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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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O capacitismo político de Lula e a ausência de mulheres e negros no governo

A fala do presidente é problemática e não condiz com a atual realidade intelectual do país

(Foto: RICARDO STUCKERT)

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A entrevista concedida pelo presidente Lula ao canal Uol na última quarta-feira, foi bastante esclarecedora. Sobretudo, quando ele responde a um questionamento sobre a ausência de mulheres no governo, e inclui os negros no pacote da falta de representatividade em seus ministérios. A resposta de Lula foi problemática, e não será muito razoável se alguém enxergar um caráter identitário na minha crítica. Principalmente, se esse alguém não pertencer aos chamados grupos minoritários da sociedade. Minorias estas que são majoritárias a nível de população, mas que sempre foram historicamente minorizadas nos espaços de poder e decisão.

Ao dizer que mulheres e negros não tiveram participação ativa na sociedade durante muito tempo, o que, na sua opinião, dificulta encontrar pessoas desses grupos para ocupar determinados cargos em seu governo, Lula, ainda que inconscientemente, além de reforçar estereótipos raciais e de gênero, expressa uma visão política capacitista que coloca em dúvida o saber intelectual e a competência profissional de indivíduos, apenas por eles pertencerem a grupos historicamente excluídos das discussões políticas e sociais do país. A grande verdade é que Lula, como um homem branco, da terceira idade e que construiu sua carreira política numa época em que mulheres, e mais ainda os negros, eram considerados praticamente impúberes para ocupar cargos públicos, em que pese o fato de ele sempre ter sido de esquerda e progressista, reproduz o mesmo pensamento conservador de onde se origina o machismo, o racismo e o capacitismo estruturais.

Antes que algum desavisado entenda que eu estou chamando Lula de machista e racista, recorro ao sociólogo Boaventura de Sousa Santos e ao seu conceito de epistemicídio, um termo ou um neologismo, como queiram, criado por ele para explicar o processo de invisibilização, apagamento e ocultação das contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo pretenso saber ocidental. Mesmo com todo processo de apagamento ao qual fomos submetidos, nós, pretos e pretas brasileiros, sempre estivemos capacitados a ocupar determinados cargos, porque boa parte dos africanos que aqui chegaram escravizados não eram escravos em suas terras de origem e não foi a branquitude quem inventou a “roda” do saber e do conhecimento. Kemet e a egiptologia eurocentrista explica o apagamento do negro africano da produção intelectual. Estar em condição de invisibilidade não significa ser existencialmente invisível, principalmente, aos olhos de quem se propõe a reparar injustiças e desigualdades históricas.

Não é incomum que a branquitude reconheça a nossa capacidade, talento, conhecimento e competência, uma vez que são virtudes que não podem ser invisibilizadas quando se tornam de apreciação pública. O que não é comum, é essa mesma branquitude nos dar a oportunidade de reconhecimento público. E uma das forças de tentar bloquear o nosso acesso aos espaços tradicionalmente destinados a ela, é nos esconder sob o manto de um racismo que estruturalmente nos invalida, nos coloca sistematicamente sob suspeição e questiona a nossa capacidade através da racialização. Um processo que torna a fala de Lula ainda mais problemática quando lembramos que ele foi o único presidente da história do Brasil a fomentar políticas públicas de inclusão racial social e de gênero na sociedade. Se ele não consegue encontrar negros e mulheres para cargos no governo, quem conseguirá? O Chapolin Colorado?

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O argumento de Lula, por exemplo, anularia a possibilidade da minha presença nesta coluna como articulista, e na TV 247, como âncora e produtor, uma vez que, historicamente falando, homens e mulheres negros não tiveram participação ativa na sociedade ocupando esses espaços na mídia. Se Leonardo Attuch estivesse dentro da mesma caixa que Lula, infelizmente, ainda está, a jornalista Camila França não estaria comandando o Giro das Onze, André Constantine não estaria nos brindando com suas assertivas análises políticas e sociais e a jornalista Dhayane Santos não seria diretora de programação da TV 247. Até a Globo e a CNN, mídias hegemônicas da branquitude, conseguem encontrar jornalistas pretos para os seus quadros, mas Lula encontra dificuldades para encontrar esses perfis para o seu governo. Ou falta boa vontade para encontrá-los ou a frente ampla não permite que eles sejam localizados. 

Gostaria de levantar a questão da identificação pessoal que a branquitude nutre entre os seus, e que a negritude, por vezes, faz questão de desnutrir entre os nossos. Malcolm X explica: os brancos sempre tentaram fazer os negros odiarem a si e buscarem um branqueamento social para serem aceitos com menos ressalvas na sociedade. Desta forma, se descolar da pretitude negando suas raízes étnicas e culturais, para alguns, pode ser uma estratégia de aproximação social. Hélio Negão e Fernando Holliday são bons exemplos disso. Mas dentro do campo progressista isso também ocorre, o que corrobora ainda mais com a afirmação de Malcolm X. Não estou dizendo que Lula faça as escolhas que são politicamente possíveis, por identificação racial, mas o racismo estrutural costuma agir no subconsciente das pessoas. E muito mais importante do que tomar cuidado para não o reproduzir, é buscar letramento racial para desconstruí-lo.

Lula é um ser humano sujeito a erros, acertos, críticas e aprendizados. Ele não detém a infalibilidade papal que alguns de seus eleitores costuma lhe atribuir. Acerta muito mais do que erra, mas erra. Se não errasse, seria Deus. Se aconselhar com a primeira-dama sobre a dificuldade de encontrar pretos para o seu governo, como ele revelou durante a entrevista, não é o melhor caminho. A não ser que Janja fosse uma mulher preta. Tenho certeza de que os ministros Silvio Almeida e Anielle Franco teriam boas indicações a lhe fazer e ajudariam a escurecer melhor as coisas. Se o centrão deixar, é claro. Lula é o melhor e tem tudo para se transformar no ideal. Tem todo nosso apoio, mas precisa se ajudar um pouco mais. Afinal, mulheres e pretos foram os principais responsáveis por sua apertada vitória sobre um fascismo que não tem dificuldade nenhuma de encontrar os seus opositores e eliminá-los da sociedade. 

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