Redução drástica no uso de agrotóxicos: o grande desafio da agricultura brasileira
"Que a terra seja um espaço de cultivo e vida, não de veneno. Essa é a luta que devemos travar juntos, por nós e pelas futuras gerações"
O uso indiscriminado de agrotóxicos é um dos grandes desafios da agricultura brasileira. Esse modelo químico-intensivo não só ameaça a saúde humana e o meio ambiente, como também compromete o futuro da produção agrícola sustentável no país. O Brasil detém o título de país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, muitos desses proibidos em seus países de origem. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro liberou 2.182 agrotóxicos entre 2019 e 2022, o maior número de registros para uma gestão presidencial desde 2003, segundo dados da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA) do Ministério da Agricultura. Quando falavam sobre passar a boiada, também se referiam a esse tipo de absurdo.
Os impactos do uso indiscriminado desses produtos são alarmantes, especialmente para populações que vivem próximas às áreas de cultivo. Em uma reportagem contundente de Silvia Lisboa e Carla Ruas, intitulada "Os filhos doentes da agricultura brasileira", uma investigação do Dialogue Earth, em parceria com Tatiane Moraes, pesquisadora em saúde ambiental na Universidade de São Paulo, evidenciou os efeitos dos agrotóxicos na saúde infantil. A análise conduzida para a reportagem revelou que anomalias congênitas e mortes fetais após a 28ª semana de gestação estão associadas à proximidade de áreas agrícolas no Brasil. Esses dados são um grito de alerta sobre os riscos que nossa forma de produzir alimentos está impondo às gerações futuras.
Nos estados onde há maior comercialização de agrotóxicos no Brasil, também há maior riscos para tais anomalias, conforme a pesquisa.
No plano internacional, a União Europeia tem demonstrado que é possível reverter esse cenário. A Diretiva 2009/128/CE do Parlamento Europeu foi um marco ao estabelecer diretrizes para o uso sustentável de pesticidas. Entre as medidas, destaca-se a proibição da pulverização aérea, além do incentivo a práticas agrícolas que priorizam a saúde e a preservação ambiental. Países como França e Dinamarca reduziram significativamente o uso de agrotóxicos, com resultados expressivos na qualidade de vida das populações rurais e na preservação dos recursos naturais.
No Brasil, o estado do Ceará também lidera esse debate. Desde 2019, a lei estadual proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos, uma medida reafirmada em 2023 pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou a legislação constitucional. Os resultados têm sido positivos: comunidades rurais relatam menos casos de doenças respiratórias e dermatológicas, além de avanços na transição para práticas agroecológicas.
Esses exemplos são um farol para todo o país. No entanto, os desafios ainda são imensos. Em estados como o Rio Grande do Sul, a comercialização de agrotóxicos alcançou mais de 20 mil toneladas em 2023, segundo o IBGE. Enquanto isso, alternativas como os bioinsumos e a agroecologia, já comprovadamente eficazes, ainda não recebem o apoio necessário para substituir os modelos baseados em veneno.
Precisamos agir com responsabilidade e coragem. Proibir a pulverização aérea de agrotóxicos, ampliar a pesquisa e o uso de bioinsumos e fortalecer a agricultura familiar são passos essenciais para proteger a saúde das populações e garantir a soberania alimentar. No Rio Grande do Sul, avançamos com a aprovação da política estadual de agricultura regenerativa e biológica, que tive a honra de propor, mas é preciso ir além. Propusemos uma emenda de R$30 milhões ao governador Eduardo Leite para o fortalecimento da agroecologia, mas a proposta foi recusada. Seria fundamental investimento na resiliência do solo após a catástrofe que atingiu os gaúchos e gaúchas em maio deste ano.
Diminuir o uso de agrotóxicos é uma escolha pela vida. O Brasil não pode mais adiar essa decisão. Devemos nos inspirar nos exemplos do Ceará e da União Europeia e assumir nosso compromisso com a produção limpa, a saúde pública e o cuidado com o meio ambiente.
Que a terra seja um espaço de cultivo e vida, não de veneno. Essa é a luta que devemos travar juntos, por nós e pelas futuras gerações.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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