“Eu fui boicotada pela indústria e ninguém nunca soube”, revela Joyce Moreno
Em entrevista a Hildegard Angel, cantora fala sobre machismo, espiritualidade, inteligência artificial e sua luta silenciosa contra o mercado fonográfico
247 - Em uma longa e comovente entrevista concedida a Hildegard Angel, na TV 247, a cantora, compositora e violonista Joyce Moreno, referência absoluta da música popular brasileira, expõe com clareza e serenidade os bastidores de uma trajetória artística marcada por resistência, coerência e discrição. Com mais de 400 músicas compostas, quatro indicações ao Grammy Latino e gravações com alguns dos maiores nomes da MPB — de Elis Regina a Milton Nascimento —, Joyce construiu uma carreira internacional sem jamais se dobrar às imposições da indústria.
“Eu fui boicotada pela indústria e ninguém nunca soube”, afirmou com firmeza. O episódio, segundo ela, ocorreu após se recusar a permitir que uma gravação sua fosse usada com a voz de outra cantora. “Era eu que estava tocando, eu que tinha feito o arranjo, o vocal de apoio. Só tiraram minha voz principal. Quando questionei, disseram: ‘a gente pode’. Pedi para retirarem a faixa do disco, e ele teve que sair do mercado.” O preço? Um boicote articulado por um produtor com os presidentes das principais gravadoras brasileiras. “A intenção era que eu nunca mais fosse contratada.”
Foi então que Joyce recebeu seu primeiro convite para se apresentar no Japão. Sem alarde, como tem sido toda sua trajetória, sua música ganhou o mundo. A cantora jamais fixou residência no exterior, mas passou a gravar por selos internacionais e fazer turnês constantes na Europa, Estados Unidos e Ásia. “Vocês não querem aqui? Tudo bem. A carreira foi pro exterior. E deu muito certo”, resume.
A conversa entre Joyce e Hildegard resgata memórias afetivas, como o teste para o musical Noviça Rebelde, no Teatro João Caetano, onde se conheceram. Com afeto e bom humor, Joyce narra os encontros com artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes — e a admiração por compositores como Pacífico Mascarenhas, que a lançou aos 15 anos. “Foi meu primeiro cachê, minha primeira experiência profissional. E ele também lançou o Milton.”
Joyce relembra ainda os desafios de ser uma mulher compositora nos anos 1960, escrevendo letras no feminino. “Na época, diziam que era indecente. Eu fui a maluca que fez isso. E por causa disso, apanhei muito.” Mesmo enfrentando o machismo do meio musical, nunca cedeu ao vitimismo. “Esperei o momento certo para falar.”
Ela também se debruça sobre o impacto da transformação digital na carreira dos músicos. “Construí minha casa com direitos autorais. Hoje, ninguém mais vai conseguir isso. Somos obrigados a voltar pra estrada com o violão nas costas. As plataformas de streaming nos exploram: são 20 mil audições para ganhar R$ 3.” Além disso, alerta para o uso da inteligência artificial na criação de músicas: “estão colocando faixas geradas por IA nas playlists dos artistas, sem aviso. É uma coisa horrorosa.”
Mesmo crítica ao presente, Joyce enxerga na arte ao vivo uma forma de resistência. “É a última forma de arte em que se pode acreditar. Não há mentira. Está acontecendo ali, na sua frente.” E conclui: “nós, músicos e atores, somos a resistência.”
Fiel à sua espiritualidade, Joyce conta que se reencontrou com a doutrina espírita aos 30 anos. “Quando comecei a ler Kardec, Emmanuel e André Luiz, parecia que já sabia tudo. Foi como voltar pra casa.” Formada em Jornalismo, ela chegou a estagiar no Jornal do Brasil, mas nunca exerceu a profissão. “A música me chamou e eu não olhei para trás.”
Hoje, aos 77 anos, segue ativa, produzindo, se apresentando e compondo. Mãe de quatro filhas e avó de sete netos, casada há 48 anos com o baterista Tutty Moreno, celebra uma vida construída com autenticidade. “Nunca tive a sensação de que o casamento seria pra sempre. Mas estamos juntos até hoje. Construímos a casa do zero.”
Entre risos, fala de sua nova música, Velha Maluca, feita para marcar seus 70 anos e ironizar o etarismo: “Se é assim, então eu quero ser a velha maluca. A velha maluca é sábia, é santa, é bruxa. Já viu coisas demais.” Para Joyce, assumir a idade é um ato de coragem e legitimidade. “Você só quer estar bem. Não quer ser o que não é.”
Sem jamais se curvar às pressões estéticas ou mercadológicas, Joyce segue sendo o que sempre foi: música em estado puro. “Eu sou o que eu sou. Quem quiser gostar, muito bem.” Assista:
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