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      Washington Araújo

      Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.

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      Obsolescência programada: o segredo sujo das empresas

      A obsolescência programada não apenas mudou a forma como os produtos são feitos, mas também como as pessoas consomem

      (Foto: DALL-E/IA)

      A durabilidade dos produtos que utilizamos diariamente é uma questão de crescente preocupação, tanto para os consumidores quanto para o meio ambiente. Historicamente, práticas como a obsolescência programada têm sido adotadas por empresas para reduzir a vida útil dos produtos, incentivando o consumo contínuo. Essa estratégia, que começou como uma decisão empresarial no início do século XX, transformou-se em uma prática global com impactos profundos na economia, na sociedade e no meio ambiente.

      A obsolescência programada não surgiu por acaso; foi uma decisão calculada por empresas que buscavam maximizar lucros em um mercado saturado. Um dos exemplos mais emblemáticos é o Cartel Phoebus, formado em 1924 por grandes fabricantes de lâmpadas, incluindo a General Electric, a Philips e a Osram. O cartel estabeleceu um acordo para limitar a vida útil das lâmpadas a 1.000 horas, reduzindo drasticamente a durabilidade de produtos que antes duravam 2.500 horas. O objetivo era claro: aumentar as vendas ao garantir que os consumidores precisassem substituir suas lâmpadas com mais frequência.

      Essa prática não se limitou ao setor de iluminação. Na década de 1920, a General Motors introduziu a obsolescência de estilo, lançando novos modelos de carros a cada ano com pequenas alterações estéticas, mas sem melhorias significativas no desempenho. Alfred Sloan Jr., presidente da empresa na época, afirmou que a estratégia era "vender mais carros, não melhores carros". Essa abordagem foi rapidamente adotada por outras indústrias, consolidando a obsolescência programada como uma norma no sistema capitalista.

      Hoje, a obsolescência programada está presente em praticamente todos os setores, desde eletrônicos até vestuário. Um dos exemplos mais recentes e controversos é o das atualizações de software que deliberadamente reduzem o desempenho de dispositivos eletrônicos. Em 2017, a Apple admitiu que desacelerava iPhones mais antigos para "preservar a vida útil da bateria". A empresa foi multada em €25 milhões na França por não informar os consumidores sobre essa prática.

      Outro exemplo é o dos fones de ouvido sem fio, como os AirPods da Apple, que possuem baterias não substituíveis. Quando a bateria se esgota após 2 a 3 anos, o consumidor é forçado a comprar um novo par, gerando mais resíduos eletrônicos. Segundo a ONU, o mundo produz 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano, e apenas 20% são reciclados.

      A obsolescência programada não apenas mudou a forma como os produtos são feitos, mas também como as pessoas consomem. No passado, os produtos eram projetados para durar. Por exemplo:

      - Lâmpadas: No início do século XX, as lâmpadas duravam até 2.500 horas. Após o Cartel Phoebus, essa duração foi reduzida para 1.000 horas.

      - Automóveis: Nos anos 1950, um carro durava em média 20 anos. Hoje, a vida útil média de um veículo é de 8 a 12 anos, segundo a IHS Markit.

      - Eletrodomésticos: Geladeiras e lavadoras modernas têm uma vida útil média de 7 a 10 anos, enquanto nos anos 1970 esses aparelhos duravam até 25 anos.

      Essa redução na durabilidade não é coincidência; é o resultado de decisões empresariais que priorizam o lucro em detrimento da sustentabilidade.

      Impactos da Obsolescência Programada

      A obsolescência programada tem impactos significativos em várias áreas:

      Ambiental: A produção e o descarte frequente de produtos geram resíduos e aumentam a pegada de carbono. Segundo a Ellen MacArthur Foundation, a indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais de CO2, em grande parte devido à moda rápida (fast fashion), que produz roupas com tecidos de baixa qualidade que duram apenas 10 a 20 lavagens.

      Econômico: Os consumidores gastam mais ao substituir produtos com frequência. Por exemplo, os americanos trocam de smartphone a cada 21,7 meses, segundo a Electronic Recyclers International.

      Social: A obsolescência programada alimenta uma cultura de consumo insustentável, onde o valor de um produto está mais em sua novidade do que em sua utilidade. Uma pesquisa da Harris revelou que 74% dos estadunidenses estão constantemente em busca de novas oportunidades, refletindo uma sociedade insatisfeita e sempre em busca do próximo "grande lançamento".

      Benefícios de Produtos Duráveis

      A adoção de produtos mais duráveis oferece benefícios significativos:

      1. Redução de Resíduos Eletrônicos: 

         Produtos com maior vida útil diminuem a quantidade de lixo eletrônico, que atualmente atinge 50 milhões de toneladas anuais.

