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    Joaquim de Carvalho

    Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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    A mão invisível que redige a PEC 65: Faria Lima quer mais um pedaço do Estado

    Seminário sobre autonomia do BC escancarou o que está por trás da emenda constitucional: o controle sobre movimentação das propriedades, hoje um serviço público

    Evento que discute autonomia do BC, promovido pela TV 247, TV Conjur e Prerrogativas, com oferecimento de Vallya e Cerrado Asset, 4 de setembro de 2024, Brasília-DF (Foto: Reprodução/YouTube/TV 247/TV Conjur)

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    No seminário sobre a autonomia do Banco Central, realizado no hotel B, em Brasília, na última quarta-feira, a pauta principal não foi a política monetária, mas os serviços que a instituição responsável pela estabilidade da moeda pretende prestar. 

    Se me dissessem antes, pensaria ser teoria da conspiração, mas, à medida que os debatedores expunham sua visão, ficava mais claro que o Banco Central se tornou um instrumento para que o chamado “mercado”, que no Brasil atende pelo nome de Faria Lima, se aproprie de funções típicas do Estado. 

    Por trás, está a cobiça pela nova mina de ouro ou algo equivalente ao petróleo, como disse um dos participantes do seminário. O petróleo, como se sabe, foi o principal motor de acúmulo de riqueza nas mãos de poucos, no século XX.

    O novo petróleo, como disse o debatedor, são os dados de cada pessoa no Brasil, que, uma vez capturados e trabalhados por inteligência artificial, se tornam fortunas, também para poucos. 

    Muitos dos nossos dados já são capturados pelo chamado “mercado”, através da ação da Serasa, que muitos pensam, equivocadamente, se tratar de um órgão público, mas que, na verdade, pertence a uma multinacional com sede no Reino Unido e que fatura aproximadamente 5 bilhões de dólares por ano.

    Em 2007, a Experian comprou a Serasa, entidade fundada em 1968 pela Federação Brasileira  dos Bancos. Pagou 1,2 bilhão de dólares, muito dinheiro sob qualquer ponto de vista. E a Experian fez esse investimento apenas para receber taxas por consulta de CPF?

    É claro que não. Se assim fosse, hoje não liberaria um tipo de consulta, o score de crédito. O meu, por exemplo, é excelente. Mas, quando digitei meu CPF lá e vi o resultado, pensei: “Como chegaram a esse veredito?”

    Apenas porque não tenho dívida ou o nome negativado em algum SPC? Não. 

    Pelo que apurei, eles sabem quanto gasto no cartão de crédito, minhas movimentações bancárias, onde compro, o que compro, como pago, que carro tenho, se faço seguro. Ou seja, num aspecto da minha vida, o econômico, a Serasa Experian tem tanta intimidade comigo como minha companheira. Ou, talvez, até mais.

    O que esse grupo privado ainda não tem é o controle sobre os serviços de cartórios, que registram contratos, sobretudo de imóveis, desde que foi proclamada a república, há 125 anos. E é isso o que terão se for aprovada a PEC 65, na forma como está redigida, apresentada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).

    O relator é o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que trabalha no Congresso Nacional para que a proposta seja aprovada a toque de caixa. Os dois estão em sintonia e, nos bastidores, o que se comenta é que o texto, tanto o original quanto o do relator, são de autoria de Roberto Campos Neto.

    Importante registrar que o presidente do Banco Central foi convidado há cerca de 15 dias para participar do seminário sobre a autonomia da instituição. Na véspera, sua assessoria respondeu que, em razão de outros compromissos anteriormente agendados, Campos Neto não poderia participar.

    Quem descobriu o jabuti na PEC 65 foram pesquisadores da atividade parlamentar – sim, eles existem, são poucos, e com capacidade de interpretar cada vírgula colocada em propostas legislativas. No caso, é o parágrafo 5o. do artigo 1o. da PEC. 

    “A vedação do inciso VI, "a", do art. 150 é extensiva ao Banco Central, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”, diz o texto.

    Com o artigo 150, a Constituição proíbe que União, Estados e municípios cobrem impostos entre si ou que um deles tribute igreja ou renda de partidos políticos, entre outros com imunidade. 

    O que chamou a atenção é que, com essa PEC, o Banco Central, sob a gestão de Roberto Campos Neto, se articula para prestar serviços e ampliar sua missão institucional, que é garantir a estabilidade da moeda. 

    E que serviços seriam esses? A de escritura de imóveis, hoje um papel exercido exclusivamente pelos cartórios, como definido no artigo 236 da Constituição Federal.

    O parágrafo 3o. desse artigo diz: “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”

    No Banco Central, sete empresas já estão em processo de habilitação para fazer os registros hoje definidos como notariais, entre elas a Serasa Experian. Ou seja, o mercado se antecipou ao que ainda nem passou pelo Congresso Nacional. 

    Os representantes dos cartórios, quando informados do pulo do gato na PEC assinada por Vanderlan, procuraram o relator Plínio Valério, que tentou afastar a suspeita, chamando-a de delírio ou “teoria da conspiração”. Se era assim, os notários propuseram então que ele incorporasse uma nova emenda à PEC, e ele aceitou. 

    A emenda deixava claro que o registro de propriedade no Brasil continuaria no modelo institucional desenhado desde a Proclamação da República e que é elogiado por outros países, pela segurança jurídica e, acredite, pelo custo relativamente baixo. 

    Algumas semanas depois, Plínio recuou da proposta dos cartórios, o que deixou evidente que a mão que redigiu a PEC e redige o relatório não é a dos senadores. Seria a de Campos Neto ou existe uma mão invisível por trás do presidente do Banco Central? Apostaria na segunda hipótese.

    Os presidentes dos Tribunais de Justiça também perceberam a manobra dos dois senadores e se posicionaram contra esse ponto específico da PEC. É que hoje cerca de 40% do orçamento do Judiciário têm origem nas taxas e emolumentos dos cartórios. Aliás, os tribunais de Justiça é que supervisionam os serviços notariais. Ou seja, os cartórios são um braço do Judiciário.

    A esse propósito, o novo corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell, em evento recente, questionou a PEC 65, nesse ponto: “Por que mudar o que tem funcionado bem?” A resposta está na manifestação de um dos participantes do seminário. É o petróleo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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