"A democracia está visivelmente ameaçada", diz André Singer
Em entrevista a Juca Kfouri, o cientista político da USP avalia o papel do mercado, a tensão sobre a democracia e as perspectivas do governo Lula
247 – No último fim de ano, o jornalista Juca Kfouri conversou com o professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, André Singer, sobre os principais desafios políticos para 2025 e a relação conflituosa entre governos e mercado. Ex-homem de comunicação nos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, André Singer analisou o papel do capital financeiro na política, a comunicação do governo com a população e a atual polarização brasileira. Segundo ele, há uma evidente “tensão sobre a democracia” em escala mundial, fruto das pressões econômicas e de uma espécie de “velha luta de classes” adaptada aos tempos contemporâneos.
“Nós estamos hoje passando por um período em que a democracia está visivelmente ameaçada. Na minha opinião, não é um fenômeno passageiro, mas algo duradouro”, observou o cientista político, fazendo referência ao contexto internacional, em especial ao que ocorre nos Estados Unidos.
Singer destacou a dificuldade de o governo Biden melhorar as condições de vida da maioria do povo norte-americano a ponto de consolidar um sucessor. De acordo com o professor, essa situação de impasse é semelhante à experimentada por muitos governos democráticos, incluindo o do presidente Lula, sobretudo diante de mercados que parecem “vender pessimismo” e “apostar contra” as políticas públicas de combate às desigualdades.
Mercado, otimismo e comunicação
Um dos temas centrais abordados por Juca Kfouri foi a relação do governo Lula com o mercado, que, apesar de apresentar indicadores econômicos favoráveis – como redução do desemprego e queda da pobreza absoluta – permanece cético quanto às perspectivas de crescimento. Sobre isso, André Singer afirmou:
“Esse é o conflito central que não ocorre apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Os governos democráticos encontram dificuldade para responder às pressões exercidas pelo capital”.
Singer também foi questionado se há, de fato, um problema de comunicação por parte do governo. Para o professor, ainda que toda gestão pública possa melhorar suas estratégias de divulgação, não acredita que seja esse o “x” da questão:
“O governo tem comunicado o que faz, da maneira como pode. Sempre há espaço para aperfeiçoar, mas não vejo que esse seja o ponto fundamental. Na verdade, os problemas de fundo são aqueles mencionados antes, ligados a uma espécie de impasse global”.
Entrevista do presidente Lula em emissora de TV
Juca Kfouri trouxe à tona as críticas que Lula recebeu por ter concedido entrevista ao Fantástico, após sair do hospital, em vez de privilegiar canais considerados mais progressistas. Para Singer, não há como um presidente “evitar falar para a Rede Globo”, dada a importância do grupo na formação da opinião pública:
“É importante o presidente também se relacionar com veículos alternativos, mas ele governa para todos. Não dá para ignorar os grandes veículos, nem deixar de dialogar com eles”.
Polarização, pesquisas e bolsonarismo
A polarização política e as pesquisas de opinião que mostram o Brasil dividido entre opiniões “bom/ótimo”, “ruim/péssimo” e “regular” sobre o governo foram analisadas. Para André Singer, essa divisão não é surpresa, mas preocupa quando desemboca em atitudes ou discursos autoritários:
“O problema não é a democracia ser dividida, pois faz parte do processo. O problema é a inclinação antidemocrática de uma parcela significativa da população”.
Questionado se existiria um “bolsonarismo moderado”, Singer foi categórico:
“Não acho que exista, mas há um bolsonarismo que tenta passar uma aparência moderada. Trata-se de uma estratégia para angariar votos e governar, mas, no fundo, a base segue ligada a setores que defendem visões autoritárias”.
Tarcísio de Freitas e a dança política
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro do governo Bolsonaro, foi apontado como exemplo de político que procura manter diálogo com diversos segmentos, mas sem romper com o bolsonarismo. Para Singer, trata-se de uma “dissimulação calculada” que objetiva não desagradar a base bolsonarista e, ao mesmo tempo, conquistar apoios em outros campos.
Outro ponto enfatizado por André Singer é o poder do Congresso, frequentemente controlado por partidos de centro, o chamado “Centrão”, que tende a flutuar de acordo com interesses momentâneos. O professor avaliou que esse fenômeno não é recente, mas ficou mais forte a partir de 2015, durante a presidência da Câmara por Eduardo Cunha, e se consolidou com práticas como as emendas de relator (conhecidas como “orçamento secreto”):
“Não é aceitável que haja destinação de parte do orçamento sem transparência. Isso é objeto de um tremendo conflito, pois não se pode ignorar a importância do Congresso, mas também não se pode admitir mecanismos que fujam ao controle público”.
Impeachment de Dilma e a questão do golpe parlamentar
Ao ser abordado sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Singer defendeu a tese de que se tratou de um “golpe parlamentar”, baseado na expressão cunhada por Vanderlei Guilherme dos Santos:
“O impeachment não teve comprovação de crime de responsabilidade, pois as chamadas ‘pedaladas fiscais’ já eram práticas corriqueiras e aceitas em outros momentos. Tinha um claro componente político que se sobrepôs a qualquer aspecto jurídico”.
STF como guardião da democracia
Por fim, Singer comentou o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) na defesa da democracia, lembrando que houve momentos excepcionais em que o Judiciário precisou agir de forma mais ativa, sobretudo após os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro. Ele concluiu que o STF tem, sim, sido decisivo para conter avanços autoritários:
“Devemos muito ao STF. Em vários episódios, o tribunal atuou para resguardar as instituições, ainda que algumas ações possam ter sido monocráticas ou exageradas. O fundamental é que tem havido a preservação do Estado Democrático de Direito”.
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