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    Fernando Horta

    Fernando Horta é historiador

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    Covas, Sereias e o amargo 2024

    O PT não acabou e nem acabará porque o PT é a força viva da esquerda brasileira

    (Foto: Alessandro Dantas)

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    A menos que você queira muito “dourar a pílula”, as eleições municipais de 2024 foram um fracasso para a esquerda. Nem tanto pelos números totais, que são sim bem ruins, o PT obteve 252 prefeituras, não chegando nem às 256 de 2016 (quando se dá o início do golpe contra o projeto de centro-esquerda brasileira) e muito longe das 635 prefeituras em 2012. Quando se pensa numa análise por estado apenas no Piauí na Bahia conseguimos algum crescimento e passamos de 32 prefeituras em 2020, para 50 em 2024, mas também muito longe das 93 de 2012. Em São Paulo e em Minas Gerais houve um leve incremento, mas não muda a queda nos números vistos em outros estados também, como no RS.

    Se estratificarmos isso pelo número de habitantes em cada cidade conquistada, o partido tem apenas seis prefeituras das pouco mais de 150 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes. Mesmo o número de vereadores eleitos (que chegou a 3129 em 2024 contra 2668 de 2020) fica muito atrás dos 5166 de 2012. Há quem faça, erroneamente, a comparação qualitativa com 2020 para dizer que “estamos melhorando”. Esse tipo de tiro retórico, contudo, não pode ser aceito. Em 2020 tínhamos o PIOR cenário possível, com o bolsonarismo na presidência, controlando todo o orçamento, criminalizando a política e, principalmente a esquerda com o presidente Lula recém solto e ainda numa discussão interminável sobre a validade da Lava a Jato.

    Comparar, pois, com 2020 serve apenas para mascarar o problema. Ademais, entre 2020 e 2024 temos quase 10 trilhões de reais de diferença, eis que desde 2023 a esquerda controla (ou deveria controlar) o orçamento federal de 5,5 trilhões de reais. Ou seja, nem de posse do orçamento, podendo implementar políticas públicas de qualidade a esquerda conseguiu transformar isso em força eleitoral e já hoje, sem nem esperar as eleições esfriarem, “o mercado” pressiona Lula por mais corte de gastos e “austeridade”, imaginando que a força do presidente é decrescente, e que pode arrancar nacos da carne da sociedade brasileira enquanto o ferro da eleição ainda está quente.

    É preciso se perguntar por que um resultado tão diferente entre as eleições de 2022 e 2024? E Por que isso é tão preocupante?

    É preciso começar pelo básico, quem acreditou que a vitória de Lula seria o fim do processo de fascistização do Brasil não conhece a história. O fascismo brasileiro – exatamente como ocorrido também na Europa do entreguerras – não termina com um ou outro revés. Hitler foi preso em 1923, tentando dar um golpe na Alemanha, para somente em 1933 se nomeado chanceler. Fascismo não se combate prendendo fascistas. Se combate com programas específicos na Educação, Cultura e punindo os crimes deles na justiça. Infelizmente o Brasil não está fazendo nada disso. Nem os crimes estão sendo punidos (a menos que você considere as “corajosas” penas dadas pelo STF aos “bagrinhos” do 08/01), nem a educação de Camilo Santana tem qualquer projeto para disputar a “meritocracia neoliberal” que, a bem da verdade, é parte da doutrina de educação desta esquerda neoliberal que se apossou do MEC.

