'Break a Leg' – Trump ameaçou o Irã com um ultimato que provavelmente não pode ser cumprido
O ultimato de Trump ao Irã parece estar levando os EUA por um caminho onde a guerra é o único resultado
Publicado originalmente por Strategic Culture em 7 de abril de 2025
O ultimato de Trump ao Irã? O coronel Doug Macgregor compara o ultimato de Trump ao Irã com o que a Áustria-Hungria entregou à Sérvia em 1914: uma oferta, em resumo, que "não poderia ser recusada". A Sérvia aceitou nove das dez exigências. Mas recusou uma – e a Áustria-Hungria imediatamente declarou guerra.
Em 4 de fevereiro, pouco após a sua posse, o presidente Trump assinou um Memorando Presidencial de Segurança Nacional (NSPM), ou seja, uma diretiva legalmente vinculante que exige que agências governamentais executem as ações especificadas com precisão.
As exigências são que o Irã deve ser impedido de obter uma arma nuclear, impedido de desenvolver mísseis intercontinentais e também privado de outras capacidades convencionais e assimétricas de armamento. Todas essas demandas vão além do TNP (Tratado de Não-Proliferação) e do atual JCPOA (Acordo Nuclear com o Irã). Para isso, o NSPM ordena que seja imposta a máxima pressão econômica; que o Tesouro dos EUA aja para reduzir a zero as exportações de petróleo do Irã; que os EUA trabalhem para acionar o mecanismo de "snapback" (retorno automático) de sanções do JCPOA; e que a "influência maligna no exterior" do Irã – seus "proxies" – seja neutralizada.
As sanções do "snapback" da ONU expiram em outubro, então o tempo é curto para cumprir os requisitos processuais. Tudo isso sugere por que Trump e autoridades israelenses definiram a primavera como prazo para um acordo negociado.
O ultimato de Trump ao Irã parece estar levando os EUA por um caminho onde a guerra é o único resultado, como ocorreu em 1914 – um desfecho que, por fim, desencadeou a Primeira Guerra Mundial.
Seria isso apenas umabravata de Trump? Possivelmente, mas parece que Trump está emitindo demandas legalmente vinculantes que ele mesmo deve esperar que não possam ser cumpridas. A aceitação das exigências de Trump deixaria o Irã neutralizado e despojado da sua soberania, no mínimo. Há também um "tom" implícito nessas demandas, que é de ameaça e expectativa de mudança de regime no Irã como resultado.
Pode ser bravata, mas o presidente tem um histórico nessa questão. Ele seguiu abertamente a linha de Netanyahu sobre o Irã, afirmando que o JCPOA (ou qualquer acordo com o Irã) era "ruim". Em maio de 2018, Trump retirou os EUA do JCPOA a pedido de Netanyahu e, em vez disso, emitiu um novo conjunto de 12 exigências ao Irã – incluindo abandonar permanentemente e de forma verificável o seu programa nuclear e cessar todo enriquecimento de urânio.
Qual a diferença entre essas exigências anteriores de Trump e as de fevereiro? Essencialmente, são as mesmas, exceto que agora ele diz: "Se o Irã não fizer um acordo, haverá bombardeios. Serão bombardeios como eles nunca viram antes".
Assim, há tanto o histórico quanto o fato de que Trump está cercado – nessa questão, pelo menos – por um grupo hostil de "Israel Firsters" e super-falcões. Witkoff está lá, mas mal fundamentado nos temas. Trump também se mostrou virtualmente totalitário em relação a qualquer crítica a Israel na academia estadunidense. E, em Gaza, Líbano e Síria, ele apoia totalmente a agenda provocadora e expansionista de extrema-direita de Netanyahu.
