Relato sobre a Crimeia
A Crimeia é um dos lugares mais bonitos que já vi na vida
O mar é de um azul escuro profundo, e os jovens se jogam como se fosse um intenso verão. Para mim, não é. Vários jovens russos vieram conversar comigo, para me convencer a entrar.
Eu decido tentar. Afinal, quando mais terei a chance de entrar no mar Negro, na Crimeia? Duvido que tenha tanta sorte assim outra vez.
Vou até o nosso quarto, que dividimos com mais duas pessoas, e coloco um maiô de surfe, para o frio. Mergulho no mar junto a minha colega, e ela me mostra as águas vivas.
Para minha surpresa, ela até me ensina como pegá-las sem se machucar. Reparo que vários jovens estão fazendo a mesma coisa, e se divertindo no mar profundo. Ao contrário do Brasil, que normalmente as praias vão ficando profundas conforme você nada, a praia era profunda já no começo, ainda mais para mim, que sou baixinha.
Para alguns dos meninos, não era assim não profundo. Eu já consegui sair nadando, o que normalmente não acontece por aqui. A água também não era tão salgada, e extremamente limpa, além de fria. No entanto, me acostumei rapidamente com as diferenças. Continuei nadando entre os jovens, vendo as brincadeiras, tentando entender um pouco daquela cultura, tão diferente e próxima ao mesmo tempo.
Tive muitas outras experiências naquele acampamento, Tavrida. Passei uma semana aprendendo sobre como criar histórias ficcionais engajantes direto de uma editora de livros infantis e infanto-juvenis russa.
Acredito que nunca mais terei a oportunidade de ver 20 estrelas cadentes enquanto converso com colegas sobre a vida no geral, todos estarrecidos com a beleza do espetáculo proporcionado pelo universo.
O mar estava sempre ali, presente, e talvez tenha sido essa a razão pela qual lembrei dessa experiência ao ouvir sobre os ataques à Crimeia. Afinal, eu conheço aquele mar, as pessoas.
Quando fui observadora das eleições em 2018, me enviaram para a Crimeia, para Sevastopol. Conheci vários museus sobre as guerras que foram travadas ali, e um deles era o centro de operações soviético durante a Segunda Guerra Mundial: Sevastopol resistiu aos nazistas durante duzentos e cinquenta dias. Coincidência com a atualidade?
Nossa guia era uma jovem que havia passado por muitos traumas em Lukansk. Seu pai e seu irmão lutavam diretamente na guerra, um como policial civil, do lado russo, e outro como militar. Ela não conseguiu viver seu último ano do ensino médio: seu pai a trancou junto a sua irmã mais nova no porão, e ali ficaram durante quatro dias, quando seu pai finalmente conseguiu levá-las para Sevastopol junto a sua madrasta.
‘Ainda há guerra, Laís. Abrigos explodem a 50 quilómetros da minha casa. Pessoas morrem. Meu irmão vai toda semana ajudar o exército. Ele é policial civil.’ - Alina Vadimovna Drobylko tinha 21 anos quando a conheci na Crimeia. Infelizmente perdi o contato com ela.
Alina me descreveu o terror da guerra em detalhes, e por isso consigo sim imaginar mísseis atingindo a Crimeia, mas não gostaria. As lembranças que tenho da Crimeia me são muito caras e muito belas. Amei cada momento naquele lugar.
A Crimeia é um dos lugares mais bonitos que já vi na vida: subir as ruínas de Balaclava, entre flores, montanhas e o mar Negro, foi até agora o meu momento preferido de todas as viagens que fiz na vida. Não queria sair de lá, só ficar ali com meu amigo alemão, Markus, sentindo a brisa fria e observando o mar, conversando lentamente.
Fui duas vezes para a Crimeia, conheci Sevastopol. É um lugar mágico. Não é à toa que Pushkin e tantos outros escritores russos também amavam o local. Historicamente, é um local cobiçado por muitos povos desde a antiguidade: em apenas um espaço é possível observar camadas de construção da ocupação de diversos povos, como persas, gregos e romanos.
Saber que os mísseis atingiram uma praia na Crimeia, matando civis que não tem nenhuma relação com a política externa dos dois países, é bem chocante. Consigo imaginar diversos amigos passando as férias ali e morrendo.
Escrevo esse relato como uma lembrança de carinho por essa terra, e de tristeza pelas mortes de civis.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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