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    Laís Gouveia

    Mineira, jornalista e ativista da mídia livre. Vivendo na Espanha

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    Tragédia no RS escancara a falência moral de parte significativa da sociedade brasileira com sua insuportável guerra cultural

    Pablos, Nikolas e Negos Dis, em um país coerente, ou estariam na cadeia ou no anonimato. Não seriam aceitos. Seriam rechaçados, mas são exaltados por milhões

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    Assim como você, caro leitor (aos que ainda seguem lúcidos) estou perplexa com a doença que tomou conta de parte da população brasileira. A praga teve um início lá no longínquo ano de 2013, ganhou tentáculos em 2015, com o folclórico “Fora Dilma” e virou um bode fedorento na sala em 2023, quando o tamanho do estrago foi visto naquelas cenas deploráveis do 8/1.

    No entanto, para além do campo político, que tirou de tantas famílias a degustação coletiva do peru no natal ou amigos ocultos regados com a “torta de climão”, é assustador constatar que parte da população brasileira levou o FlaxFlu para o campo de um apartheid social. Para tal parcela, já não é mais sobre nação, vidas salvas, solidariedade. É sobre uma estúpida guerra cultural que atrapalha os esforços no RS e inunda ainda mais a região com mentiras diárias.

    Pegue o seu Dramin (para conter as náuseas) e vamos aos fatos escancarados pela tragédia no RS: Desde que as cheias começaram a provocar um cenário de caos no Rio Grande do Sul, fake news horrendas começaram a circular citando a “sabotagem do governo para massacrar os gaúchos”.

    Parte das mentiras foram disparadas por “influenciadores” ( como eu odeio essa palavra) bolsonaristas que usaram da tragédia para se autopromoverem (mais seguidores, mais publis, mais grana), com narrativas absurdas sobre os fatos.

    Propagador de várias fake news sobre a tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, o ex-BBB Dilson Alves da Silva Neto, conhecido como “Nego Di”, afirmou que ficará mais rico se for preso, mesmo após a juíza Fernanda Ajnhorn, do plantão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinar que ele pare de promover novas postagens contendo desinformação sobre a tragédia e indicar uma multa de R$ 100 mil por dia pela reincidência.

    Apesar disso, ele segue desafiando a justiça e disparando novas mentiras. A subcelebridade, que foi desclassificada do Prêmio Ibest pela péssima conduta, disparou: “Se me prenderem, eu passo a Juliette [Freire] em seguidores! A publi [postagens patrocinadas] vai ficar mais cara, vou comprar uma Ferrari e uma casa maior. Vou lançar filme, documentário, vocês que sabem… kkkk”.

    Fake news - Nego Di tem causado revolta por promover oportunismo em meio a tragédia que abala o estado, atrapalhando o processo de resgate. Ele já disparou um vídeo falso em que uma pessoa mente ao dizer que água e comida estão "paradas" em um ponto de coleta e distribuição de doações.Também voltou a dizer que caminhões de doação estavam sendo barrados por não terem nota fiscal, situação que nunca aconteceu e já foi amplamente negada”.

    Ele também estaria usando as redes sociais para afirmar que o governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), e a Brigada Militar estariam impedindo que barcos e jet skis fossem usados para realizar salvamentos na região de Canoas, algo que é mentiroso.

    No seu perfil no X, antigo Twitter, o ex-participante do BBB21 publicou também dois vídeos de pessoas retirando corpos de dentro da água, expondo os cadáveres e gerando revolta dos internautas. A ação foi classificada como Vilipêndio a cadáver, ou seja, significa menosprezar, ultrajar, tratar com desprezo e sem o devido respeito um corpo ou suas cinzas. O vilipêndio de cadáveres é considerado crime contra o respeito aos mortos.

    Além do desrespeito com as vítimas, ocorreu também a misoginia com a primeira-dama Janja Lula da Silva. Em uma outra postagem, o homem chamou-a de “puta”.

    Outro picareta de plantão é o coach de Bolsonaro, Pablo Marçal. Ele, que seria reduzido a um figurante ruim do Zorra Total se não vivêssemos na insanidade Brasil atual, inventou algo grotesco para inflar a população contra o governo: caminhões com donativos estavam sendo barrados a caminho do Rio Grande do Sul- tentando constranger o governo com um pedido de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscar doações arrecadadas em Portugal - viagem que não se justificaria economicamente.

    Além disso, o espertinho ainda disse que estavam exigindo nota fiscal de donativos, algo que foi negado por diversas vezes pelas autoridades.

    Vejam que ainda nem entrei no campo dos parlamentares: Conforme reportagem do jornal O Globo, pelo menos vinte notícias falsas circularam durante este período, sendo amplificadas por políticos e artistas, quase todos ligados à extrema direita. As postagens originais dessas fake news alcançaram 13,46 milhões de visualizações, segundo dados das plataformas. Na última segunda-feira, na Câmara dos Deputados, sete deputados federais foram alvo de uma representação judicial movida pelo PSOL por propagação de fake news durante uma sessão na Casa. Entre os deputados citados estão Filipe Martins (PL-TO), Gilvan da Federal (PL-ES), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Caroline de Toni (PL-SC), General Girão (PL-RN), Coronel Assis (União-MT) e Coronel Ulysses (União-AC). Letícia Capone, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, destacou que as fake news podem causar pânico, dificultar operações de resgate e colocar a segurança pública em risco.

    Solidariedade seletiva: Há também quem se irrite e sabote ações de doações feitas por pessoas do campo progressista. O youtuber Felipe Neto foi alvo de inúmeros ataques de bolsonaristas por, pasmem, promover doações. Sim, fazer o bem irrita o cidadão de bem.

    Com essa narrativa que despreza o que deveria ser o objetivo em comum dessa história, o bem estar da população gaúcha, o cidadão de bem mostra que só existe um objetivo em sua mente adoecida: o mal de Lula, a queda de Lula, o fracasso de Lula. Tudo é sobre Lula. Obsessão braba.

    O que me choca nessa narrativa digna dos gladiadores romanos, é o seu público. Pablos, Nikolas e Negos Dis, em um país salubre, ou estariam na cadeia ou no anonimato. Não seriam aceitos. Seriam rechaçados pela maioria. Seriam execrados pela falta de pudor, pela completa falta de caráter e comprometimento social. Mas são exaltados por milhões, que repetem como zumbis The Walking Dead, suas profecias apocalípticas. Sim: a tragédia no RS escancara a falência moral de parte significativa e importante da sociedade brasileira.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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