O que a História ensina sobre grandes transformações geopolíticas
Professor Zhou Qiren reflete sobre a encruzilhada entre paz e guerra no contexto da disputa entre Estados Unidos e China
247 – O intelectual Zhou Qiren, professor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim, abordou os desafios geopolíticos contemporâneos e seus impactos econômicos durante o Caixin Summit em Singapura. Em sua análise, publicada pelo Caixin, Zhou traçou um paralelo entre transformações históricas e o momento atual, questionando se a era de "paz e desenvolvimento" ainda define nosso tempo ou se o mundo caminha para uma nova fase de instabilidade.
O professor relembrou sua própria experiência ao ingressar na universidade após a reintrodução do exame nacional de admissão, que havia sido suspenso por 11 anos durante a Revolução Cultural Chinesa. Ele destacou que, no início dos anos 1980, Deng Xiaoping reformulou a visão chinesa do mundo ao substituir a lógica de "guerra e revolução", influenciada pelo modelo soviético, pela nova diretriz de "paz e desenvolvimento". Essa mudança permitiu a expansão econômica impulsionada pelas reformas e pela abertura do país.
No entanto, Zhou observou que, no relatório do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, realizado em 2022, a expressão "paz e desenvolvimento" não foi mencionada. Em seu lugar, o documento afirmou que "o mundo está em uma encruzilhada histórica e o futuro dependerá das escolhas dos povos de cada nação". Para Zhou, essa mudança levanta uma questão crucial: essa encruzilhada significa uma escolha entre paz e guerra?
A armadilha de Tucídides e o dilema das potências emergentes
Zhou abordou a teoria da "Armadilha de Tucídides", conceito popularizado pelo historiador Graham Allison em seu livro Destined for War. O argumento central é que guerras frequentemente ocorrem quando uma potência emergente provoca temor em uma potência estabelecida, tal como aconteceu com Atenas e Esparta na Grécia Antiga. O professor visitou Allison na Universidade de Harvard em 2019 para compreender melhor sua perspectiva.
Segundo Zhou, a pesquisa de Harvard examinou 16 casos de disputas entre potências nos últimos 500 anos e constatou que 12 resultaram em guerras, enquanto apenas quatro foram resolvidos pacificamente. No entanto, Allison enfatiza que a guerra não é inevitável e que o futuro depende das estratégias adotadas pelas nações envolvidas.
"O que a Armadilha de Tucídides nos ensina é que estamos, de fato, em uma encruzilhada histórica", refletiu Zhou.
O papel das pessoas comuns nas grandes mudanças
Zhou destacou que, durante a era de "paz e desenvolvimento", foram as pessoas comuns que impulsionaram a economia. Agricultores reformaram o setor agrícola, trabalhadores migrantes mudaram-se para as cidades, empreendedores privados criaram fortunas e inovadores aplicaram novas tecnologias. "Agora que a humanidade enfrenta uma encruzilhada entre paz e guerra, como essas pessoas comuns responderão? Como seus futuros serão moldados?", questionou.
Para ilustrar o impacto das mudanças históricas, Zhou compartilhou sua visita a Quanzhou, cidade chinesa reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial em 2021. Durante as dinastias Song (960-1279) e Yuan (1271-1368), Quanzhou era um dos maiores portos da Rota Marítima da Seda, atraindo mercadores do Oriente Médio, Índia, Sudeste Asiático, Japão e Coreia. O professor ressaltou que a prosperidade da cidade decorreu da migração massiva para o sul da China entre os séculos VIII e XIII, gerando novas redes comerciais e inovações econômicas.
A economia global em tempos de conflito
Zhou citou a obra The Economic Consequences of the Peace, de John Maynard Keynes, publicada em 1919, para destacar as consequências devastadoras das tensões geopolíticas. Keynes alertava que os termos severos impostos à Alemanha pelo Tratado de Versalhes levariam ao colapso econômico do país, criando as condições para o surgimento de regimes extremistas.
"Se os esforços pela paz falharem, incontáveis vidas e recursos serão desperdiçados, e economias que prosperaram em tempos de paz serão convertidas em economias de guerra", advertiu Zhou.
No entanto, o professor reconheceu que grandes deslocamentos geopolíticos também podem gerar novos centros de crescimento. Ele citou exemplos como a ascensão das cidades portuárias chinesas após a instabilidade no norte do país, o impacto das navegações atlânticas após a ascensão do Império Otomano e o florescimento econômico dos Estados Unidos após as duas guerras mundiais.
"Na cultura ocidental, há um ditado: 'Quando uma porta se fecha, outra se abre'. Laozi disse algo similar: 'A fortuna se esconde dentro do desastre'. Esses são ensinamentos valiosos para os tempos em que vivemos", refletiu Zhou. Ele finalizou sua palestra deixando uma pergunta para a audiência: "Como as pessoas comuns devem responder aos desafios do nosso tempo? E como os epicentros do crescimento global mudarão em função da intensidade dos conflitos?".
A fala do professor Zhou Qiren no Caixin Summit oferece uma reflexão profunda sobre o papel da história na compreensão do presente e as incertezas que o mundo enfrenta. Diante de um cenário incerto, sua análise destaca que a direção futura dependerá das escolhas das nações e dos indivíduos.
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