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    Dez anos depois, sobrevivente do Massacre de Odessa recorda ‘ucranização forçada’ imposta por Kiev

    Ekaterina Fóteva relata como pessoas de etnia russa que viviam na Ucrânia passaram a ser perseguidos e mortos após o Euromaidan

    Segundo Ekaterina Fóteva, Estados Unidos e países da OTAN estimulam as ações de grupos neonazistas na Ucrânia desde 2014 (Foto: Stefani Costa/OperaMundi)

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    Por Stefani Costa, de Donetsk (Opera Mundi) - No dia 2 de maio de 2014, mais de 40 pessoas foram encurraladas e mortas durante um ataque seguido por um incêndio provocado por grupos neonazistas na Casa dos Sindicatos em Odessa (cidade ucraniana às margens do Mar Negro). O episódio que ficou conhecido como “Massacre de Odessa” completa nesta quinta-feira (02/05) dez anos, mas para Ekaterina Fóteva, uma das sobreviventes daquela tragédia, as fortes lembranças se repetem diariamente.

    Para ela, o conflito não começa em 2022, como é veiculado em muitos meios de comunicação, principalmente entre as agências europeias. Após o início da operação militar russa nos territórios ucranianos, as tensões e a dramática situação dos habitantes daquele país apenas se agravaram.

    Mergulhada em um conflito armado desde o surgimento dos movimentos “Euromaidan”, que culminaram no golpe contra o presidente Víktor Yanukóvytch em 2014, a guerra civil que foi instalada na Ucrânia foi deixando marcas profundas em um povo instrumentalizado e dividido pelos interesses bélicos e econômicos das grandes potências ocidentais. Hoje, aos 44 anos, a tradutora, que também se interessa pela língua portuguesa e pelas novelas do Brasil, concedeu uma entrevista exclusiva a Opera Mundi para contar um pouco sobre a sua vida, luta e perseverança.

    Nascida ainda na antiga União Soviética, Ekaterina traçou um fio entre o fim daquela experiência socialista, a independência da Ucrânia, a disputa pela identidade cultural, o crescimento da russofobia e a luta das regiões do Donbass contra o governo de Kiev que, apoiado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), permanece seguindo as ordens dos Estados Unidos para o prolongamento da guerra.

    “Barack Obama confirmou isso no início de 2015 em uma entrevista ao canal CNN, dizendo que Washington foi o “intermediário no processo de transferência do poder na Ucrânia”, comentou. Aqui teremos a oportunidade de conhecer a trajetória dessa mulher e a sua impressionante história de resistência.

    Opera Mundi: onde você nasceu e como foi a sua formação social e política na antiga União Soviética?

    Ekaterina Fóteva: Nasci em Odessa, quando a cidade, territorialmente, estava localizada na República Socialista Soviética da Ucrânia, mas que naquele então já era uma cidade totalmente russa. Os russos de Odessa eram um núcleo cultural, e para os outros 100 grupos étnicos que viveram em nossa cidade desde a sua fundação, o russo era a língua franca. Também havia muitas pessoas com sangue misturado. Os meus pais me ensinaram desde a infância que não há nações más, só há pessoas más, e que nunca devemos julgar uma pessoa pela sua origem, mas pelas coisas que faz. Claro que nem todos eram assim, porém a maioria tratava com respeito um ao outro.

    Em 1991, quando eu tinha onze anos, a União Soviética deixou de existir. A Ucrânia obteve a sua independência sem lutar, pois foi obtida como um presente da Rússia. Odessa fez parte da recém-criada Ucrânia. De repente, os nossos professores na escola comunicaram-nos que a nossa língua natal era ucraniana, e a língua russa era uma língua estrangeira. Anunciaram isso falando em russo.

    A partir daí, começou a “ucranização” forçada. O status do idioma russo foi sendo rebaixado a cada ano. Foi um processo longo e sistemático. Na Ucrânia de hoje, a língua russa só pode ser usada em situações informais. Em casa, por exemplo, falando com os familiares. No que diz respeito à minha formação política, nunca fui integrante de nenhum partido. Não posso dizer quais ideologias correspondem mais ao meu ponto de vista. Digamos que ainda estou à procura. Mas o futuro da minha cidade e do meu país (com isto entendo todo o território da antiga União Soviética) sempre foi importante para mim. É por isso que sempre tentei acompanhar a situação.