Essas demandas atuais em relação ao Irã também contradizem a mais recente Avaliação de Ameaças da Inteligência dos EUA (25 de março de 2025), que afirma que o Irã NÃO está construindo uma arma nuclear. Essa avaliação é efetivamente ignorada. Dias antes do seu lançamento, o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, declarou claramente que o governo Trump busca o "desmantelamento total" do programa de energia nuclear do Irã: "O Irã tem que abandonar o seu programa de uma forma que o mundo inteiro possa ver", disse Waltz. "É hora do Irã desistir completamente do seu desejo de ter uma arma nuclear".
Por um lado, parece que por trás desses ultimatos está um presidente "irritado e furioso" por sua incapacidade de encerrar a guerra na Ucrânia quase imediatamente – como ele inicialmente sugeriu –, além de pressões de uma Israel profundamente dividida e de um Netanyahu volátil para comprimir o cronograma de "eliminação rápida" do "regime" iraniano (que, alegam, nunca esteve tão fraco). Tudo para que Israel possa normalizar relações com o Líbano – e até com a Síria. E, com o Irã supostamente "incapacitado", avançar na implementação do projeto do "Grande Israel", normalizado em todo o Oriente Médio.
O que, por outro lado, permitirá a Trump realizar a tão esperada "grande virada para a China". (E a China é vulnerável em termos energéticos – uma mudança de regime em Teerã seria uma calamidade, do ponto de vista chinês).
Para ser claro, a estratégia de Trump em relação à China também precisa estar em vigor para avançar os seus planos de reequilíbrio do sistema financeiro. Pois, se a China se sentir sitiada, poderá agir como um obstáculo à reformulação de Trump do sistema financeiro estadunidense e global.
O jornal Washington Post relata um memorando "secreto" do Pentágono de Hegseth afirmando que "a China [agora] é a única ameaça prioritária do Departamento, [juntamente] com a negação de uma tomada de poder chinesa em Taiwan – enquanto defende simultaneamente o território dos EUA".
O documento diz que o "conceito de planejamento de força" (uma ideia de como o Pentágono estruturará e equipará as forças armadas para enfrentar ameaças percebidas) só considerará conflitos com Pequim ao planejar contingências para uma guerra entre grandes potências, deixando a ameaça de Moscou em grande parte para os aliados europeus.
Trump quer ser poderoso o suficiente para ameaçar a China militarmente e, portanto, quer que Putin concorde rapidamente com um cessar-fogo na Ucrânia, para que recursos militares possam ser rapidamente deslocados para o teatro chinês.
Em seu voo de volta a Washington no domingo à noite, Trump reiterou sua irritação com Putin, mas acrescentou: "Não acho que ele vai voltar atrás em sua palavra, eu o conheço há muito tempo. Sempre nos demos bem". Perguntado quando queria que a Rússia concordasse com um cessar-fogo, Trump disse que havia um "prazo psicológico" – "Se eu achar que estão nos enrolando, não ficarei feliz com isso".
A reclamação de Trump contra a Rússia pode ter um elemento de "reality show". Para seu público doméstico, ele precisa ser visto como trazendo "paz através da força" – para manter a aparência de "macho alfa", caso a verdade da sua falta de influência sobre Putin se torne muito aparente para o público estadunidense e o mundo.
Parte da frustração de Trump também pode vir de sua formação cultural como empresário de Nova York: um acordo é primeiro dominar as negociações e depois rapidamente "dividir a diferença". No entanto, a diplomacia não funciona assim. A abordagem transacional também reflete falhas conceituais profundas.
O processo de cessar-fogo na Ucrânia está parado, não por causa da intransigência russa, mas porque a equipe de Trump decidiu que um acordo na Ucrânia só virá primeiro insistindo em um cessar-fogo unilateral e imediato – sem introduzir governança temporária para permitir eleições na Ucrânia, nem abordar as causas profundas do conflito. E, em segundo lugar, porque Trump agiu precipitadamente, sem ouvir o que os russos estavam dizendo.
Agora que as preliminares acabaram e a Rússia está dizendo claramente que as propostas atuais de "cessar-fogo" são inadequadas e inaceitáveis, Trump fica irritado e ataca Putin, dizendo que tarifas de 25% sobre o petróleo russo podem ser impostas "a qualquer momento".
