TV 247 logoAPOIE o 247
Buscar
André Gattaz avatar

André Gattaz

Jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de "A Guerra da Palestina" (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom

10 artigos

HOME > blog

O previsível fracasso do cessar-fogo aprovado na ONU

O acordo de cessar-fogo proposto pelos Estados Unidos está fadado ao fracasso, uma vez que não aborda a raiz do problema e não propõe soluções realistas

Conselho de Segurança da ONU (Foto: Valery Sarifulin/TASS)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

O Conselho e Segurança da ONU adotou nesta segunda-feira (dia 10/6) uma resolução que endossa uma proposta de cessar-fogo visando encerrar o ataque israelense a Gaza, que já dura 8 meses. A novidade foi o apoio dos Estados Unidos – que apresentaram a proposta e a defenderam, conseguindo o apoio de 14 membros do Conselho de Segurança (a Rússia absteve-se). Há motivo para otimismo? Não, pois assim como todas as outras resoluções da ONU referentes à Palestina, será desrespeitada por Israel. Além disso, há lacunas evidentes na resolução, que parece ter sido encomendada apenas para aplacar a opinião pública estadunidense diante do efeito que o apoio a Israel tem custado ao decrépito presidente Joe Biden. De fato, uma proposta de resolução semelhante foi apresentada meses atrás pelo governo brasileiro, mas foi rechaçada por Washington. A proximidade das eleições e a ameaça do decrépito Trump, no entanto, vem forçando Biden a demonstrar oposição ao genocídio promovido por Israel – ao passo que avaliza a venda de armas e o envio de recursos financeiros, e não considera que o recrudescimento dos ataques à população civil da Palestina configure um rompimento da “linha vermelha” que ele próprio estabeleceu para “limitar” Israel. 

Como todas as resoluções referentes à chamada “questão palestina”, a Resolução 2735 inicia-se “reafirmando os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas” e “recordando todas as resoluções relevantes sobre a situação no Oriente Médio, incluindo a questão palestina” – aquelas mesmas que foram continuamente desrespeitadas por Israel, tornando-se letra morta. A isto segue-se o plano de cessar-fogo, composto por generalidades, suposições ingênuas, previsões não realistas e incorreções, fazendo com que seja ainda mais fácil e provável que o Estado sionista não as respeite. 

O plano compõe-se de três fases. Na primeira deverá ocorrer o cessar-fogo “imediato, integral e completo”, juntamente à libertação de parte dos “reféns” israelenses (mulheres, idosos e feridos) e dos “prisioneiros” palestinos (esses não são considerados reféns, embora sua captura assemelhe-se à ação do Hamas em 7 de outubro). Nesta fase deve ocorrer também a retirada israelense das áreas povoadas de Gaza, e a ampla distribuição de assistência humanitária. Na segunda fase prevê-se, “sob acordo das partes, um fim permanente às hostilidades em troca da libertação de todos os reféns em Gaza e uma retirada completa das forças israelenses de Gaza”. E a terceira fase seria dedicada à reconstrução de Gaza. A resolução também rejeita qualquer tentativa de mudança territorial ou demográfica na Faixa de Gaza, inclusive ações para diminuir seu território, e reitera o compromisso com a visão de dois Estados convivendo lado a lado, reforçando a importância de unificar a Faixa de Gaza com a Cisjordânia sob a Autoridade Palestina. 

Há muitos problemas aí. Não há uma quantificação ou cronograma sobre os reféns a serem libertados por Israel e pelo Hamas; não há definição do que seriam “as áreas povoadas de Gaza”; não é claro como se dará “o acordo entre as partes”; e não há previsão de punição para as partes que não cumprirem o acordo. E a despeito de a resolução rejeitar qualquer tentativa de se mudar a população ou diminuir o território de Gaza, afirma que a Faixa de Gaza deve entrar sob controle da Autoridade Palestina – a mesma que desde a década de 1990 vem acreditando nas promessas israelenses realizadas no processo de paz de Oslo, e que efetivamente vem permitindo a ocupação progressiva da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental por colonos sionistas. Por fim, embora a resolução cite a solução de dois Estados, seu principal promotor é ao mesmo tempo o principal opositor ao reconhecimento do Estado da Palestina.

Além disso, podemos notar que é incorreta a afirmação de que Israel aceitou a proposta anunciada em 31 de maio, o que de fato não se verificou. Ao contrário, o primeiro-ministro israelense (publicamente) continua projetando a “destruição total” do Hamas antes de encerrar o ataque à Faixa de Gaza, enquanto menos publicamente acredita na retomada do território para a colonização sionista, com a expulsão dos palestinos para o Egito. Isso fica evidente na fala da representante israelense ao Conselho de Segurança, de que a guerra irá acabar “uma vez que nossos objetivos forem alcançados”. E os objetivos são trazer os reféns para casa e desmantelar as capacidades do Hamas. Continuando sua fala, e colaborando para o argumento, a representante sionista relata a “operação heroica” que resgatou quatro reféns israelenses, responsabilizando os “assim chamados civis” por “cooperar e ser cúmplices dos terroristas”, justificando assim suas mortes. Nesta operação foram mortos 274 palestinos moradores de Nuseirat e 698 ficaram feridos, evidenciando que o Estado genocida não distingue a população civil dos militantes do Hamas, e que o projeto de destruir totalmente esta organização passa pela destruição total da população da Faixa de Gaza. Nesse sentido, desde o dia 7 de outubro de 2023 já foram mortos 37.084 palestinos, enquanto 84.494 ficaram feridos devido aos ataques de Israel, que assim tenta consolidar a limpeza étnica da região para possibilitar sua ocupação por colonos sionistas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Relacionados