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      Roberto Ponciano

      Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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      Somos todos Glauber, ou um banho de realidade conjuntural

      Quaisquer antipatias que sintamos pelas críticas que Glauber faz, justa ou injustamente a todos os governos do PT, agora são querelas estúpidas

      Glauber Braga (Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)

      O deputado Glauber Braga foi julgado na comissão de “ética” da Câmara. Seu suposto crime, escorraçar a pontapés um fascista militante do MBL do Congresso Nacional, o que, de fato, era apenas seu dever funcional. Fascistas devem ser escorraçados, a socos, pontapés, cusparadas. Com fascista é no tiro, porrada e bomba.

      O fascismo não faz parte do espaço democrático de disputa e não pode e não deve ser aceito na sociedade. A contrario sensu do que prega Rui Pepper, o líder da seita PCO, a liberdade de pensamento não serve para que se pregue homofobia, misoginia, racismo, fascismo, nazismo e outras coisas afins, nem num Estado capitalista, nem em algum futuro Estado socialista. É só lembrar que Lênin tinha como uma das agendas da Revolução de 1905 (Democrático burguesa) o fechamento e a proibição de toda e qualquer imprensa czarista e monarquista (inimiga da democracia) e, depois da Revolução de 1917, colocou este programa em prática. Não, a tolerância política, seja liberal ou socialista, não se estende a quem prega AI5, defende Ustra, celebra ditadura militar e prega o fim do Estado Democrático de Direito. Existe, Rui Pepper, um ditado alemão muito potente que diz, se num bar chega um fascista e se senta numa mesa na qual estão 10 pessoas e nenhuma se levanta, então estão sentados 11 fascistas juntos.

      Quaisquer antipatias que sintamos pelas críticas que Glauber faz, justa ou injustamente a todos os governos do PT, agora são querelas estúpidas, sem sentido e ninharias. Devemos defender com unhas e dentes o camarada Glauber. Devemos montar comitês pró Glauber no Brasil inteiro e fazer atos pró Glauber em cada rincão deste país, defender Glauber é defender o Estado Democrático de Direito. Da mesma forma que, no auge do Mensalão, pai da Lava-jato, eu defendi que era tarefa precípua defender camaradas como Dirceu, Genoino e Pizzolato, quaisquer que fossem as diferenças menores que houvesse com eles na disputa partidária. A luta é contra o fascismo, e na luta contra o fascismo devemos defender todos os companheiros.

      Mas, sim, não é oportunismo, aproveitar o ensejo para chamar os companheiros da Terra do Nunca, ou da Caverna do Dragão de volta para o mundo real. Se não devemos objetar as críticas de Glauber na hora de defendê-lo com unhas e dentes, devemos, sim, chamar os companheiros mais afoitos das alas mais radicais do PSOL, do PSTU, PCB e quejandos a refletir conosco sobre o resultado da votação na Comissão de Ética, 13 x 5 contra Glauber.

      E não, não estou justificando a cassação de Glauber, ou dizendo que Glauber é culpado de reacionários de direita serem reacionários de direita. A questão é outra.

      Esta é a pior correlação de forças que temos desde a redemocratização.

      Não se traça tática, estratégia, objetivos, projetos, palavras de ordem sem estar com as quatro patas assentadas no mundo real.

      O marxismo é materialismo dialético, ou seja, dialética do mundo real, não do mundo imaginário.

      Os companheiros, Glauber incluído neste meio, vivem tracejando palavras de ordem grandiloquentes e críticas (algumas justas sim, outras nefelibatas) ao governo Lula e aos governos do PT, sem terem nenhum lastro, na maioria das vezes na realidade. E nisto enquadram-se os Xones Manés, ou os Mauro Lopes da vida, que criaram personagens, alter egos, que vivem de lacrar e financeirizar na web, através de sambas de uma nota só, cujo grande objetivo é descredibilizar o governo Lula e afirmar, diuturnamente, que o Governo Lula é um governo Neoliberal que “se rendeu ao grande capital” e governa para os banqueiros.

      Analisar conjuntura é analisar as conjunções de fatores, das classes e frações de classes, dos movimentos políticos e de massas e como eles estão em equilíbrio precário e em enfrentamento aberto ou não, já que a luta de classes não descansa um segundo, e não em ficar repetindo frases feitas altissonantes e programas máximos revolucionários no pior estilo “O fantástico mundo de Bob” ou “Pink e cérebro”.

