Rio Grande do Sul, contra a naturalização da catástrofe
"É a hora de um movimento ecossocialfeminista mudar o rumo dos ventos e dar outra direção para o Sul", diz Marcia Tiburi
Em relação à catástrofe no Rio Grande do Sul é preciso agir com solidariedade como tem se visto. A solidariedade é a melhor energia em momentos de dor, e deveria ser uma base moral e ética que valesse como um acordo para todos os momentos, pois há muito sofrimento no mundo que poderia ser amenizado se as pessoas fossem mais solidárias. Há muito tempo precisamos disso, pois as catástrofes pelo mundo afora, e cada vez mais no Brasil, não param de avançar. Elas são ambientais, mas também sociais, econômicas e políticas - formas entrelaçadas.
Os múltiplos socorros vindos de todo o Brasil no salvamento de vítimas das enchentes no RS, são necessários materialmente falando, são comoventes e éticos, mas também políticos, no sentido da melhor política gerada pela ética da solidariedade. Na base dessa ética está um fundamento diferente, subestimado pela perspectiva patriarcal neoliberal, a saber, o cuidado.
O cuidado sempre foi um assunto ligado às mulheres e, infelizmente, naturalizado como se fosse um tipo de serviço naturalmente prestado por mulheres aos homens e às famílias patriarcais. A economia do cuidado sempre foi desvalorizada como todo o trabalho feminino dentro e fora de casa. Não devemos sustentar argumentos naturalistas sobre gênero, mas é um fato que existem matrizes de subjetivação que implicam formações culturais, portanto, gestos, atos e comportamentos que acompanham a produção de gênero. Nesse sentido, a falta de cuidado expressa no sucateamento do departamento responsável por obras e manutenção dos sistemas de prevenção de enchentes em Porto Alegre, em cujo fundo está o delirante negacionismo climático, pode ser atribuída às práticas masculinas de descuido. De fato, se a cultura feminina é a do cuidado, a cultura masculina é a do descuido, por trás dele, a cultura da guerra e da destruição que nos trouxe até esse estado de calamidade geral. A prova da falência do sistema patriarcal na política – por sua falta de ética – é a desqualificação e a incompetência para o cuidado. A falta de ética do patriarcado neoliberal aponta para a política da destruição em oposição à feminina ética do cuidado que deve orientar o presente e o futuro se quisermos sobreviver.
De fato, ver pessoas se ajudando mutuamente - cuidando umas das outras - produz a esperança de um mundo melhor. Um mundo melhor é o que todo mundo deseja, exceto os neoliberais, ou seja, os que praticam uma perversão em nível económico, social e político.
O que está acontecendo no RS é efeito da crise climática em relação à qual é preciso ter cuidado, mas também responsabilidade, tudo o que faltou na política dos homens que hoje fazem cena de bonzinhos e tentam camuflar a política que fazem, mesmo sendo políticos, como se quisessem no meio do horror aparecer como meros cidadãos desavisados e perplexos, como se não fosse sua responsabilidade cuidar para a evitação dos desastres através de meios técnicos sobre os quais vinham sendo avisados há muito tempo.
Na defesa dos patriarcas neoliberais, surgem os que demandam “não politizar” a catástrofe, como se a catástrofe não fosse obra da política, mas do acaso. Eles tentam apagar com força retórica – negacimisno e fake news - o caráter econômico e político da catástrofe que foi produzido por uma irresponsabilidade que veio à tona e que ninguém mais pode fingir que não vê. Ou manipulam ou são burros.
De fato, na contramão da destruição pelo sistema patriarcal neoliberal, vemos avançar a solidariedade e a ética do cuidado que deve gerar outra política. Nesse rumo, depois da catástrofe, esperamos que venha a utopia de um mundo justo e digno, ou seja, um mundo de respeito à natureza e à vida, ecologicamente sustentável em relação à espécie humana e a todas as outras. A ecologia subjetiva, social e ambiental pode vingar, mas apenas na contramão do neoliberalismo, o mal radical econômico que visa a destruição do mundo e tem dado provas disso.
É a hora de um movimento ecossocialfeminista mudar o rumo dos ventos e dar outra direção para o Sul.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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