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      "O Brasil está concluindo sua longa transição democrática", diz Boaventura de Sousa Santos

      Sociólogo Boaventura de Sousa Santos alerta para os desafios democráticos do Brasil e a ascensão da extrema-direita mundial

      (Foto: ABR)
      Dafne Ashton avatar
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      247 – O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirmou, em entrevista ao programa Giro das Onze, da TV 247, que o Brasil está concluindo uma transição democrática que se estende desde o fim da ditadura militar, em 1985. Para ele, as recentes investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e a tentativa de impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcam um ponto de inflexão na história política do país. "O Brasil tem uma longa transição democrática que é praticamente entre 1985 e 2025", afirmou.

      Boaventura ressaltou que pela primeira vez "pessoas e lógicas políticas golpistas estão sendo questionadas e responsabilizadas no Supremo Tribunal Federal (STF)”, o que representa um avanço na consolidação democrática. No entanto, ele alerta para um cenário político preocupante nas próximas eleições presidenciais no Brasil, destacando o papel da extrema-direita global e a influência de figuras como Elon Musk. "O horizonte para as próximas eleições é muito perturbador", avaliou. Ele citou o caso da Alemanha, onde Musk interferiu no processo político ao defender a extrema-direita, e questionou: "Se ele fez isso na Alemanha, por que não faria no Brasil?".

      O sociólogo demonstrou preocupação com a vitalidade da esquerda brasileira diante deste cenário. "Não estou a ver a vitalidade da esquerda para enfrentar este grande desafio", disse, acrescentando que observa a construção de uma narrativa para enfraquecer Lula, similar à que foi utilizada contra o presidente norte-americano Joe Biden, associando-o à falta de capacidade mental. Segundo Boaventura, essa estratégia foi evidenciada em um artigo recente da jornalista Mônica Bergamo, que teria sugerido que Lula estaria "desconectado da realidade" diante de sua queda de popularidade. "Podemos estar a criar uma ideia de que Lula não tem condições para se recandidatar", alertou.

      A relação dos Estados Unidos com a esquerda latino-americana também foi um ponto abordado na entrevista. Para Boaventura, um dos principais equívocos da esquerda brasileira foi acreditar que poderia contar com os Estados Unidos como um aliado. "A esquerda brasileira depois da ditadura foi muito irrealista em relação aos Estados Unidos", afirmou, lembrando o caso da espionagem da ex-presidente Dilma Rousseff pelo governo de Barack Obama. Ele ainda criticou a posição do Brasil em relação à Venezuela dentro do BRICS, considerando que o veto de Lula à entrada do país no bloco não trará benefícios ao Brasil. "Os Estados Unidos só têm um aliado: os seus próprios interesses", pontuou.

      A crise política nos Estados Unidos também foi um tema abordado por Boaventura, que considera o país "à beira de uma guerra civil". Ele afirmou que "uma percentagem significativa da população acredita que os problemas do país só se resolvem através de uma guerra civil interna" e que o sistema político norte-americano é, na realidade, controlado pelo chamado "Deep State", uma estrutura subterrânea de poder. Segundo ele, o ex-presidente Donald Trump "pode ser eliminado" caso ameace os interesses desse sistema. "No momento em que seja visto pelo Deep State que Trump está a pôr em causa o sistema, matam-no", afirmou, citando o assassinato de John F. Kennedy como um exemplo histórico da violência política norte-americana.

      Na Europa, Boaventura de Sousa Santos destacou o crescimento da extrema-direita como um fenômeno impulsionado pela crise econômica e pela falta de alternativas para a população. "A extrema-direita cresce na Europa porque as pessoas estão em um profundo mal-estar social e econômico", disse. Para ele, os países europeus estão enfrentando um processo de declínio irreversível, agravado pelas sanções contra a Rússia e a dependência econômica dos Estados Unidos. "O dinheiro que vai para as armas não vai para a educação, não vai para o serviço nacional de saúde, não vai para as classes médias europeias", enfatizou.

      Sobre a crise da esquerda global, Boaventura criticou a falta de um projeto alternativo ao capitalismo e a forma como as esquerdas foram cooptadas por ideias do próprio sistema. Ele defendeu que a esquerda precisa se reconectar com conceitos de "bem viver" e romper com a lógica do desenvolvimento baseado no consumo exacerbado. "O grande problema da esquerda é que é contra nós agora, contra a nossa maneira de pensar. O inimigo está cá dentro, nas subjetividades", afirmou.

      Ao finalizar sua participação, Boaventura defendeu a necessidade de reinvenção da esquerda para enfrentar os desafios do século XXI e sugeriu um maior protagonismo dos movimentos sociais e das comunidades tradicionais. "A esquerda tem que buscar outros pensamentos. Os povos indígenas, os quilombolas, os movimentos sociais têm muito a nos ensinar. A crise ecológica, a crise social e a crise política só serão superadas com um novo paradigma de sociedade". Assista: 

       

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