      13 x 5 não foi o placar contra Glauber, 13 a 5 é a correlação de forças que temos no Congresso. 1/3 de 18 seriam 6 deputados, na hora do vamos ver, do rala com rala, no faca com faca, é a força de esquerda real com que contamos, menos de 1/3 do Congresso e menos de 1/5 do Senado. E isto não é para a votação da cassação ou não de Glauber, isto é para todo e qualquer projeto que seja colocado em discussão.

      Então, fica a pergunta idiota, se temos esta correlação de forças desigual, com gigantescas bancadas do agro, do fundamentalismo neopentecostal, das milícias e todas defensoras do status quo, se só conseguimos governar com uma aliança do pior espectro possível – que é a que nos resta –, se só conseguimos votar pautas minimamente estruturais desenvolvimentistas para o povo brasileiro, através de uma coalizão na qual precisamos ceder os anéis para não perder os dedos, de que serve o discurso grandiloquente da ultra-esquerda?

      E olha que estou falando de esquerda reconhecendo o PT como esquerda. Imagina se acreditássemos nas bobajadas de Xones Mané e Mauro Lopes e retirássemos a classificação de esquerda do PT e do PC do B, e contássemos apenas com os 12 deputados do PSOL como “esquerda pura”, num universo de 512 deputados? Isto reduziria a bancada de “esquerda” na Câmara a 2,34% da Câmara. Bem, se acreditarmos como acredita David Deccache, por exemplo, que metade do PSOL “vendeu a alma ao diabo” e hoje são de PeTistas disfarçados de Psolistas, chegaríamos a uma Câmara com 1,17% de deputados de esquerda “puros” – e é lógico que existe muito de ironia nesta classificação de pureza de esquerda que coloco aqui.

      Seja com 30% da Câmara, ou com 2,34% ou 1,17%, a pergunta é a mesma. Que tipo de análise de conjuntura fazem estes camaradas quando olham para o mundo real e pedem que o Governo do Presidente Lula seja mais radical e vire cada vez mais para a esquerda? Isto me faz lembrar Prestes, às vésperas do golpe de 1964, indo à URSS e garantindo a Brejnev que o PCB não estava no poder, mas estava no governo, e estávamos às vésperas de grandes transformações sociais no Brasil. Nem preciso dizer, que a práxis sendo o critério da realidade, Prestes havia embarcado num mundo de sonhos sem nenhum contato com a realidade de um governo fragilizado de Goulart e prestes a ser golpeado.

      Imagino se numa eleição fantástica, conseguíssemos eleger o camarada Glauber Braga à presidência do Brasil, ou a Camarada Sofia Manzano – do PCB, ou a camarada Vera Lúcia – PSTU. E, digamos, não com um congresso com 2,34% de deputados da “esquerda pura”, mas, utilizando (sempre com ironia) as palavras das críticas de Glauber, o conceito de Sociais Liberais para PCdoB e PT, ainda assim, com apenas 30% do Congresso. Alguém consegue imaginar estes camaradas construindo um ministério “puro de esquerda” ou votando uma pauta qualquer no Congresso, umazinha que fosse, sem fazer concessões, negociações e coalizões governamentais? Só mesmo no Fantástico mundo de Bob do Socialismo Mágico que não consegue fazer 5% do Congresso.

      De um lado temos sim que defender Glauber, de outro, temos que de maneira a la Paulo Freire educar pela realidade, perguntar aos companheiros: Se bastaria ao governo Lula, “governar com o povo” – fórmula mágica que não significa porra nenhuma – e as coisas no Congresso ajeitar-se-iam, porque não bastou o clamor popular para evitar esta derrota acachapante dos que defendem Glauber – o PT incluído dentre estes – na Comissão de Ética?

      É porque o mundo da Realpolitik não é feito de desejos, palavras de ordem descoladas do mundo real, ou discursos grandiloquentes. A mesma precariedade que temos para defender Glauber Braga num Congresso ultra reacionário é a que temos para defender pautas progressistas do Presidente Lula neste pior Congresso da história.

      Sim, Glauber fica, e sim, somos todos Glauber. Mas que a votação na Comissão de Ética é um banho de realidade face à conjuntura, isto temos que dizer dolorosamente e em alto bom som.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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