    Como era a sua vida em Odessa antes dos movimentos Euromaidan e do golpe contra o presidente ucraniano Viktor Yanukóvytch?

    Víktor Yanukóvytch foi eleito presidente da Ucrânia em 2010. Nós, que vivíamos no sudeste do país (incluindo Odessa), nos sentimos aliviados, pois foi uma derrota de Viktor Yushchenko naquelas eleições. Tínhamos esperança de que Yanukóvytch mudasse o rumo político da Ucrânia, uma vez que era um candidato pró-russo. De fato, desde aquele ano, houve algumas mudanças, inclusive na política econômica e cultural. Os laços econômicos com a Rússia foram desenvolvidos. Isso ajudou a melhorar o nível de vida na Ucrânia. Além disso, foram adotadas certas leis que elevaram um pouco o status do idioma russo. No entanto, Yanukóvytch não resistiu à pressão do Ocidente e inclinou-se ao Acordo de Associação entre a União Europeia e a Ucrânia. Os meios de comunicação social ucranianos, sem dúvida controlados por certos círculos políticos do Ocidente, gritavam que este acordo quase equivalia à adesão da Ucrânia à União Europeia.

    Eles traçaram uma imagem muito otimista do futuro do país como membro da União Europeia. O principal postulado desta propaganda era a possibilidade de adotar o regime de isenção de vistos para os ucranianos que viajam a Bruxelas. Como se fugir do país fosse a coisa mais desejada na vida. Mas então Yanukóvytch foi ajudado por peritos que abriram os olhos para o Acordo de Associação. O seu veredicto era muito pessimista. Entre outras coisas, a conclusão do acordo levou à destruição total da economia ucraniana.

    Nessa altura, Yanukóvytch anunciou que a Ucrânia suspenderia temporariamente a conclusão do acordo com a União Europeia. Não se tratava de rejeitar o acordo, apenas de o adiar para negociar condições mais favoráveis para a Ucrânia. A partir deste momento, desde o outono de 2013, começaram os protestos no Maidan que levaram ao golpe de Estado e à guerra civil que já dura mais de uma década.

    No início, protestavam no Maidan (ou na Praça da Independência em Kiev) eram pacíficas. Os manifestantes, especialmente os jovens, insistiam que Yanukóvytch tinha roubado-lhes o seu grande sonho: poder viajar para a Europa livremente, sem vistos. Mas logo as jovens que davam cravos para os policiais foram substituídas por grupos paramilitares armados com paus, barras de ferro e algumas armas de fogo. Atacavam, feriam, queimavam e matavam os policiais. Tinham em suas roupas e em seus escudos símbolos muito parecidos aos que tinham sido usados no Terceiro Reich. Falavam algo sobre a pureza racial… Seu herói era o Stepan Bandera, um colaborador de Hitler. Com seus slogans incitavam a matar os russos, glorificavam o nazismo.

    O que tem a ver o adiamento do Acordo de Associação entre a Ucrânia e a União Europeia com os neonazis ucranianos?

    Deus sabe… Yanukóvytch, querendo evitar a escalada do conflito, fez muitas concessões, incluindo a amnistia de todos os manifestantes e as eleições extraordinárias que os líderes da oposição com certeza ganhariam. Entretanto, eles não buscavam um caminho pacífico. O objetivo deles era derrubar o presidente legítimo, Yanukóvytch, com efeito imediato. E eles cometeram um golpe de Estado no final de fevereiro de 2014. Yanukóvytch foi forçado a fugir do país para não ser morto pelos golpistas.

    Odessa, como uma cidade principalmente russófona, e como outras cidades do sudeste da Ucrânia, se opôs a esses protestos armados e ilegítimos, assim como se opôs ao golpe de Estado. Em resposta aos atos ilegítimos, em 22 de fevereiro de 2014, em Odessa, surgiu o movimento Anti-Maidan. Me juntei a esse movimento desde o início, porque não queria que a Ucrânia se tornasse um Estado nazi, mesmo que isso tivesse consequências. Não queria recusar minha língua natal, minha história, minha cultura.

