totalmente independente”.

    Sobre os três pilares da sociedade turca: “Não se pode pensar em geopolítica sem ideologia. Erdogan e o AKP decidiram que só é possível integrar a Turquia com um projeto islamista-liberal. Quase duas gerações cresceram com ele – e não têm conhecimento do que aconteceu antes. Essas pessoas são neo-otomanas, islamistas, gente pró-arabização. Na Turquia, se alguém apoia abertamente o islamismo, ele é ideologicamente arabizado. Aqui temos três pilares. O primeiro é uma visão nacionalista – temos kemalismo de direita e kemalismo de esquerda. O outro é uma perspectiva ocidental. E o terceiro é  islamista, também dividido em duas facções: uma nacionalista e a outra liberal-islamista, integrada às instituições ocidentais, com ONGs e com o capital.  É por isso que podemos dizer que a ideologia woke e o islamismo são dois lados de uma mesma moeda. Essas pessoas estão usando o estado turco para manobrar na geografia mais ampla do Oriente Médio – mas de fato estão focadas na economia neoliberal, na política, na sociedade de mentalidade ocidental”. 

    O neo-otomanismo, renascido: “O Ocidente planejou a Síria conjuntamente com eles – os neo-otomanos. Durante a guerra de Gaza, eles enviavam petróleo para Israel, isso era uma manobra de RP para Erdogan, que precisa enviar essa mensagem às bases anti-imperialistas e à parte islamista da sociedade turca. O problema para Erdogan é que a Turquia é diferente dos países árabes: o capital turco está ligado ao Ocidente, parte dele ligado à Rússia, e a Turquia depende da energia russa, que representa 40% de seu consumo. Ancara tem que agir de forma equilibrada, mas isso não altera o quadro geral: o capital que apoia Erdogan e depende de Erdogan, responde por 40% das exportações turcas que vão para a Europa. No que se trata dos BRICS, eles podem tentar administrar as relações, mas jamais concordarão em se juntar aos BRICS de forma direta”. 

    O Sultão nunca dorme: “Erdogan é pragmático. Ideológico. Ele venderia os palestinos – sem o menor problema. Ele pode ser muito poderoso e ter compreensão do funcionamento do sistema. Mas ele não conta com a total obediência da sociedade. É por isso que ele está permanentemente tentando algum tipo de equilíbrio”.

    Poderíamos dizer que, com o Grande Idlibistão sob o controle do MIT turco – com Jolani como um de seus principais agentes, se não o mais importante deles – o MIT tinha conhecimento da capacidade do HTS, e sabiam que isso pararia em Alepo?

    “Não até Damasco. Esse era o plano original. O objetivo da operação era atacar o regime. O objetivo não era a tomada de Damasco. Esse foi o melhor resultado inesperado do ataque. A liderança militar do HTS disse: “perdemos nossos melhores combatentes no primeiro momento da operação”. Mas então veio o colapso do exército sírio. 

    O que Erdogan realmente quer? Controlar Alepo ou todo o Leste da Síria?

    “A Síria fazia parte do Império Otomano. Nos sonhos de Erdogan, ela ainda é Império Otomano. Mas ele conhece os limites da Turquia quando se trata  de tentar governar a Síria – e o mundo árabe, enraivecido, poderia se alinhar contra a Turquia.  É – parcialmente – possível ter um governo preposto em Damasco. É isso que Erdogan queria do governo Assad há apenas seis meses. Erdogan, então, pedia a Assad:“por favor, sente-se à mesa”. A verdade é que ele estava sendo realmente sincero. Jolani disse: “Estávamos realmente ansiosos para que Assad aceitasse a oferta de Erdogan”. Esse foi o grande erro do governo Assad, que já havia perdido a capacidade de governar o país. Ancara nunca quis o colapso repentino do governo Assad. Governar esse caos não é fácil. E a Turquia não possui capacidade militar para tal. Nem tampouco o HTS. E sem a Turquia, o HTS não conseguiria sobreviver”. 

    Então a Síria não irá se tornar uma província do neo-otomanismo?

    “Essa não é uma estratégia unicamente turca. É uma estratégia estadunidense e israelense – cantonizar a Síria. Eles conseguiram alguma coisa, mas a história ainda não terminou. Não sabemos o que vai acontecer. Lembrem-se de que, antes de 7 de outubro, ninguém poderia prever o que ocorreu em Gaza. No caso da Turquia, esse era um projeto conjunto, que começou em 2011. O principal objetivo era óbvio, o de integrar a Síria ao mundo ocidental. O plano fracassou, mas os estadunidenses continuaram lá porque criaram uma marca chamada ‘ISIS’, investiram nos curdos e, por fim, na Turquia. O que eles conseguiram foi Idlib. Isso foi necessário àquela época porque Síria, Rússia, Irã, eles não são como os Estados Unidos ou como os islamistas ligados aos Estados Unidos, eles não são potências destrutivas. Eles queriam, passo a passo, “ganhar” a Turquia com o processo de Astana. A Turquia, ao final, ficou com a política estadunidense, eles esperaram, e esperaram, e agora conseguiram algo diferente do que queriam. E essa é uma situação alarmante para a Turquia – porque eles não querem que a Síria seja subdividida. Não é sequer certo que os estadunidenses venham a permitir que a Turquia treine o novo exército sírio. O Ocidente, agora, tem total poder econômico”. 

    Tradução de Patricia Zimbres

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados