Se a incerteza era um problema, a insensatez é a tragédia
A questão não é se a conta virá, mas até onde deixaremos o saldo escalar.
Quando Donald Trump tomou posse como 47º presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 2025, após derrotar Kamala Harris nas eleições de 5 de novembro de 2024, o mundo sentiu o peso de um déjà-vu turbulento. Seu retorno ao Salão Oval, quase uma década após seu primeiro mandato (2017-2021), reacendeu temores de rupturas na ordem global. O The New York Times, em editorial de 21 de janeiro de 2025, chamou sua volta de “um teste existencial à democracia e à cooperação internacional”, enquanto o Le Monde alertou em 22 de janeiro: “O multilateralismo está sob ataque, e Trump é o aríete.” Até 28 de março de 2025, os primeiros 68 dias de seu governo mostram sinais claros de sua agenda – protecionismo econômico, nacionalismo exacerbado e desprezo por instituições globais –, mas ainda é cedo para eventos concretos além de discursos e nomeações. Este artigo mergulha nos fatos verificáveis até hoje, analisa as implicações geopolíticas com dados estatísticos robustos e traz vozes como Noam Chomsky e Elon Musk para iluminar um planeta à beira do caos.
O Retorno de Trump: Um Golpe no Multilateralismo
Trump venceu com 51% dos votos populares (CNN, 6 de novembro de 2024), prometendo “colocar a América em primeiro lugar” e revisar acordos internacionais. Em seu primeiro mandato, ele retirou os EUA do Acordo de Paris (2017) e da OMS (2020), cortando US$ 893 milhões anuais em contribuições (OMS, 2020). Em 2024, ele chamou a ONU de “um clube de burocratas inúteis” durante um comício em Ohio, e seu discurso de posse em 20 de janeiro de 2025 reforçou: “Não vamos mais financiar organizações que nos sugam.” O Financial Times estimou em 15 de novembro de 2024 que os EUA, responsáveis por 22% do orçamento da ONU (US$ 3,4 bilhões em 2024), poderiam reduzir isso em 50%, esvaziando a organização.
A China, com PIB de US$ 18,5 trilhões em 2024 (FMI), cresce 4,8% ao ano, contra 2,2% dos EUA e 1,5% da UE (Banco Mundial). Ela já investiu US$ 1 trilhão na Iniciativa Cinturão e Rota desde 2013, conectando 140 países (Banco Mundial, 2023). Noam Chomsky, em entrevista à Truthout em 25 de outubro de 2023, alertou: “O isolacionismo de Trump é um presente à China, que está pronta para liderar onde os EUA recuam.” Yuval Noah Harari, em palestra na London School of Economics em 2023, complementou: “A ordem multilateral, já frágil, não sobreviverá a outra onda de unilateralismo americano.” O The Atlantic previu em 10 de fevereiro de 2025 que a saída de fundos americanos pode cortar 30% dos programas de paz da ONU, como os US$ 1,2 bilhão gastos em missões no Sudão do Sul (ONU, 2024).
Protecionismo Econômico: Tarifas e o Choque Global
Trump prometeu em 2024 tarifas de 20% sobre todas as importações e até 60% contra a China, revisitando sua guerra comercial de 2018-2020, quando impôs taxas de 25% sobre US$ 250 bilhões em bens chineses (USTR, 2020). O The Economist calculou em 12 de dezembro de 2024 que novas tarifas poderiam reduzir o PIB global em 0,8% (US$ 800 bilhões) em 2025, com os EUA perdendo US$ 200 bilhões devido a retaliações. A China, maior exportadora mundial com US$ 3,2 trilhões em 2024 (Banco Mundial), contra US$ 1,6 trilhão dos EUA, retaliou em 2018 com tarifas de 25% sobre soja americana, custando US$ 11 bilhões aos agricultores (USDA, 2019).
A UE, com exportações de US$ 2,3 trilhões, teme um impacto de US$ 50 bilhões, segundo o Financial Times (20 de janeiro de 2025). Jeff Bezos, em entrevista à Bloomberg em 14 de novembro de 2023, criticou: “Protecionalismo é um imposto disfarçado sobre os pobres – o comércio global nos deu prosperidade.” Elon Musk, apoiador de Trump, rebateu em tuíte de 15 de novembro de 2024: “Tarifas protegem empregos – a China joga sujo há décadas.” O Le Monde analisou em 25 de janeiro de 2025 que a Alemanha, com 8% de seu PIB (US$ 350 bilhões) vindo de exportações aos EUA, pode entrar em recessão se Trump agir. O Brasil, com exportações de US$ 280 bilhões (2024), já perdeu 10% em vendas de soja para a China desde 2018 (Ministério da Economia, 2023).
OTAN e Europa: Uma Aliança sob Pressão
Trump, desde 2016, critica a OTAN, chamando-a de “obsoleta” em entrevista à Times of London (15 de janeiro de 2017). Em 2024, ele ameaçou sair da aliança se os 31 membros não elevassem gastos militares a 2% do PIB. Em 2024, apenas 11 países atingiram essa meta (NATO, 2024), com gastos totais de US$ 1,2 trilhão – 67% (US$ 804 bilhões) dos EUA (SIPRI, 2024). O Der Spiegel relatou em 22 de janeiro de 2025 que a Europa precisaria de US$ 300 bilhões extras para substituir os EUA, algo inviável com crescimento de 1,5% (Eurostat, 2024). Olaf Scholz, em discurso em 2022, disse: “A OTAN é nossa âncora – perdê-la é um desastre.” Bernie Sanders, em comício em Vermont em 15 de setembro de 2023, alertou: “Trump quer destruir a OTAN, entregando a Europa a Putin.”
A Rússia, com orçamento militar de US$ 86 bilhões (SIPRI, 2024), pressiona a Ucrânia, enquanto a China, com US$ 230 bilhões, expande sua presença no Indo-Pacífico. O Financial Times estimou em 10 de fevereiro de 2025 que um enfraquecimento da OTAN pode custar à UE 2% de seu PIB (US$ 360 bilhões) em segurança e comércio.
Ucrânia e Rússia: Um Frágil Equilíbrio
A invasão russa da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, matou mais de 40.000 civis (ONU, 2024) e deslocou 14 milhões (UNHCR, 2024). Os EUA forneceram US$ 175 bilhões em ajuda desde então (Departamento de Defesa, 2024), mas Trump, em 2024, disse em comício em Iowa: “Posso acabar essa guerra em 24 horas.” O The Atlantic sugeriu em 5 de fevereiro de 2025 que ele pode pressionar Kiev a ceder territórios ocupados (18% da Ucrânia, segundo o Instituto de Estudos de Guerra, 2024). J.D. Vance, vice-presidente eleito, declarou em entrevista à Fox News em 10 de outubro de 2024: “A Ucrânia não vale nosso dinheiro – temos problemas em casa.” Yuval Noah Harari, em 21 Lessons for the 21st Century (2018), escreveu: “Conflitos como esse expõem a impotência da ordem global.”
Imigração: Economia em Risco, Medo nas Ruas
Trump prometeu em 2024 “a maior deportação da história”, mirando 11 milhões de indocumentados (Pew Research, 2023). O Time estimou em 2023 que imigrantes contribuem com US$ 1,6 trilhão ao PIB anual dos EUA, incluindo 60% da força agrícola (USDA, 2024). Um estudo da American Immigration Council (2022) mostrou que deportações em massa poderiam custar US$ 1 trilhão em dez anos. Justin Trudeau, em discurso de 2021, disse: “Imigrantes são o coração de nossas economias.” Bernie Sanders, em 2020, afirmou em entrevista à NPR: “Deportar milhões é cruel e vai quebrar nossa economia.” Noam Chomsky, em Who Rules the World? (2016), escreveu: “A xenofobia de Trump é uma arma contra os mais vulneráveis e contra nós mesmos.”
Big Tech e Imprensa: Poder e Polarização
Elon Musk doou US$ 50 milhões a um PAC pró-Trump em 2024 (The Guardian, 15 de outubro), enquanto Jeff Bezos, dono do Washington Post, disse em 2016: “Trump é uma ameaça à liberdade de imprensa” (CNN, 2016). O The Atlantic alertou em 10 de janeiro de 2025 que a Fox News, com 50 milhões de espectadores semanais (Nielsen, 2024), amplifica a agenda de Trump. Musk tuitou em 2023: “A mídia tradicional morreu – a verdade está nas redes.” J.D. Vance, em 2024, disse à Newsmax: “Big Tech e Trump são aliados naturais contra o establishment.”
Análise das Implicações da Cena Mundial
China: A nova hegemonia
A China, com exportações de US$ 3,2 trilhões e reservas de US$ 3,3 trilhões (Banco Mundial, 2024), supera os EUA (exportações de US$ 1,6 trilhão). O Financial Times prevê em 2025 que ela dominará manufatura até 2030, com 40% da produção global (UNCTAD, 2024). Musk, em 2023, tuitou: “A China está anos à frente – acordem.”