    Havia muita gente contra os movimentos “Maidan” em Odessa? Além da legítima luta contra o nazismo, quais eram as principais reivindicações?

    O Anti-Maidan de Odessa era muito numeroso. Dezenas de milhares de pessoas participaram nas manifestações e nas marchas pacíficas. Naquela época ainda tínhamos ilusões de que o conflito pudesse ser resolvido com métodos pacíficos. Exigimos a federalização da Ucrânia. Isso permitiria a cada região do país decidir a sua política cultural, a sua língua predominante, os seus próprios herois e a sua história. Todavia, os novos líderes de Kiev não nos escutavam e as autoridades locais hesitavam esperando para saber qual das duas partes ganharia. Chamavam-nos “separatistas”, embora não se tratasse da separação de Odessa, apenas da federalização do país.

    A Primavera começou em março, a Crimeia voltou à Rússia. Em Donetsk e Lugansk, as forças Anti-Maidan estavam vencendo e os representantes da administração local fugiram para Kiev. O povo de Donbass não teve escolha e tomou o poder em suas mãos. Então, Olexandr Turtchynov, o “presidente interino” (um posto que não existe na Constituição da Ucrânia), anunciou a tal “Operação Antiterrorista” contra o Donbass. Muitas pessoas chamaram-lhe de “Operação Terrorista”, porque era, de fato, uma operação punitiva contra o seu próprio povo. Em Odessa, os acontecimentos eram mais lentos. Continuavam as concentrações Anti-Maidan na praça Kulykove Pole, em frente à Casa dos Sindicatos.

    Havia gente em Odessa que apoiava o golpe de Estado, mas em uma concentração muito pequena. Não podiam nos esmagar. As autoridades locais recebiam ordens de Kiev para dissolver os manifestantes Anti-Maidan. No entanto, não ousavam recorrer a métodos violentos, ainda mais pelo fato de termos sido pacíficos e por termos também agido dentro da lei.

    A partir de quando compreende que batalhões neonazistas estavam sendo financiados para perseguir as populações russófonas na Ucrânia? O Ocidente (Estados Unidos e OTAN) tem um papel direto neste fortalecimento?

    Bastava olhar para os nacionalistas do Maidan para entender que estavam sendo financiados. Tinham todo tipo de equipamento necessário, algo parecido com um uniforme, remendos, capacetes, paus, escudos… E, logo, armas de fogo. Eles desfrutavam de comida e assistência médica grátis. Evidentemente recebiam auxílios diversos, inclusive monetários. De outro modo, não se poderia explicar como e com o quê viviam esses jovens durante tantos meses. Não trabalhavam em lado nenhum, porque passavam o tempo todo em funções no Maidan.

    Além disso, muitos não eram residentes de Kiev, vinham de diferentes outras cidades. Portanto, alguém pagava por suas longas estadias na capital da Ucrânia. Todos se lembram das fotos em que Victoria Nuland (conselheira de segurança nacional do Departamento do Estado dos Estados Unidos) distribuía biscoitos no Maidan. Depois admitiu que seu país havia investido no golpe de estado ucraniano uma grande quantia de dólares.

    Muitos outros políticos americanos e europeus vinham à Ucrânia, incluindo John McCain, Joe Biden e outros. Eles não escondiam o fato de que apoiavam e financiavam os movimentos do Maidan, grupos neonazistas inclusos. Barack Obama confirmou isso no início de 2015 em uma entrevista à CNN, dizendo que Washington foi o “intermediário no processo de transferência do poder na Ucrânia”.

    O que você estava fazendo em Odessa no dia 2 de maio e como isso chegou à Casa dos Sindicatos?

    Os golpistas em Kiev, liderados pelos seus mestres ocidentais, tinham um problema pendente: esmagar o movimento Anti-Maidan, independentemente dos métodos utilizados para tal. Como Odessa tinha grande importância estratégica, sendo o principal porto do país, e, como o movimento Anti-Maidan na nossa cidade era apoiado pela maioria dos residentes de Odessa, os golpistas decidiram esmagá-lo através de uma operação de punição cruel e desumana. Durante esse período também ocorreram outras “operações de punição” sangrentas (por exemplo, em Mariupol), mas agora vou falar de Odessa porque testemunhei o que estava acontecendo na minha cidade. 2 de maio de 2014 foi um dia de descanso.

    Nesse dia, muita gente foi fazer ou participar de churrascos, porque é uma das nossas tradições. Cheguei à praça Kulykove Pole, que, como disse antes, fica em frente à Casa dos Sindicatos. Queria conversar com outras pessoas na praça, com pessoas que pensam como eu, para saber das últimas novidades. Há dez anos as redes sociais não eram tão difundidas e já tínhamos a TV parcialmente bloqueada e censurada. A melhor maneira de saber tudo o que estava acontecendo na cidade era ir até a praça Kulykove Pole.

    As pessoas presentes começaram a receber chamadas de seus amigos ou familiares que estavam na Praça Grega. Ali aconteceram confrontos entre os membros Anti-Maidan e os “ultras” (como são conhecidas algumas torcidas organizadas da região), que na realidade eram grupos neonazistas extremamente organizados e armados vindos de outras cidades. Havia mais nazistas do que integrantes Anti-Maidan. Ali, na Praça Grega, houve as primeiras vítimas, entre mortos e feridos. Os policiais tentavam dividir os dois grupos, mas não faziam nada efetivamente para impedir as desordens. Vários policiais foram feridos.

    Isso pareceu pouco aos autores dessa desordem, assim o tumulto enfurecido e com sede de sangue foi dirigindo-se à Casa dos Sindicatos. Tiveram de caminhar 40 minutos para chegar onde estávamos. Como muitos estavam em contato com seus amigos na Praça Grega, sabíamos que o tumulto se aproximava de nós. Alguns propuseram sair da Kulykove Pole, mas muitos insistiram em ficar, sem perceber como isso poderia acabar para eles.

    Vale ainda mencionar que naquele dia a maioria das pessoas Anti-Maidan presentes eram mulheres, inclusive muitas delas anciãs. Eu poderia ter ido embora, só que eu olhei para as velhinhas que estavam dispostas a resistir e fiquei. Nós tomamos a decisão de nos recolhermos à Casa dos Sindicatos. A ideia era que a polícia viria e cercaria o edifício. Os nacionalistas gritariam os seus slogans como costumavam fazer e iriam, supostamente, embora depois. Porém, a polícia demorou muito para chegar e quando finalmente chegou, não fez nada para parar o massacre.

    Por que a polícia se comportou de uma maneira tão estranha? Cada um pode tirar suas conclusões. Uma vez na Casa, começaram a jogar coquetéis molotov nas janelas para nos atingir e logo o edifício pegou fogo. Nesse momento percebemos que alguém tinha cortado a água. Não tínhamos com o que apagar o fogo. Alguns de nós chamaram os bombeiros, mas eles também não se apressaram muito. A fumaça encheu todo o andar, e, eu, tentando me salvar de toda aquela fumaça, com um grupo de pessoas, cheguei até a escada na ala direita do edifício. Como a fumaça se aproximava tanto de baixo como de cima, ficamos bloqueados entre o primeiro e o segundo andar. Ali estávamos cerca de dez a quinze pessoas, pelo menos, pelo que pude ver.

    O que teve que fazer para sair viva daquele lugar? Salvou alguém dos ataques?

    As janelas da escada davam para o fundo. Quebramos o vidro para poder respirar. Vimos no quintal um grupo de nacionalistas vestidos com um uniforme que parecia militar. Também havia uma câmera de um canal de TV local que transmitia ao vivo o que acontecia. Alguém gritava em nossa direção que, como um gesto de boa vontade, nos deixariam sair ilesas do edifício, só as mulheres. Na verdade, acho que só não se atreveram a nos fazer mal porque uma emissora transmitia aquilo tudo ao vivo.

    Então, com ajuda de bombeiros, que finalmente chegaram lá, descemos pela janela afora. Tivemos que passar entre duas filas de nazistas que nos gritavam coisas em russo com um sotaque terrível. Escondiam os seus rostos sob máscaras de esqui. Desse modo as mulheres saíram sãs e salvas do edifício. Os homens que vieram depois de nós (já sem a câmera de TV a transmitir ou gravar nada) passaram por ‘uma tempestade de golpes’ com paus e barras de ferro.

