TV 247 logo
    Aquias Santarem avatar

    Aquias Santarem

    Editor do canal Critica Brasil

    2 artigos

    HOME > blog

    O golpe contra os pobres: a nova regra do BPC e o silêncio cúmplice de alguns

    "Essa proposta de cortar o BPC ao somar os ganhos de uma casa ignora completamente a complexidade das famílias brasileiras", diz Aquias Santarem

    Dinheiro e fachada da Previdência Social (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil | Pedro França/Agência Senado)

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    O Brasil está à beira de um retrocesso que ameaça empurrar milhares de idosos e pessoas com deficiência para a miséria. Sob o pretexto de combater fraudes, o governo propõe mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) que desconsideram a realidade econômica do país e mostram um distanciamento preocupante das necessidades do povo. Incluir a renda de filhos ou parentes no cálculo para exclusão do benefício é uma decisão absurda e cruel, que ignora que muitas dessas famílias, mal conseguem se sustentar e pagar suas contas.

    Imagina que você tem um idoso na família, sua mãe ou avó. Ela tem 75 anos, recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e esse dinheiro é o que mantém as contas da casa em dia. O benefício cobre remédios indispensáveis para diabetes ou hipertensão, a compra de alimentos básicos, e ainda ajuda a pagar a luz e a água. O dinheiro mal dá para suprir as despesas do mês, e você, como filho ou neto, talvez também viva na mesma casa, seja porque não tem onde morar, seja porque ajuda a cuidar dela. Sua renda, se existir, já é consumida pelas suas próprias despesas, como transporte, alimentação ou o sustento dos seus filhos.

    Agora imagine o que acontece se o governo corta o benefício do idoso. Eles acreditam que o seu salário, ou até mesmo o salário de outro parente que mora na casa, é suficiente para cobrir tudo. Mas a realidade não é essa. Sem o benefício, faltará dinheiro para os remédios, para as contas básicas, e para a alimentação. Essa avó ou mãe idosa, que já vive com dificuldades, pode acabar dependendo ainda mais de você, que mal consegue se sustentar. O idoso, sem autonomia, passa a ser visto como uma carga, não porque você deixou de amá-lo, mas porque as dificuldades aumentam e o governo transferiu a responsabilidade dele para você, sem dar as condições necessárias para isso. É um ciclo de empobrecimento e sofrimento que poderia ser evitado.

    Pense agora em um deficiente na mesma situação. Ele tem uma condição que exige cuidados especiais: pode ser uma pessoa com paralisia cerebral, autismo severo, ou alguma deficiência física que o impede de trabalhar e viver de forma independente. O benefício que ele recebe é usado para garantir o básico: medicamentos, fraldas geriátricas, transporte para consultas médicas, fisioterapia e, muitas vezes, uma alimentação diferenciada que sua condição exige. Você, como parente, já dedica grande parte do seu tempo e esforço para cuidar dele. Mesmo assim, o dinheiro que entra é pouco para cobrir todas as necessidades.

    Com o corte do benefício, o que acontece? A pessoa com deficiência, que já enfrenta tantos desafios, perde o pouco que garantia sua dignidade. Sem remédios, sem transporte adequado, e sem os cuidados necessários, a saúde dele piora. Você, como cuidador, fica sobrecarregado financeiramente e emocionalmente. E o governo, ao somar os salários da casa e concluir que são suficientes para manter todos, cria uma falsa impressão de prosperidade. A realidade é outra: o dinheiro não cobre o necessário, e quem sofre mais é justamente quem já vive à margem.

    Essa proposta de cortar o BPC ao somar os ganhos de uma casa ignora completamente a complexidade das famílias brasileiras. Cada caso é único, e decisões frias como essa só aumentam a desigualdade. Idosos e deficientes não podem ser tratados como números em uma planilha, porque suas vidas e necessidades vão muito além de cálculos simplistas. O que está em jogo aqui é a dignidade de quem mais precisa – e isso não tem preço.

    Quando o problema não nos atinge a gente não está nem aí, vejo muitos que até defendem esse corte dizendo que tem muita fraude, como se vivêssemos em um país que só tem fraudes no BPC, e as madames filhas de militares que recebem suas altas pensões? Em 2020, a União gastou R$ 19,3 bilhões com pensões de dependentes de militares, sendo a maior parte destinada às filhas que continuam solteiras, no papel, porque se casarem perdem a pensão. 

    Quando comparamos o número de beneficiários e o número de gastos vemos que o crescimento é normal, e lógico que pode ter fraudes, como tem nas aposentadorias de militares, de juízes, de desembargadores, de políticos, mas estes têm coragem para falar e defender o que é seu enquanto os mais pobres não têm ninguém que os defenda.