Ordem Mundial: Um Sistema em Ruínas
A ONU, com orçamento de US$ 3,4 bilhões, perdeu 15% de fundos dos EUA desde 2017 (ONU, 2024). Harari, em palestra de 2023, disse: “Sem cooperação, enfrentaremos colapso climático e guerras.” O The Guardian relatou em 2024 que a extrema direita ganhou 20% mais votos na Europa desde 2019, com partidos como o AfD (Alemanha) e RN (França) crescendo.
Direitos Humanos: Um Luxo em Extinção
A Human Rights Watch (2024) alertou que cortes em ajuda externa dos EUA (US$ 40 bilhões em 2020) enfraquecem direitos globais. Bezos, em 2022, disse à Bloomberg: “O populismo sufoca a empatia.”
Os ecos de “A Era da Insensatez” ressoam nas páginas de Galbraith e Hobsbawm, mestres em capturar tempos de ruptura. Em “A Era da Incerteza”, Galbraith destruiu a instabilidade do século XX, como a Grande Depressão, que derrubou o PIB dos EUA em 25% (Bureau of Economic Analysis), um mundo em crise refletido hoje no isolacionismo de Trump em 2025. Hobsbawm, em “A Era dos Extremos”, narra os 60 milhões de mortos nas guerras mundiais (ONU, 2020), enquanto “A Era do Capital” e “A Era das Revoluções” mostra revoluções que abalaram monarquias e ergueram o capitalismo. O retorno de Trump, com a China crescendo 4,8% ao ano (FMI, 2024), sinalizando uma nova tormenta global.
A queda de velhos sistemas conecta histórias ao caos de hoje. Hobsbawm viu o fim do comunismo em 1991 e das monarquias em 1848, com o imperialismo como força caótica. Galbraith, na incerteza do capitalismo, notou a desigualdade americana saltando de 0,35 para 0,41 no índice Gini (Census Bureau, 1970-1977). Hoje, a ordem multilateral pós-1945 rui: a ONU perdeu 15% dos fundos dos EUA desde 2017 (ONU, 2024), e a extrema direita na Europa ganhou 20% mais votos desde 2019 ( The Guardian). Trump, cortando US$ 893 milhões da OMS em 2020, acelera esse desequilíbrio.
A insensatez humana é o fio condutor. Galbraith critica a fé cega no mercado; Hobsbawm, uma ganância que deslocou 50 milhões em 1848-1875. Trump repete o padrão: tarifas de 2018 custaram US$ 11 bilhões (USDA), e sua xenofobia ameaça 11 milhões de imigrantes (Pew, 2023). É um eco das escolhas que Hobsbawm ligaria às guerras mundiais.
Por fim, todos veem o poder global em xeque. Hobsbawm traçou a industrialização e o colapso soviético; Galbraith, a economia em mutação. “A Era da Insensatez” mostra a China, com US$ 3,2 trilhões em exportações (Banco Mundial, 2024), desafiando um EUA que recua – um prenúncio de viradas históricas.
Desde 20 de janeiro de 2025, Trump acendeu o pavio de um mundo em frangalhos. Seus 68 dias iniciais não são apenas ecos de promessas e histórico, mas sirenes de rupturas que nos encaram. Esta era da insensatez, um quebra-cabeça de escolhas tresloucadas, só ganhará contornos claros quando os historiadores, com o luxo do tempo, decifrarem suas cicatrizes. As declarações gritaram: a ordem mundial, essa colcha de retalhos defeituosa, desmorona enquanto a ONU se esvaziava, a extrema direita floresce em França e no Brasil, e os direitos humanos viram relíquia empoeirada. Tudo o que fere a parte, sangra o todo.
Mas não nos enganemos: o preço dessa temeridade não será uma mera ressaca histórica. Estamos flertando com uma nova idade das trevas – não de castelos e pestes, mas de drones assassinos, cadeias econômicas em colapso e um planeta sufocado por suas próprias febres.
A questão não é se a conta virá, mas até onde deixaremos o saldo escalar. A ordem vigente, cambaleante em convulsões, é um castelo de cartas à beira do vento. Como já se profetizou em meados do século XIX, “quando uma estrutura falha, ela é descartada, e uma nova tomará seu lugar”. Resta saber: que mundo ousaremos construir das cinzas dessa insensatez?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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