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    Emir Sader

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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    Que democracia?

    'A democracia vai se tornando um valor universal, mas sua implementação requer uma maioria da esquerda dentro do Estado', escreve o sociólogo Emir Sader

    Lula durante cerimônia em defesa da Democracia, no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

    Assim que Carlos Nelson Coutinho publicou sua obra clássica “A democracia como valor universal”, a esquerda foi obrigada a acertar contas com a democracia. Que democracia? O que é democracia?

    Na visão tradicional, classista, a democracia seria a democracia burguesa. Uma concepção formal que afirma a igualdade diante da lei – em todas as suas constituições -, mas contrapõe a isso as profundas desigualdades na realidade concreta.

    O Brasil foi sempre o melhor exemplo do paradoxo. Desde que terminou a ditadura, passou a ser considerado uma democracia. Mas que convivia com as maiores desigualdades conhecidas.

    Não havia dúvida que o Brasil havia deixado de ser uma ditadura. Os militares haviam ocupado totalmente o Estado, militarizado a instituição. Decidiam, entre eles, quem seria o novo presidente do país, que depois era aprovado pelo Congresso, completamente subordinado às FFAA.

    Mas a democratização do Estado e da vida política conviviam com as maiores desigualdades sociais, econômicas e até mesmo políticas. Os que conseguiam ser eleitos para cargos importantes, provinham, praticamente sempre, das elites dominantes.

    De onde vem então a concepção de “democracia como valor universal”? Da ideia de que devemos lutar para estender a igualdade jurídica para a igualdade real. De construir um Estado que não apenas afirme a igualdade formal, mas que seja um instrumento para a realização da igualdade real entre as pessoas.

    Os governos do PT avançaram no processo de construção da igualdade econômica, social e política entre todos. A própria eleição do Lula e sua reeleição, foi um avanço na democratização do Estado. Pela primeira vez um líder sindical, um operário, um nordestino de origem pobre, chegava à presidência do Brasil.

    Mas isso, por si só, não muda a natureza de classe do Estado brasileiro. Isso permitiu a implementação de políticas na contramão dos interesses dominantes. O modelo predominante até ali era o de concentração de renda, de exclusão social, de favorecimento dos interesses do grande capital e, especialmente, do capital financeiro, que se alimenta da mercantilização das relações sociais, da financeirização da economia e da elevada taxa de juros.

    A priorização das políticas sociais está na contramão dos interesses e do modelo dominante de hegemonia do capital financeiro. Mas, implementada por apenas alguns anos, com interrupção, não consegue reverter a estrutura econômica e social predominante, que tem o capital especulativo ainda como seu eixo vertebral.

    Convivem um governo democrático e anti-neoliberal, com essa estrutura econômica. Por isso é um período contraditório.

    Além disso, o governo tem que ter lugar contra o poder conservador nos meios de comunicação, que se opõem fortemente ao Lula, a partir de aspectos absolutamente secundários, sem se enfrentar ao caráter social progressista do governo.

    O governo tem que enfrentar a falta de uma maioria no Congresso. O que o obriga a uma política de alianças com setores do centrão, até mesmo da direita, dificultando a implementação de uma política coerentemente democrática e anti-neoliberal.

    A democracia é um valor universal hoje no Brasil, E’, como afirmação ideológica do governo do PT. Nesse sentido, Carlos Nelson Coutinho estaria contente, se ainda estivesse entre nós. Mas sua prática se enfrenta tanto a uma estrutura estatal e do próprio sistema político, não democratizada ainda, como a uma estrutura econômica centralizada ainda em torno do capital especulativo, e à ação efetiva dos meios de comunicação.

    A democracia vai se tornando um valor universal, conforme os setores predominantes na esquerda brasileira lhe dão a importância que a concepção original de Carlos Nelson Coutinho merece. Mas sua implementação requer uma maioria da esquerda dentro do Estado e a hegemonia da concepção democrática e anti-neoliberal que o PT representa, como hegemônica no conjunto da sociedade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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