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    “Meu pai foi morto na ditadura por ser gay”, diz Solange Jobim e Souza

    Solange Jobim e Souza conta como sua busca por respostas revelou verdades ocultas sobre a perseguição a homossexuais na ditadura militar

    (Foto: Divulgação )
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    247 - Por décadas, a professora e pesquisadora Solange Jobim e Souza carregou um vazio na alma. Aos 16 anos, em 1968, ela recebeu a notícia da morte de seu pai, comunicada por um estranho à porta de sua casa. O evento trágico marcou o início de um mistério que atravessou gerações e revelou as entranhas de uma ditadura que perseguiu, silenciou e apagou histórias. O depoimento de Solange foi compartilhado em uma entrevista à TV 247 no programa “Conversas com Hildegard Angel”.

    O caso foi abafado pela narrativa oficial, que estampou nos jornais da época uma manchete grotesca: "Professor matou travesti e se suicidou". Desde o início, a jovem Solange percebeu a incoerência dessa versão. Sem investigação ou explicação, a história foi soterrada por anos de silêncio, tanto na mídia quanto na própria família. "Minha mãe, meus parentes, todos agiram como se nada tivesse acontecido, como se ele simplesmente tivesse desaparecido", relembra.

    Um pai e uma figura de inspiração

    Solange descreve o pai como uma figura carismática, intelectual e presente em sua vida. Professor dedicado, era frequentemente homenageado como paraninfo de turmas. Ele a incentivou a ler desde cedo, construindo um ambiente familiar repleto de livros e discussões literárias. Essa relação profunda e afetuosa fez com que Solange nunca aceitasse as acusações contra ele.

    “Eu me recusava a acreditar naquela história absurda”, afirma. “Mesmo sem compreender plenamente o que estava acontecendo, sabia que aquilo era uma distorção monstruosa do que meu pai era.”

    A construção de uma verdade esquecida

    Décadas depois, a busca por respostas ganhou novos contornos. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue pela então presidente Dilma Rousseff, trouxe à tona histórias de perseguição a homossexuais durante o regime militar. Solange, ao assistir à transmissão, sentiu que era o momento de começar a falar. "Foi ali que percebi que a história do meu pai estava conectada a algo maior: a violência sistemática contra quem era considerado 'diferente' pelo regime", diz.

    A partir dessa revelação, Solange mergulhou em pesquisas. Encontrou um registro da exoneração de seu pai de uma escola pública em 1965, sem justificativa aparente. Descobriu também, em 2021, uma cópia da matéria original da Gazeta de Notícias, após uma investigação na Biblioteca Nacional. Além disso, localizou o túmulo do pai, em uma gaveta anônima no cemitério São João Batista, onde finalmente pôde instalar uma placa com seu nome e datas de vida.

    Uma luta que transcende o pessoal

    Ao longo dos anos, Solange transformou seu luto em uma busca por justiça histórica. Como professora, orientou teses e dissertações que abordavam a questão da homossexualidade e suas complexas interseções com a ditadura militar. "Enquanto orientava meus alunos, aprendi com eles sobre realidades que eu desconhecia, mas que me ajudaram a entender a vida clandestina que meu pai talvez tenha vivido", relata.

    Ela cita, como referência, o livro “Ditadura e Homossexualidade”, organizado por James Green e Renan Quinalha, que aborda a perseguição de pessoas LGBTQIA+ durante o regime militar. Para Solange, dar visibilidade a essas histórias é essencial: "Homens e mulheres foram silenciados, apagados da história, e ainda hoje muitos continuam sem nome."

    Uma história que inspira e encoraja

    O relato de Solange não é apenas uma jornada pessoal, mas também um chamado para que outras famílias enfrentem seus próprios silêncios. "A ditadura não apenas matou e desapareceu com pessoas, mas também destruiu reputações e criou estigmas que atravessaram gerações", afirma.

    Hoje, aos 72 anos, Solange compartilha sua história com grupos de direitos humanos e movimentos LGBTQIA+, na esperança de que outros possam encontrar força para desafiar o esquecimento. "Minha maior conquista foi reconstruir a imagem do meu pai. Ele não era o monstro que quiseram pintar. Era um homem íntegro, afetuoso e profundamente humano." Assista: 

     

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