    Número de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no Brasil, segmentados por idosos e pessoas com deficiência, além dos gastos anuais do governo com o programa, para os anos de 2016 a 2023:

    Ano     Beneficiários  Idosos    Pessoas com Deficiência   Gastos/ano               
                    Totais                                                                          (R$ bilhões)

    2016 4.4 mi                 2.0 mi             2.4 mi                               45.0

    2017 4.5 mi                  2.1 mi             2.4 mi                              48.0

    2018 4.6 mi                  2.2 mi             2.4 mi                               1.0

    2019 4.6 mi                  2.2 mi             2.4 mi                              54.0

    2020 4.7 mi                  2.3 mi             2.4 mi                              69.2

    2021 4.8 mi                  2.3 mi             2.5 mi                               72.0

    2022 5.0 mi                  2.4 mi             2.6 mi                               80.0

    2023 5.4 mi                  2.5 mi             2.9 mi                               90.0

    Fontes: Portal da Transparência, Ministério da Cidadania

    Observa-se um crescimento contínuo tanto no número de beneficiários quanto nos gastos anuais com o BPC ao longo dos anos. Em 2023, o número total de beneficiários atingiu 5,4 milhões, com um gasto anual de R$ 90 bilhões. Este aumento reflete a ampliação da cobertura do programa e a crescente demanda por assistência social no país.

    Essa regra não mira as fraudes reais, que poderiam ser combatidas com cruzamento de dados, auditorias específicas e o uso inteligente da tecnologia. Em vez disso, penaliza famílias vulneráveis que dependem do BPC para sobreviver. É uma escolha política que revela prioridades distorcidas. Enquanto o governo busca cortar as migalhas nos benefícios dos pobres, a dívida pública engole bilhões em juros para os grandes bancos, as emendas parlamentares continuam alimentando um sistema podre e ineficiente. E os subsídios ao agronegócio e aos banqueiros seguem intocados, bilhões festejados e aplaudidos, tanto pela turma do boi, quanto pela turma da bala. Quem realmente perde é o trabalhador, o idoso, o deficiente – o mais vulnerável. O jornal o Globo publicou um editorial elogiando o ajuste de Milei na Argentina, cutucando Lula, querendo dizer, olha Lula dá pra apertar mais aqui e ali, quando na verdade todos sabem do grave erro deste governo extremista que está levando milhares de argentinos a pobreza extrema. 

    A gastança em áreas privilegiadas do poder público segue firme. Cartões corporativos consomem milhões, políticos desfrutam de penduricalhos, auxílios para tudo e todos, e setores que já acumulam lucros astronômicos continuam sendo beneficiados. Cerca de 700 bilhões em 2023, foi destinado ao pagamento de juros e encargos da dívida pública. Mas quando o foco é o pobre, o tom muda: "precisamos cortar". É como se houvesse um esforço coordenado para garantir que os mais vulneráveis carreguem o peso das contas, enquanto os privilégios das elites permanecem inabaláveis. É a classe dominante mostrando ao governo onde se pode cortar os gastos. Eu imagino um demônio como Baphomet, apontando com seu dedo imundo para os pobres e necessitados, dizendo no ouvido do governo; estes já têm muito, tira deles o que eles nem tem.

    E o que dizer dos que minimizam essa realidade? Muitos à esquerda tentam suavizar o impacto, dizendo que "é exagero", "não vai acontecer", ou "você está equivocado". São os mesmos que, no desenho O Touro Ferdinando, aplaudem eufóricos enquanto todos caminham para o abatedouro. A cegueira voluntária é perigosa. Ela legitima medidas desastrosas e abandona os princípios pelos quais lutamos. Alguns youtubers fogem desta crítica por dois motivos principais: medo de melindrar um governo de esquerda ou medo de perder seguidores, porque tem aqueles que querem apenas notícias boas sobre o governo e que não aceitam de jeito nenhum que você faça as críticas necessárias. E aí reside o grande erro, se ninguém fala nada, os ricos dominam e falam e falam muito. 

    Eu votei em Lula. Admiro sua trajetória e reconheço sua importância histórica e democrática. Gosto daquele velhinho de graça e Deus sabe que oro sempre por ele. Mas, diante dessa proposta cruel, não posso me calar. Tenho saudades do Lula dos primeiros mandatos, aquele que ouvia as ruas e tinha a coragem de enfrentar os poderosos. Não creio que o Lula mudou, ele foi vencido por pessoas que o rodeiam e que adoram os holofotes da Rede Globo. O nosso trabalho é mostrar outra perspectiva e dizer: “presidente não é este o caminho. Não faça isso, reveja este plano”. 

    Não podemos assistir em silêncio enquanto direitos são destruídos. A luta pelos mais necessitados é uma luta por todos nós. Se nos importarmos apenas com o que nos afeta diretamente, jamais construiremos uma sociedade mais justa. 

    Eu como leitor da bíblia deixo uma mensagem que vem dela: "Se alguém tiver recursos neste mundo e vir seu irmão em necessidade, mas não se compadecer dele, como pode o amor de Deus permanecer nele?" (1 João 3:17). O chamado à solidariedade é claro.

    E, como disse Martin Niemöller, em palavras que ecoam até hoje:

    "Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, levaram meu outro vizinho, comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar."

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados