“Verdadeiros diretórios partidários”: bolsonaristas, igrejas evangélicas violam a lei e não são punidas
A pedido do 247, a advogada eleitoral Stella Bruna Santo analisou a organização dos atos de Bolsonaro por pastores, e concluiu: ilegalidade é flagrante
A Justiça Eleitoral agiu rapidamente no caso da manifestação de Lula em favor de Guilherme Boulos neste 1o. de Maio e determinou que o vídeo fosse retirado das redes sociais do presidente.
A decisão atendeu a pedido do Partido Novo.
Mas há uma constante violação da legislação eleitoral nos atos de Jair Bolsonaro pelo Brasil que não tem recebido a mesma atenção do Judiciário, até porque não existe reclamação, nem mesmo do Partido dos Trabalhadores ou de parlamentares. É o caso da organização e financiamento de atos políticos públicos por parte das igrejas evangélicas.
A advogada eleitoral Stella Bruna Santo analisou os fatos que envolvem diretamente pelo menos um partido político, o PL, Jair Bolsonaro e uma liderança evangélica, Silas Malafaia. A pedido do 247, ela deu a seguinte entrevista:
1- Como você vê, do ponto de vista da legislação eleitoral, a ação das igrejas evangélicas em favor de Jair Bolsonaro.
O que temos visto nos últimos anos é que uma parte das igrejas evangélicas atua, de forma cada vez mais escancarada, na organização de atividades políticas, e suas sedes estão se transformando em verdadeiros diretórios partidários. O Professor João de Castro Rocha, que estudou a fundo o funcionamento das igrejas evangélicas, já constatou o peso do neopentecostalismo na política. Não à toa, essas igrejas aumentam, a cada processo eleitoral, suas bancadas nos parlamentos e elegem vários governantes por todo o país. Sem falar no papel decisivo que tiveram na eleição do Sr. Bolsonaro. Só que essa mistura explosiva de religião com política, que atinge em cheio a laicidade do Estado e os pilares da democracia, não está tendo um freio, que se faz urgente e necessário. Claro que esses abusos acabam por interferir indevidamente no processo democrático e beneficiam o Partido do Sr. Bolsonaro, do Sr. Malafaia e de seus aliados, o que é proibido pela legislação eleitoral e partidária em vigor.
2 - Pode dar exemplo dessa ação abusiva?
Para ficar apenas nos últimos meses, os atos que levaram os apoiadores do Sr. Bolsonaro às ruas na Av. Paulista, no Rio de Janeiro e no interior de São Paulo, não foram religiosos, mas com viés político-partidário evidente. O Sr. Bolsonaro e o Sr. Malafaia, que estavam à frente dessas manifestações são políticos, certo? E lá agiram como políticos e todos sabem que fazem política 24 horas por dia. Porém, a organização e financiamento desses atos partiu da estrutura gigantesca dessas igrejas, só que essas manifestações e atividades políticas deveriam estar sendo pagas e organizadas pelo Partido do Sr. Bolsonaro e do Sr. Malafaia, que tem a obrigação, pela legislação em vigor, de declarar todas as despesas com total transparência e escriturar os gastos dessas atividades nas respectivas prestações de contas perante a Justiça Eleitoral.
3 - Pode apontar os pontos da legislação que estão sendo violados?
Os Partidos Políticos são os agentes do processo democrático e são eles os responsáveis pelos atos de propaganda político-partidária ou eleitoral. Tais atividades precisam de financiamento, e, como sabemos, atualmente são proibidas as doações de pessoas jurídicas a partidos, que também não podem receber contribuições nem direta nem indiretamente, nem através de publicidade de qualquer espécie, das chamadas fontes vedadas. As igrejas evangélicas estão relacionadas como uma dessas fontes vedadas, já que são entidades religiosas, e, como todas as pessoas jurídicas, não podem beneficiar Partidos, e durante o processo eleitoral, não podem beneficiar suas candidaturas.
Como esses atos e atividades políticas de pastores e igrejas estão gerando gastos em benefício de Partidos, e que não estão sendo declarados, isso já configura um grave ilícito, que viola várias disposições legais. Por um acaso, clubes de futebol, que têm um apelo forte do público, ou torcidas organizadas podem emprestar toda sua estrutura para beneficiar algum Partido? Ou uma rede gigante de supermercados pode atuar politicamente em favor de um político? O mesmo rigor que a Justiça Eleitoral tem agido contra os abusos que são cometidos por pessoas jurídicas também deve ser aplicado às igrejas evangélicas. Hoje o que temos visto é que os aliados políticos dessas igrejas recebem tais contribuições abusivas em completo desrespeito à legislação em vigor e num desequilíbrio crescente aos demais partidos concorrentes. Pior, não declaram absolutamente nada perante a Justiça Eleitoral.
4 - Que providências a sociedade pode tomar para que cessem os abusos?
Hoje a proliferação dessas igrejas evangélicas é gritante, em todas as cidades do país, principalmente pela facilidade que possuem para fazer funcionar suas sedes, já que nem precisam pagar impostos. E temos visto igualmente um aumento do tom político dos discursos de suas lideranças evangélicas, o que revela que já estão em plena campanha neste ano eleitoral. É bom lembrar que eles se utilizam não apenas dos cultos de seus pastores, como também de emissoras de rádio (algumas com potencial de grande repercussão), usam horários nas TVs, fazem jornais impressos, e proliferam até mesmo fake news em suas redes sociais com ataques a governantes e Partidos, ou seja, o que fazem, na verdade, é pura propaganda política ou eleitoral, e muitas vezes com discursos ofensivos, preconceituosos, alguns com mensagens eleitorais diretas, outras vezes subliminares, tudo para atingir seus adversários políticos e beneficiar seus favoritos.
Como até o momento não houve qualquer ação efetiva para brecar tais abusos, e como se agigantaram em proporções geométricas, acredito que será preciso organizar uma força-tarefa entre os militantes partidários e entidades da sociedade civil para que se conscientizem dos males que esse tipo de atuação tem causado à democracia, e se esforcem em coletar provas desses abusos para entrar com medidas perante a Justiça Eleitoral. Não se trata de coibir discussões sobre temas políticos ou manifestações individuais de eleitores e eleitoras evangélicos. Mas são os abusos dessas igrejas que precisam ser coibidos e seus responsáveis punidos, principalmente durante o processo eleitoral que se avizinha.
5 - Quais as consequências? O PL pode ser punido? Que tipo de punição?
Para os atos que já foram realizados, cabem medidas jurídicas perante a Justiça Eleitoral contra o Sr. Bolsonaro, Sr. Malafaia e seu respectivo Partido, eis que realizaram atividades político-partidárias com o uso de recursos de fontes vedadas. Os Partidos interessados e o Ministério Público podem, inclusive, tentar medidas para suspender as próximas atividades, caso continuem sendo custeadas por essas mesmas fontes vedadas.
As medidas jurídicas são diversas, e podem ser apresentadas contra os Partidos desses políticos envolvidos nessas manifestações, cujas respectivas legendas é que deveriam ter organizado, pago e escriturado os gastos relacionados a essas atividades de cunho político-partidário, lembrando que nesses atos trouxeram até mesmo ônibus alugados de vários Estados do país. Em outras palavras, esses Partidos receberam e continuam recebendo contribuições de fontes vedadas, e que se caracterizam como recursos financeiros não declarados. Cabem, ainda, representações por abuso do poder econômico contra todos os organizadores desses atos que visaram beneficiar o Sr. Bolsonaro, seu Partido e seus aliados. Há punições diversas, tanto aos Partidos envolvidos, que podem sofrer uma suspensão de recursos do Fundo Partidário, como também aos dirigentes responsáveis e organizadores, que, comprovadas as condutas irregulares, podem ser punidos com penas que acarretam a inelegibilidade.
6 - Jair Bolsonaro pode ser punido?
Sim, da mesma forma descrita acima, já que ele é um dos maiores beneficiados dessas atividades que estão sendo realizadas. Hoje ele e seu Partido recebem diversos benefícios dessas pessoas jurídicas sem declarar nenhum centavo, e continuam nessa prática como se fosse permitida na lei e na Constituição Federal.
7 - Quem mais?
Todos os envolvidos que pagaram a organização desses eventos, bem como os que foram dele beneficiados podem ser representados perante a Justiça Eleitoral. Repito, o caráter desses atos foi político, com intenções até mesmo de conquistar apoiadores inclusive para as próximas eleições municipais. Aliás, ato evangélico deveria ser organizado e realizado dentro das inúmeras sedes gigantescas que essas igrejas possuem, certo? E basta ouvir os discursos políticos que ali foram proferidos, inclusive da esposa do Sr. Bolsonaro, para atestar que são muitas as condutas irregulares ali praticadas.
8 - Como você vê o argumento de pastores de que estão usando dinheiro do próprio bolso?
Pessoa física pode contribuir com partidos políticos e para as campanhas eleitorais, mas dentro dos limites estabelecidos em lei, cujas doações devem ser devidamente declaradas nas prestações de contas dos Partidos. Um grupo de pastores, portanto, não pode financiar comícios de viés político-partidário em substituição às atividades que são próprias dos Partidos, nem convocar atos para afrontar as instituições brasileiras, o que é vedado até mesmo pela Constituição Federal. Já pensou se de fato essas contribuições indiretas passassem a ser permitidas? Aí teremos os padres das igrejas católicas organizando comícios para beneficiar candidaturas de sua preferência, clubes, donos de bares, cinemas, redes de supermercados, enfim, tudo que é proibido por pessoa jurídica passará a ser permitido, certo? Dessa forma, não pode haver permissão, sob o manto da religiosidade, para que parte das igrejas evangélicas continue a ter essa atuação abusiva, que, ademais, têm um objetivo claro, que é o de conquistar cada vez mais o poder político. É preciso ter um basta!
Como já disse acima, qualquer ato de propaganda política precisa ser de responsabilidade e assumido pelo respectivo Partido, que, aliás, está proibido de fazer propaganda incitando a população contra as instituições ou seus representantes, nem pode criar estados mentais ou artificiais que provoquem animosidade contra as instituições brasileiras, tampouco incitar ódio, violência ou desobediência às leis. Mas basta analisar os discursos desses pastores políticos, amplamente disseminados pelas redes sociais dos evangélicos, para verificar que se trata de pura propaganda política; usam e abusam da estrutura de suas igrejas para aumentar suas bases político-eleitorais, o que é proibido e precisa ser coibido. É preciso que a sociedade preste atenção nessa anomalia. Se não houver um freio imediato, num breve espaço de tempo, como já alertaram vários estudiosos do tema, veremos a instalação definitiva de um Estado teocrático, cujos embriões já funcionam em pleno vapor, e que acabam por abrir o caminho para o fim da democracia em nosso país.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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