    Mas acho que três outras razões precisam ser explicitadas aqui:

    1) O mau gasto do dinheiro público: O gasto público pode ser avaliado por diversas formas. Podemos ver se ele é adequado às necessidades do país, se é constitucional, se está em consonância com os objetivos de desenvolvimento do país e assim vai. Mas é também preciso avaliar se o gasto está sendo efetivo em transformar o controle do orçamento em força eleitoral. E nisso os ministros do presidente Lula (pelo menos os de esquerda) têm sido tremendamente incompetentes. Todo gasto real que não é pago por dentro de uma plataforma social soberana, que reúne informações e exige contrapartida é dinheiro posto fora. Não adianta gastar com programas sociais, como se fazia no início do século XXI, se a população tem sua atenção sequestrada pelas plataformas digitais, e as razões dos pagamentos são ressignificadas por vídeos e conteúdos que retiram as ações e decisões do governo da causa de existência destes programas. Tem razão a presidenta Gleisi quando responde ao ministro Padilha. A sanha da governabilidade pode ter vitórias de Pirro, mas 2026 é logo ali e 2024 um aviso eloquente.

    2) O velho problema da comunicação: não vou me estender muito, mas nove entre dez militantes de esquerda concordam que a comunicação do governo e dos partidos de esquerda é tremendamente incapaz (o outro um militante tem cargo de confiança). E não se trata de uma avaliação comparativa que poderia chegar a essa conclusão porque estaríamos lutando contra uma força muito maior (os algoritmos) e contra muito mais dinheiro do lado de lá. Na realidade, a comunicação é ruim mesmo porque quase sempre apadrinhada e pouco profissional. Privilegia-se um conceito estranho de “confiança” sobre competência, e quem toma essas decisões não capacidade técnica de avaliar “competência” em si nessa área. E já tivemos tempo para aprender. De 2013, quando as Jornadas de Junho mostraram o que era o sequestro de um movimento social pela comunicação digital, para cá são 11 anos. Tempo mais do que suficiente para a inteligência humilde aprender.

    3) As reformas eleitorais de Cunha e as máquinas de reeleição: Pouca gente está falando nisso, mas Eduardo Cunha é o coveiro da esquerda no Brasil. Não apenas pelos crimes que cometeu contra a presidenta Dilma, e por ser responsável por todo o desarranjo institucional que passamos até hoje, mas também por uma ‘reforminha’ que fez passar em outubro de 2013 que basicamente diminui o tempo de campanha, proibiu a militância de ajudar mais efetivamente nas campanhas e criou mecanismos para privilegiar que já tem mandato nas corridas eleitorais. O resultado é um desastre. As eleições se tornaram ainda mais dependentes do dinheiro e mesmo na esquerda há quem adore isso, ou porque são milionários, ou porque já têm seus mandatos e assim se sentam em cima das verbas dos partidos. Resultado? Mais de 80% de reeleição em 2024, que é agravado ainda pelas emendas secretas do Lira e a “governabilidade” de Padilha e Ruy Costa. Este cenário de coisas é basicamente fúnebre para qualquer ideia de esquerda transformadora e, enquanto a direita voa nos financiamentos e se renova, tudo o que nós, na esquerda, temos é o susto do acidente doméstico sofrido pelo presidente que se mostra em 2024 como o único – ainda – capaz de deter um retorno da direita em 2026.

    E que não venham falar somente do PT, porque é uma crise em toda esquerda. Basta ver que o PSOL perdeu a única prefeitura que tinha e Boulos fez quase que exatamente a mesma votação percentual que teve em 2020, quando concorreu contra Bruno Covas.

    O PT não acabou e nem acabará porque o PT é a força viva da esquerda brasileira. Com todos os seus problemas, erros e acertos, segue como única barreira entre a civilização e a barbárie. Mas, se quisermos ter alguma chance e 2026 é preciso mudar tudo. Reformular, reinventar e renovar. Até para que o presidente Lula pare com a peregrinação que parece fazer atrás de figuras como Tabata Amaral, João Campos e Eduardo Paes. Figuras que nem são de esquerda e nem são novidade. Fazem parte da velha luta de classes que copta a periferia com acenos de bolsas no exterior, maquia velhas oligarquias como “alternativas democráticas”, ou apresenta um populismo egocêntrico como projeto político integrador. Já vimos isso antes. Se cairmos no canto dessas sereias, será por vontade de continuar errando.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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