    Ao deixar a Casa dos Sindicatos, vi vários cadáveres de homens que jaziam na calçada, repletos de sangue e com as suas extremidades corporais quebradas. Também vi algumas vítimas que foram atiradas das janelas. E alguns dos nazistas as ‘finalizavam’ a pauladas. Os policiais, inclusive o chefe do escritório municipal, estavam a uma distância e não faziam nada para parar esses criminosos. Eu não pude fazer nada mais do que me afastar do edifício. O prédio estava em chamas, tudo cheirava a queimado. Ouviam-se gritos de dor tão horríveis que não se podia os imaginar sendo emitidos por seres humanos. O mais impressionante é que parte disso foi transmitido ao vivo para todo o país. As pessoas ficaram aterrorizadas. Isso é o que eu vi com os meus próprios olhos. Porque não tive como ver exatamente o que se passou dentro do edifício ou ao lado da sua entrada principal.

    Naquele dia, muitos dos sobreviventes foram levados como criminosos pela polícia. Havia algum líder ou representante político entre essas pessoas? E você foi presa também?

    Por sorte eu não fui detida. Depois de sair do edifício, me misturei com a multidão e logo fui para casa. Só que a polícia levou dezenas de sobreviventes para as viaturas, como se realmente fossem criminosos ali. Parece paradoxal, mas desta forma os policiais salvaram a vida de muitas pessoas. Porque as levaram para a delegacia, longe da maior parte dos nazistas. Já no que diz respeito a líderes, o grande problema do movimento Anti-Maidan foi a falta de certa integridade nesse sentido de liderança.

    Muitas organizações, partidos políticos e cidadãos comuns opuseram-se ao golpe de Estado. Não houve uma força ou um líder, nomeadamente, que pudesse consolidar todos os participantes do Anti-Maidan. Cada partido ou organização queria “levar a batuta”. Talvez pudesse mencionar duas pessoas que foram, na minha opinião, muito respeitadas pela maioria de nós. O primeiro é o deputado do conselho regional de Odessa Vyacheslav Markin. O segundo é Yevgueni Kushnariov, líder das milícias do Anti-Maidan de Odessa. Os dois foram mortos cruelmente na Casa dos Sindicatos.

    Na sua opinião, qual era o objetivo principal deste ataque ao Sindicato?

    O objetivo era punir os odesitas que se opuseram ao golpe do estado e intimidar os outros participantes do Anti-Maidan em outras cidades da Ucrânia. Na verdade, muitos ficaram horrorizados. Para várias pessoas, esse dia foi a gota d’água. Esse massacre levou muitos a Donbass na luta contra o nazismo e para que os nazis não triunfassem em Donbass como fizeram em Odessa.

    Depois desse episódio, o que aconteceu com a sua vida profissional, na sua militância política e como isso tudo desembocou em Donetsk?

    Depois daquele dia, entendi que deveria minimizar a minha estadia. Muitos me viram ao vivo enquanto eu saía da Casa dos Sindicatos. Por isso eu temia que algum nazista pudesse me reconhecer. Soube que os nazistas haviam começado uma caça aos sobreviventes do massacre. Também soube que as listas (com nomes e endereços) dos feridos que estavam nos hospitais, como as listas dos sobreviventes detidos pela polícia, haviam caído nas mãos dos nazis. Teve casos de nazistas que assediaram os sobreviventes.

    Felizmente, os meus dados pessoais não foram descobertos, e eu andava com “pés de chumbo”. Passei a trabalhar à distância, de casa mesmo, como tradutora. Saía às compras apenas de noite para que menos gente me visse. Claro que, ao mesmo tempo, eu estava tentando acompanhar as coisas com a ajuda da Internet. Os nazis e as pessoas que os apoiam zombavam das vítimas do massacre do 2 de maio nas redes sociais. A polícia, como costuma ser nesses casos, não fez nada. Alguns dos sobreviventes foram acusados de terem organizado o massacre, enquanto os verdadeiros criminosos estavam livres.

