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    Hélio B. Costa

    Hélio B. Costa, 77, Bacharel em Ciências Econômicas (Escola Superior de Economia de Praga, Rep. Tcheca), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Estado em Antuérpia, (Bélgica), Doutor em Ciências (USP). Pesquisador em estudos socioeconômicos, foi professor universitário, consultor de políticas públicas, planejamento, projetos de transportes/ logística e mobilidade urbana. Ocupou cargos de direção no setor público e na academia.

    3 artigos

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    Projeto de Nação: cadê você?!

    Não está na hora de sacarmos do colete esta nossa habilidade, de conhecimento e mobilização social?

    (Foto: Arquivo/ABr)

    Em 2004, corria, então, o segundo ano do primeiro Lula; fui convidado a prestar consultoria em uma das ações do chamado projeto EURO-Brasil. Tratava-se de um convênio estabelecido entre Comunidade Europeia e o Brasil, com a interveniência do Ministério do Planejamento e o de Comunicação e Gestão Estratégica. O escopo dos trabalhos era preparar um debate, em nível nacional, em torno da questão do planejamento público. A pergunta do escopo do projeto era: “como conceber e executar um plano de longo prazo - que tenha continuidade, eficácia e efetividade ao longo do tempo de sua projeção - no contexto de uma democracia, onde se sucede gestões de governo de variados matizes ideológicos?” Os produtos da consultoria envolviam: a preparação de um estudo comparado entre as experiências em planejamento do Brasil e da Suécia, a organização e a execução de uma teleconferência nacional, envolvendo representantes das três esferas de governo e uma Oficina de Planejamento (metodologias de elaboração de planos e especialmente o estudo de cenários futuros), junto à alta cúpula dos dirigentes federais. Para o estudo comparado e a teleconferência, trabalhamos junto a um consultor sueco, especialista no assunto. A Oficina, de uma semana, dirigida ao alto escalão do governo, foi executada por um especialista francês e por mim.

    A pergunta feita soava muito instigante, pois em regimes ditatoriais, era mais fácil você implantar, à força, seus objetivos, seu voo ao futuro desejado. Por exemplo, ao tempo do regime militar, a visão de futuro era a construção de um “País Grande” e no contexto da época, em tese, não se precisava consultar a sociedade para realizá-lo (claro, a ditadura tinha sua base de sustentação, que aplaudia, e , por outro lado, silenciava os opositores); governava por decretos-lei e atos institucionais, como se sabe.

    O projeto proposto pela consultoria soava como um canto muito sonoro aos ouvidos dos profissionais que trabalhavam com as questões de políticas públicas fundamentadas no planejamento das ações, como era meu caso. Sempre nos era permitido pensar e elaborar planos e projetos, que na maioria das vezes não eram implementados, seja porque não era do interesse dos mandantes em questão, seja porque o próprio jogo político dos atores sociais não permitia. Lembro, sempre, que para implementar seus objetivos, os dirigentes políticos precisam ter governabilidade (poder de articulação dos atores sociais) e capacidade de governo (expertise, recursos). Ou hegemonia na condução do governo, casos mais raros. Era o sonho de todo planejador social ter um governo conduzido por processos de previsão das ações. Porque planejar significa proceder a uma previsão antes de agir. Planejar é lançar uma luz nos resultados do futuro que desejamos alcançar. Este é o sonho do futuro desejado. Mas para vê-lo realizado torna-se necessário a construção de um plano de ações, que tenha viabilidade e exequibilidade, o que nos remete, mais uma vez, à governabilidade e a capacidade de governo no decorrer do tempo de realização do plano (curto, médio ou longo prazos). A ideia, contudo, é: o plano nunca está pronto, ele deve ser constantemente monitorado, para atualizá-lo, porque as circunstâncias mudam a cada jogada dos atores sociais. Portanto, as situações mudam a cada instante, a depender do jogo político. Mais uma vez, o dirigente público deve olhar para seu poder de articulação dos atores e sua capacidade de realização, que dependem de seus recursos econômicos, financeiros, de conhecimento, de tecnologia, de mobilização da sociedade, dentre outros.

    Ter um plano de longo prazo para um país significa ter um consenso social e político para a construção de uma Visão de Nação em um determinado horizonte de tempo, em geral de 25, 30 anos. Uma espécie de pacto social, embora este seja um conceito um tanto já desgastado pelo mal uso. Essa luz que é jogada no futuro, evidentemente, tem muito de sonho e utopia, mas é o grande resultado que, se a sociedade tiver consciência daquilo que se quer alcançar, pode galvanizar a esperança de um futuro melhor de crescimento e desenvolvimento para todos. Alcançar esse consenso pode não ser muito difícil de se obter (afinal, quem seria abertamente contra combater a desigualdade social, por exemplo?) mas as ações (o plano de ação em seu tempo) é que vão gerar no jogo social as atitudes de adesão e rejeição. Portanto, obtido o consenso dessa Visão de Futuro, lastreada em um número pequeno de Grandes Metas a serem realizadas, numa democracia, seria possível, que as gestões de governo futuras, eleitas no decorrer do plano, pudessem realizar as ações à sua maneira ideológica, mas sempre atreladas àquelas metas estabelecidas em consenso. É claro quer tal visão haveria de ter algum arranjo jurídico-legal que garantisse sempre a utopia desejada.

    Naquela ocasião, no primeiro mandato Lula, estávamos todos ansiosos por essa visão de futuro.  É assim que a Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica iniciou essa discussão com a proposta de um plano chamado Brasil 3 Tempos (2007, 2015 e 2022), no qual propunha: “O Brasil 3 Tempos tem por finalidade: definir objetivos estratégicos nacionais de longo prazo que possam levar à construção de um pacto entre a sociedade e o Estado brasileiros acerca de valores, caminhos e soluções para a conquista desses objetivos estratégicos; e criar condições para a institucionalização da gestão estratégica dos objetivos nacionais de longo prazo. Por meio deste projeto, busca-se propor, no médio prazo, um cenário positivo para o Brasil, como sociedade satisfatoriamente desenvolvida, plenamente democrática, mais igualitária, portadora de valores inclusivos de cidadania, inserida de maneira soberana na economia mundial e participante dos processos decisórios internacionais.” (Cadernos NAE / Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. no. 1 (jul. 2004). - Brasília: Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, 2004).

    A história socioeconômica brasileira é rica no que tange ao planejamento público. Isso vem de muito longe, desde Vargas, nos anos 1930, 40 e 50, com Juscelino (Plano de Metas), Goulart (Celso Furtado), militares (vários planos, dentre eles os PND´s) e assim por diante. Nos governos progressistas, capitaneados pelo PT (os PAC´s). Tivemos planos de longo prazo, como o processo de industrialização dos anos 30 e adiante, o Plano de Metas dos 50 anos em 5 e, obviamente, dos militares com seu Brasil Grande, mas aos poucos essa capacidade de pensar o futuro foi de certa forma se esvaindo. Isto se deve muito em razão da velocidade em que se dá as transformações numa sociedade internacionalizada, o avanço das tecnologias, as informações on-line e por aí vai.

    No entanto, mesmo que dadas tais circunstâncias, é primordial, seja para a soberania de uma nação, como o Brasil, seja para diminuir sua dependência, que se tenha uma grande visão de como se quer estar no futuro. Antes dessa revolução tecnológica atual e a consequente velocidade da circulação das informações, dizia-se que um país sem um plano de longo prazo, portanto, sem um Projeto de Nação, seria sempre uma nação imitadora dos países mais avançados, só que com 50 anos de atraso.

    O case escolhido para a comparação da história do planejamento público, no projeto EURO-Brasil foi o da Suécia. Em rápida ilustração: a Suécia, como toda a Escandinávia dos anos 30 e 40 era constituída de países agrários e com desenvolvimento retardatário em relação à Europa industrializada. Naqueles anos, o Partido Social Democrata ganha as eleições e constrói, com outros aliados, uma visão de futuro de longo prazo para a sociedade sueca. Esse partido foi hegemônico durante várias décadas, o que veio, claramente, a facilitar o seu plano e acabou por obter os resultados que a história registra de um Estado de Bem-Estar Social, famoso a partir dos anos 1960.

    Esta digressão tem um sentido para o Brasil de hoje? Acredito que sim. A esquerda em geral perdeu, no tempo, a capacidade de sonhar e propor esse sonho à sociedade. É natural que o homem anseie por dias melhores para sua vida, a utopia faz parte de sua perspectiva e ajuda-o a manter a esperança em algo. As religiões fazem isso. A visão progressista social, desde os anarquistas do século 19, depois os comunistas, os socialistas de variados matizes, sociais democratas “ofereciam” à sociedade a utopia da transformação social. O Partido dos Trabalhadores nasceu com os anseios de transformação social do Brasil, até com uma visão socialista. É fato que criou marcas, como o Bolsa Família e outras. Sua capacidade de mobilização social foi grande, mas e agora? 

    O esforço do nosso quarto governo é enorme. A governabilidade que tinha os dois primeiros governos Lula, e Dilma em seu início, não a tem hoje. É fato. Mas ainda é tempo (pouco aliás até o fim desta gestão) para recuperar sua capacidade de mobilização da população pelo desejo de um mote utópico (o que não quer dizer irrealizável) futuro. Daí o título deste texto: cadê o PROJETO DE NAÇÃO!

    Para não deixar passar - quem imaginaria, há quarenta anos atrás que a China estaria hoje a exibir essa formidável transformação socioeconômica que a levou ao segundo lugar de potência mundial? Foi, está claro, a visão de futuro enunciada lá atrás. Argumentar-se-á que a China é governada por um partido único, portanto, hegemônico. É verdade que isso tornou mais fácil a condução do plano, lá. Mas isso não invalida que, em um regime democrático como o nosso, não possamos lutar e perseguir uma utopia de um país mais igual, com um maior nível de bem-estar social. 

    Uma última menção: dias atrás conversava com um velho amigo, que nem tanto de esquerda é, mas sim, um ótimo observador político, tanto nacional como da geopolítica. Dizia-me, a certa altura: a direita tem pavor de duas coisas que a esquerda possui, o conhecimento e a capacidade de colocar o povo na rua. Truman, o presidente norte-americano disse certa vez: “Existe um grau de risco envolvido na ação, sempre há. Mas há muito mais risco na inação”.  Deixo aqui a pergunta: não está na hora de sacarmos do colete esta nossa habilidade, de conhecimento e mobilização social?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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