Pela responsabilização imediata dos golpistas
"A lentidão nos julgamentos permite narrativas e teorias que justificam atos e defendem indiciados, prejudicando a busca por justiça", diz o Alfredo Attié
Quase dois anos se passaram desde a invasão e depredação da Praça dos Três Poderes.
Foi o ponto culminante de um golpe preparado, dia após dia, durante o curso do regime anticonstitucional, que começou a se desenhar e estabelecer em 2016, realizou-se e se aprofundou a partir de 2018, tendo o chamado “governo” Bolsonaro se dedicado a sua pregação e atuação, envolvendo autoridades civis e militares na trama de imposição da ditadura, a partir de um golpe disfarçado de comando constitucional, apoiado em um forjado apoio popular.
Todos esses atos, em conjunto e isoladamente, configuram crimes contra o Estado Democrático de Direito. Adicionam-se a tantos outros crimes comuns e de responsabilidade cometidos pelo regime ilegal, que procurou destruir Constituição, política e o pouco de laços de representação legítima que ainda haviam permanecido - e ajudaram, mesmo que na última hora e com eficácia limitada, a evitar os piores efeitos dos atos e omissões de um “governo” voltado a destruir a democracia e a soberania brasileiras.
Apresentado o relatório da Polícia Federal, já após os prejuízos causados à política brasileira - pela participação intensa dos adeptos do golpe e do próprio Partido que apoiou e se apoiou em sua montagem e operação, com intromissão do próprio Bolsonaro, que exibia sua imagem, em sustentação de candidaturas e crítica de outras, mesmo que em estado de inelegibilidade, a par de restrições cautelares determinadas pela Justiça - , a notícia é a de que ainda haverá demora em análise e preparação de atuação pelo Ministério Público Federal.
Nesse aspecto, cabe indagar se realmente foi a moderação que saiu vencedora da eleição, como pretende uma interpretação muito tolerante do resultado do pleito, ou se houve uma acentuação do extremismo, cujos adeptos agora procurariam disfarçar sua concepção de mundo, por meio de um discurso que, em verdade, não reflete a realidade de sua atuação, na titularidade de funções públicas de representação.
A constatação histórica dessa lentidão (que pode decorrer de muitos fatores, entre os quais o despreparo do aparato judicial para o trato de questões mais complexas, que transbordam os limites da formação tradicional dos profissionais do direito, ou, ainda, da constante implicação recíproca entre o direito e a política, que, em vez de trazer virtudes ao sistema judicial, o tem prejudicado, na história brasileira), em levar a cabo o processo e julgamento dos responsáveis indicados pelos crimes - a par das questões que ainda resta responder, relativas a ações e omissões de outros responsáveis, na esfera pública e privada -, tem permitido, lamentavelmente, a construção de narrativas e teorias imaginárias, em pretensa justificação dos atos e omissões e mesmo defesa dos até aqui indiciados.
Da lentidão à imaginação, alimenta-se o conjunto das pessoas e grupos, mesmo partidários, que pretendem aprofundar a eficácia e difundir a doutrina perigosa de sua luta contra o Estado Democrático de Direito.
Responder aos que propagam essas versões irreais do mundo e dos fatos, contra-argumentar seu falatório fanático e irresponsável, significaria apenas dar a essas pessoas insidiosas a oportunidade de se apresentarem como detentoras da liberdade de expressão verdadeira, batalhadoras legítimas no campo formado pelas “quatro linhas” falsas de uma Constituição que desprezam e negam de modo militante e cruel.
A cidadania não pode continuar a sofrer mais.
Possui seus direitos, como protagonista verdadeiramente legítima do poder constitucional.
É a presença da cidadania e de sua soberania, aliás, que costura a legitimidade de atuação de todos os Poderes, de todas as instituições republicanas.
É ela a titular não apenas desses diretos, mas, igualmente de políticas públicas – nas quais se incluem a Segurança e a Justiça -, e de deveres constitucionais.
É preciso que a questão da responsabilidade dos golpistas se apresente em sua integridade político-jurídica.
O tempo conta em desfavor da democracia, atualmente. Não há motivo jurídico-político autêntico para que se adie cada vez mais o acerto de contas com o passado, cujas efeitos nocivos parecem querer se enraizar cada vez mais, destruindo os laços de confiança da sociedade e da esfera pública.
A cidadania não pode continuar a sofrer ataques a sua existência e presença, aos valores consagrados na Constituição.
A cidadania sabe que o verdadeiro garantismo funda-se na Constituição e na defesa expressa de seu conteúdo civilizatório.
Pode e deve se manifestar para a consecução de seu poder, sinônimo de democracia e fonte da soberania.
Ela exige, para que a história prossiga de modo construtivo, que o que se passou deixe de atuar no presente, mediante a responsabilização dos que quiseram e agiram para destruir o já difícil processo de constituição da paz e da segurança efetivas, da igualdade verdadeiramente inclusiva, da liberdade e da solidariedade autênticas em nosso País.
* Alfredo Attié. Presidente da Academia Paulista de Direito. Titular da Cadeira San Tiago Dantas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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