Selfie faz Marinha prender advogado por atentado à segurança
'A Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB-RJ registrou queixa por abuso de autoridade dos militares', escreve o colunista Marcelo Auler
Em mais um sinal do autoritarismo impregnado nas Forças Armadas, o advogado Adriano Carvalho da Rocha (OAB 2344.219), 49 anos, especializado em Direito Militar, foi preso em flagrante acusado do crime previsto no Código Penal Militar (CPM) como sendo contra a Segurança Externa do País simplesmente por fazer uma selfie, de si próprio, lendo um documento de sua autoria, em uma unidade do 1º Distrito Naval, na Praça Mauá, centro do Rio de Janeiro. Rocha foi à unidade militar protocolar um pedido em nome de um seu cliente. Diante da recusa do comandante da unidade em recebê-lo, decidiu registrar a entrega do documento. Para isso, optou pela selfie na qual leria a íntegra do documento. Foi impedido por militares. Recorreu a outra sala e fez alguma gravação quando então recebeu voz de prisão às 15h00 da segunda-feira (13/01).
Ele permaneceu incomunicável por mais de duas horas, sem direito sequer de ir ao banheiro, mesmo depois que urinou na calçada na sala onde foi isolado. Somente às 17h00 lhe foi permitido um telefonema – através de um aparelho diferente do seu – quando conseguiu pedir auxílio da Comissão de Prerrogativa da OAB do Rio. O presidente desta, James Walker, foi para lá junto com outros dez advogados.
Crime Contra a Segurança Externa do País
Todos passaram a madrugada ali, uma vez que os militares encarregados de lavrarem o flagrante, “além de não terem nenhuma habilidade ou capacidade de realizar um auto de prisão, ainda ironizavam, faziam chacotas e inutilizavam, de forma propositada, os documentos alegando erros”, como denunciou Walker. Demoraram até às 05h00 para concluir o procedimento.
Assinado pela tenente Monalisa Pimentel Souza de Farias, presidente do Auto de Prisão em Flagrante, Rocha, além do “crime de desobediência” (Art.301 do CPM), cuja pena é, no máximo, de detenção de até seis meses, foi indiciado também no artigo 147 que se encontra no Capítulo I do CPM – “Dos Crimes Contra a Segurança Externa do País.
Ele prevê pena de reclusão de até quatro anos (se o fato não constituir pena mais grave) por “fazer desenho ou levantar plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, utilizados ou em construção sob administração ou fiscalização militar, ou fotografá-los ou filmá-los”. Ou seja, o acusaram de filmar a unidade militar. O recurso ao artigo 147, no entendimento do presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB foi uma artimanha para manterem o advogado preso:
“Vendo que a única conduta que poderia ser atribuível a ele seria um suposto crime de desobediência – por insistir em gravar – e esse crime tem pena muito pequena de seis meses, ou seja, eles assinariam um termo circunstanciado e ele iria embora, imputaram-lhe falsamente, pasmem, ‘atentado à segurança externa do país’. Ou seja, um advogado, fez um vídeo dentro de uma salinha de protocolo dentro de uma unidade militar, um vídeo selfie, foi enquadrado no artigo 147 do CPM como alguém que praticou um atentado à segurança externa. Isso foi utilizado apenas para justificarem a manutenção do acusado preso”.
Em um aparente despreparo do flagrante, a primeiro-tenente encarregada de presidi-lo acabou oficiando ao Diretor da Unidade Integrada de Saúde Mental da corporação, pedindo um “exame pericial de sanidade mental” do preso. Escreveu ser necessário “um exame sumário de saúde, para encaminhamento ao Presídio da Marinha”.
O preso recusou-se a se submeter a esse exame por não saberem “emitir guia para exame de corpo delito. Além disso, essa exigência configura violação de Direitos Humanos e configura insinuação de incidente de insanidade mental”.
Provavelmente a tenente desconhecia que o Exame de Corpo Delito de um civil, ainda que preso por organização militar, precisa ser feito junto ao Instituto Médico Legal (IML), sendo que deve ser solicitado por uma autoridade policial civil. Ou seja, um delegado de polícia.
Por isso é que na manhã desta terça-feira (14/01), o advogado foi levado à 5ª Delegacia de Polícia, no centro da cidade, onde o capitão-tenente Wagner Monteiro Moura solicitou a expedição do encaminhamento para um exame de corpo delito do preso no IML, o que acabou acontecendo apenas no início da tarde.
Na 5º Delegacia, o capitão-tenente, ainda que de forma gentil, chegou ameaçar usar a força quando os advogados, tendo à frente Walker, deixaram claro que não permitiriam que a escolta da Marinha levasse o colega antes da chegada de uma delegada. O presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados conduziu o colega para o lado de dentro da delegacia policial e provocou o oficial militar:
“Daqui ele não sai mais. Chame o seu comandante. Está acautelado por uma autoridade policial. Aqui o senhor não tem jurisdição. Ele tem prerrogativa de advogado. Foi torturado dentro de uma unidade militar. Daqui ele só sai por determinação de uma autoridade policial. Se o senhor quiser usar a força… o senhor acabou de nos ameaçar dizendo que ia usar a força contra nós. O senhor pega a sua arma. Pega a sua arma. A OAB já resistiu a isso em outros tempos. O senhor não vai fazer isso com um advogado e muito menos comigo. Peço ao senhor o mesmo respeito que estou lhe dando. Estou lhe tratando com o máximo respeito”.
Com receio de que o advogado fosse conduzido para o presídio militar, como constava do documento assinado pela tenente, ou mesmo para outra unidade onde os advogados não teriam acesso, a Comissão de Prerrogativa entrou em contato com o juiz federal da Justiça Militar Claudio Amin Miguel, que convocou todos imediatamente para a audiência de custódia.
Na audiência, a procuradora da Justiça Militar Hevelize Jourdan Covas Pereira considerou que não eram cabíveis os requisitos da prisão preventiva e solicitou a desconstituição da mesma, com a soltura do réu. Por si só já seria suficiente para que o juiz-auditor concedesse a liberdade ao preso, mas ele fez questão de registrar que também entendia que a prisão era incabível.
O presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB-RJ registrou queixa por abuso de autoridade dos militares que na segunda-feira deram a voz de prisão no advogado, tanto na 5ª Delegacia Policial, como na Delegacia de Polícia Federal. Com isso, o caso ainda deve render.
Procurada, a assessoria de imprensa do 1º Distrito Naval prometeu uma Nota Oficial que não foi emitida até o início da noite de terça-feira.
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