Putin e o Irã estão agora sob "prazos" (um "psicológico", no caso de Putin), para que Trump possa prosseguir com a ameaça crível à China de chegar a um "acordo" em breve – já que a economia global já está instável.
Trump fica furioso e cospe fogo. Ele tenta acelerar as coisas fazendo um grande show ao bombardear os houthis, gabar-se de que foram atingidos duramente, com muitos líderes mortos. No entanto, essa frieza em relação às mortes de civis iemenitas contrasta estranhamente com sua suposta empatia pelos milhares de jovens ucranianos "bonitos" morrendo desnecessariamente nas linhas de frente.
Tudo vira um 'reality show'.
Trump ameaça o Irã com "bombardeios como nunca viram antes" com um ultimato que provavelmente não pode ser cumprido. Simplificando, essa ameaça (que inclui o possível uso de armas nucleares) não é feita porque o Irã representa uma ameaça aos EUA. Não representa. Mas é apresentada como uma opção. Um plano; uma "coisa" colocada calmamente na mesa geopolítica e destinada a espalhar medo. "Cidades cheias de crianças, mulheres e idosos mortos: Não é moralmente errado. Não é um crime de guerra".
Não. Apenas a "realidade" de que Trump considera o programa nuclear iraniano uma ameaça existencial a Israel. E que os EUA estão comprometidos em usar a força militar para eliminar ameaças existenciais a Israel.
Esse é o cerne do ultimato de Trump. Deve-se ao fato de que é Israel – não os EUA, e não a comunidade de inteligência estadunidense – que vê o Irã como uma ameaça existencial. O professor Michael Hudson, com conhecimento direto da política por trás disso, diz: "Não é apenas que Israel, como o conhecemos, deve estar seguro e livre do terrorismo". Essa é a "linha" de Trump e a sua equipe; também é a narrativa de Israel e dos seus apoiadores. "Mas a mentalidade [por trás disso] é diferente", diz Hudson.
Há cerca de 2-3 milhões de israelenses que se veem como destinados a controlar tudo o que hoje chamamos de Oriente Médio, o Levante, o que alguns chamam de Ásia Ocidental – e outros de "Grande Israel". Esses sionistas acreditam que são ordenados por Deus a tomar essa terra – e que todos que se opõem a eles são Amaleque. Eles acreditam que os amalequitas são consumidos por um desejo esmagador de matar judeus e, portanto, devem ser aniquilados.
A Torá registra a história de Amaleque: Parshat Ki Teitzei, onde está escrito "machoh timcheh et zecher Amalek" – que devemos apagar a memória de Amaleque. "Todo ano somos [os judeus] obrigados a ler – não como Deus destruirá Amaleque – mas como nós devemos destruir Amaleque". (Embora muitos judeus se perguntem como reconciliar esse mandamento com os seus valores inatos de compaixão e misericórdia).
Esse mandamento da Torá é, de fato, um dos fatores-chave por trás da obsessão de Israel com o Irã. Israelenses veem o Irã como uma tribo de Amaleque conspirando para matar judeus. Portanto, nenhum acordo ou compromisso é possível. É claro que também se trata do desafio estratégico (ainda que secular) do Irã ao Estado israelense.
E o que tornou o ultimato de Trump tão urgente na visão de Washington – além das considerações sobre a virada para a China – foi o assassinato de Sayyed Hassan Nasrallah. Esse assassinato marcou uma grande mudança no pensamento estadunidense, porque, antes disso, vivíamos uma era de cálculo cuidadoso; movimentos incrementais. Agora, entende-se que "não estamos mais jogando xadrez". Não há mais regras.
Israel (Netanyahu) está agindo freneticamente em todas as frentes para mitigar as divisões e turbulências internas em Israel incendiando a frente iraniana – mesmo que esse caminho possa ameaçar a destruição de Israel.
Essa última perspectiva marca a mais vermelha das "linhas vermelhas" para as estruturas profundas do Estado Profundo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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