      2. Economia Financeira: 

         Consumidores economizam ao não precisar substituir produtos com frequência.

      3. Preservação de Recursos Naturais: 

         Menos produção implica em menor extração de matérias-primas, preservando o meio ambiente.

      4. Redução de Emissões de Carbono: 

         A fabricação e o transporte de novos produtos aumentam a pegada de carbono; produtos duráveis mitigam esse impacto.

      5. Fortalecimento da Confiança do Consumidor: 

         Marcas que oferecem produtos duráveis conquistam maior lealdade dos clientes.

      6. Valorização do Mercado de Reparos: 

         Produtos reparáveis fomentam a economia local e criam empregos no setor de manutenção.

      7. Educação para o Consumo Consciente: 

         Incentiva-se uma cultura de valorização e cuidado com os bens adquiridos.

      8. Inovação Sustentável: 

         Empresas são motivadas a desenvolver tecnologias que aumentem a durabilidade sem comprometer a eficiência.

      9. Competitividade no Mercado: 

         Marcas que priorizam a durabilidade destacam-se positivamente perante consumidores conscientes.

      10. Contribuição para a Economia Circular: 

          Produtos duráveis e reparáveis facilitam a reutilização e reciclagem, promovendo um ciclo de vida mais sustentável.

      Felizmente, algumas empresas estão desafiando a obsolescência programada e promovendo a sustentabilidade, mostrando que é possível compensar o ciclo de vida dos produtos sem sacrificar a qualidade ou o lucro. A Patagônia, por exemplo, é uma marca de roupas outdoor que se destaca por sua iniciativa “Worn Wear”, que incentiva os consumidores a reparar, reutilizar e reciclar suas peças, prolongando a vida útil das roupas e reduzindo o impacto ambiental da indústria da moda, responsável por 10% das emissões globais de CO2, segundo a Ellen MacArthur Foundation.

      Outro exemplo é a Fairphone, que produz smartphones modulares e reparáveis, com baterias substituíveis e materiais éticos, permitindo que os usuários atualizem ou consertem seus dispositivos facilmente, o que reduz a geração de lixo eletrônico — um problema que atinge 50 milhões de toneladas anuais, conforme dados da ONU. Além disso, a Epson, conhecida por seus equipamentos de impressão, é dinâmica a linha EcoTank, com tanques de tinta recarregáveis ​​que diminuem o desperdício de cartuchos e os custos a longo prazo, proporcionando uma alternativa mais durável e econômica para os consumidores. Esses exemplos demonstram que é possível aliar lucratividade à responsabilidade ambiental, oferecendo aos consumidores produtos de qualidade que não apenas atendem às suas necessidades, mas também reduzidos para a preservação do planeta e para a construção de uma economia mais circular.

      A obsolescência programada é um fenômeno complexo que reflete as dinâmicas do capitalismo moderno, onde a busca incessante por transformação de produtos em especial, enquanto os consumidores e o meio ambiente arcam com as consequências. As empresas lucraram bilhões ao reduzir especificamente a vida útil de bens, como lâmpadas que duram menos ou smartphones que se tornam obsoletos em poucos anos, alimentando uma cultura de consumo insustentável que gera 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico anualmente, segundo a ONU. No entanto, com consciência e mudanças de comportamento, é possível desafiar essa lógica e promover um modelo de consumo mais sustentável e ético, começando pelo reconhecimento do problema e pela ação responsável dos consumidores e cidadãos.

      Esse estado de coisas é ainda mais aterrador porque a cultura do controle transcendeu os bens materiais e se infiltrou nas relações humanas. Nas últimas três décadas, não apenas produtos foram projetados para serem aplicados por decisões empresariais pautadas na gestão e na sede de consumo, mas também os vínculos interpessoais passaram a ser tratados com a mesma lógica de efemeridade. Casou? Sim. Está dando certo? Não muito. Qual a próxima fase? Me separar e partir para outro. Esse tipo de diálogo, que pode parecer familiar a muitos, reflete como a mentalidade do "usar e descartar" se estende às relações, refletindo a mesma falta de valorização e durabilidade que vemos em bens de consumo.

      Assim como uma geladeira dos anos 1970 durou 25 anos e hoje mal chega aos 10, os relacionamentos humanos também parecem ter perdido a ênfase na construção e na manutenção, sendo frequentemente substituídos em busca de algo novo, mais conveniente ou menos desafiador, o que levanta uma questão preocupante: até que ponto a lógica do equilíbrio moldará o futuro das nossas conexões humanas?

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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