    Os nazistas começaram a dominar Odessa, se sentiam os donos da situação. Podiam repreender pessoas na rua, revistar, tomar o celular. Geralmente a polícia só fazia “vista grossa” mesmo. A Ucrânia acabou, assim como o seu estado legítimo, devido a esse golpe e a tal “operação antiterrorista”, além do massacre na Casa dos Sindicatos. Todos os líderes e todos os organismos depois disso são ilegítimos. A polícia já não defendia os cidadãos, o Serviço de Segurança da Ucrânia não se importava com a segurança da Ucrânia e as leis não funcionavam.

    A Constituição não foi mais respeitada. Pouco tempo depois, junto com várias outras pessoas, organizamos um grupo de resistência. Começamos com colar folhetos e distribuir revistas. Depois passamos à destruição dos centros voluntários que ajudavam os batalhões nazistas. Esses centros os forneciam comida, roupas, coletes à prova de bala e etc. Dessa forma colaboravam com a matança de civis no Donbass.

    Nessa altura, outros grupos de resistência que se opunham ao regime nazista atuavam de maneira independente em Odessa. Conseguimos destruir muitos centros voluntários, mas nunca houve vítimas fatais. Esta foi a condição que impusemos a nós mesmos. A SBU (espécie de PM) empreendeu muitos esforços para nos encontrar, mas foi impossível. Só por causa de um membro do grupo muito “boquirroto”, fomos apanhados depois de oito meses. Fomos acusados de terrorismo, mas não matamos ninguém. Passamos quase cinco anos na prisão.

    Felizmente, no final de 2019, fomos trocados por prisioneiros de guerra ucranianos e levados para Donetsk. A partir daquele momento, vivemos na República Popular de Donetsk à espera do dia em que Odessa possa ser libertada do nazismo para que possamos regressar. Em Donetsk, eu casei com o líder do nosso grupo partisano, que também foi trocado. O meu marido Aleksandr escreveu um livro chamado “Diário de um Separatista”, sobre os acontecimentos em Odessa e foi voluntário na Operação Militar Especial.

    Depois da aprovação do pacote bilionário dos Estados Unidos para ajudar o exército ucraniano, acredita que a guerra pode estender-se a um conflito global e nuclear? 

    Eu não poderia dizer o que está na cabeça dos políticos. O que eu posso dizer é que eu sempre acreditei na vitória da Rússia e que nada prevalecerá na ajuda à Ucrânia porque a sua causa não é justa. Espero que, apesar das declarações públicas, os políticos e os militares sejam bastante razoáveis para não destruírem de vez esse nosso planeta maravilhoso e os seres magníficos e complexos que o habitam.

    Quando começou a ter contato com novelas brasileiras? Há algo mais da cultura brasileira que lhe interesse? E você possui algum vínculo com movimentos latino-americanos?

    No início dos Anos 90, as novelas brasileiras, assim como as mexicanas, venezuelanas e etc, foram muito populares em nosso país. Mais tarde, sendo estudante da filologia espanhola, tive um breve curso de português. Então, quando me formei na faculdade, tinha conhecimentos básicos de português. Notei que a pronúncia da variante brasileira era mais parecida ao espanhol, que eu dominava bastante bem.

    Com o crescimento da velocidade de transmissão de dados e a propagação da TV por satélite, tornou-se possível ver as novelas inteiras. Para mim era como um desafio. Poderia entender esse idioma sem tradução e sem legendas. No mais, adoro música brasileira e as paisagens naturais maravilhosas do Brasil. Minha novela preferida é “Andando nas Nuvens”, de 1999. Ainda não tive a oportunidade de visitar a América do Sul, mas nunca é tarde.

    Qual mensagem você gostaria de deixar, fazendo uma reflexão sobre aquilo que enfrentou nestes últimos dez anos?

    Para o bem das gerações futuras, nunca devemos esquecer o nosso passado. Caso contrário, tragédias como o massacre de Odessa podem se repetir em outros lugares, em outros momentos. A Terra é maravilhosa e tem lugar para todos. Não há necessidade de sermos hostis uns com os outros, todos podemos viver em paz. Espero que, um dia, assim seja.

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