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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Pablo Marçal e a "Corrida Maluca" à prefeitura de São Paulo

    "O empresário goiano é uma espécie de Dick Vigarista que pretende vencer a disputa sabotando os adversários", escreve o colunista Ricardo Nêggo Tom

    Pablo Marçal (Foto: Reprodução/YouTube/Band Jornalismo)

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    Quem foi criança nos anos 80 vai se lembrar de um desenho animado chamado “Corrida Maluca”, cujos competidores e seus carros, cada qual com sua excentricidade característica, aceleravam loucamente em busca da vitória. Entre os motoristas “mais birutas do mundo”, como anunciava o narrador da atração, estava Dick Vigarista, o piloto do carro 00, também conhecido como “Máquina do mal”, um sujeito sem o menor caráter que fazia de tudo para prejudicar os seus adversários, sempre contando com a ajuda do seu fiel escudeiro Muttley, um cãozinho sem vergonha e nada dócil. Ele criava armadilhas no trajeto, mudava as placas de sinalização da pista, roubava gasolina dos carros adversários, fazia o diabo para se sagrar vencedor, mas nunca conseguia.

    A disputa pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade da federação, vem se desenrolando ao estilo de uma corrida maluca, cujo vigarista não se chama Dick, mas sim Pablo, que tem conseguido fazer seus adversários caírem em algumas arapucas produzidas por sua mente diabólica. Começou abalando o psicológico de Tábata Amaral, a Penélope Charmosa da corrida, ao culpar a sua família pela morte do pai da candidata do PSB. Algo que apenas um vigarista que saiba mexer com a inteligência emocional das pessoas pode fazer. Como todo “bom” coach, Dick Marçal sabe como atingir o ponto fraco de seres humanos cheios de vaidade como a apadrinhada de Jorge Paulo Lemann. Tabata, ainda que disfarce, não tira Marçal da cabeça e acaba gravando uma peça de campanha ligando o seu oponente ao tráfico de drogas. Algo que a Polícia Civil também fez, ao revelar uma investigação contra os articuladores da campanha do farsante.

    Sabendo que a corrida será muito difícil para ele e sua máquina do mal precisa ser abastecida a cada volta da disputa, Pablo vigarista lançou a maledicência de que dois candidatos à prefeitura eram usuários de drogas e que ele iria provar. Ricardo Nunes, cuja chapa abriga o ex-comandante da Rota, o Coronel Ricardo Mello Júnior, o mesmo que um dia declarou que a PM não pode tratar os moradores da periferia da mesma forma que trata os burgueses de Alphaville, se arvorou em providenciar um exame toxicológico para se livrar de qualquer tipo de associação com uso de drogas. O resultado do exame ninguém viu, mas o certo é que o candidato de Bolsonaro e seu vice, podem ser comparados à Dupla Sinistra que guiava o Cupê Mal-Assobrado da Corrida Maluca. Um veículo cheio de fantasmas, que mais parecia a junção de um carro velho com uma torre de um castelo da Transilvânia, e que ocultava no seu interior um dragão, uma serpente marinha, uma bruxa, entre muitas outras criaturas. Um resumo perfeito do que representa a candidatura do atual prefeito da cidade.

    Guilherme Boulos é a vítima preferencial de Dick Marçal. Todo trabalhado no antipetismo e no anticomunismo, o candidato do PRTB tem no candidato do PSOL o alvo perfeito para as suas artimanhas. A sinalização com o dedo no nariz, sugerindo que Boulos seja usuário de cocaína e o exorcismo com uma carteira de trabalho, tentando chamar alguém que tem uma carreira como docente, de vagabundo e desocupado, chegaram a tirar o Professor Aéreo da Corrida Maluca do sério. A bordo do seu Carro Mágico, o candidato de Lula é o único que pode rivalizar com Pablo vigarista, tirando da cartola uma nova invenção, no caso de Boulos, um argumento político, que desconstrua as ciladas armadas pelo competidor desleal. O problema é que o psolista está adotando uma postura menos a esquerda do que de costume, entendendo que o eleitor paulistano fará uma leitura menos radical do seu projeto político, uma vez que ele ficou conhecido nacionalmente como “invasor de terras” devido a sua ligação histórica com o MTST. Boulos chegou a declarar que a democracia venezuelana não lhe agrada, talvez imaginando que irá se descolar do rótulo de comunista que a extrema-direita lhe colocou.

    Óbvio que Boulos nunca foi comunista, e que ninguém da extrema-direita votará nele apenas por ele não ter reconhecido Nicolás Maduro como presidente eleito. Porém, Dick Marçal precisa manter acesa a chama da guerra contra a esquerda, em defesa da família tradicional e do “projeto de Deus” que o fascismo acendeu no país. Há quem acredite que o discurso de coah do vigarista, no qual ele promete ensinar o povo a ser tão próspero quanto ele, seja o ponto chave do seu poder de convencimento. Eu não concordo. Até porque, mesmo dentro do lumpesinato existem pessoas um pouco mais despertas do que antes, ainda que esse despertar se dê na simples revolta pela situação na qual se encontram. Para essas pessoas absorverem integralmente o mirabolante discurso da prosperidade adquirida com uma fórmula de sucesso proposto por Pablo vigarista, não será tão simples assim. É mais fácil convencê-los de que Deus lhes dará, porque eles não irão perguntar: “e se Deus não dá? Como é que vai ficar? ”, porque a revolta contra Deus é proibida, é pecado e pode jogá-los num inferno ainda pior do que o que eles já vivem na terra.

    Quando penso que toleramos a extrema-direita usar o nome de Deus para defender o seu projeto de destruição social da nossa sociedade, me lembro do “Paradoxo da Tolerância”, conceito defendido pelo filósofo austro-britânico Karl Popper, no qual ele nos faz refletir sobre a tolerância ilimitada a partir do conceito de tolerância estabelecido num regime democrático. Se eu não tolero o intolerante, eu não posso defender a tolerância e nem a democracia. Seria uma armadilha filosófica digna de um Dick Vigarista, se não nos atentarmos para algo muito mais complexo que Popper nos faz perceber num trecho do seu livro “The Open Society and Its Enemies”, onde ele escreve que "A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. ”  E como estamos nos preparando para essa defesa, já que estamos tolerando o surgimento de outro mito vigarista como salvador da pátria mãe tão distraída, na qual boa parte dela não percebe que será subtraída por tenebrosas alianças políticas?

    Pegando um gancho na filosofia de Popper, eu diria que a tolerância ilimitada nos leva a naturalização do absurdo, a romantização da barbárie e a extinção do caráter humano em nossa sociedade. Não se tolera figuras como Bolsonaro, Marçal, Malafaia, entre outros Dicks vigaristas e marmoteiros que estão tornando a nossa convivência social cada vez mais difícil. Isso não é democracia, mas sim permissividade com a picaretagem, com o charlatanismo, com a desonestidade e com a intolerância. Que tipo de sociedade tolera que vigaristas enriquecem às custas do sofrimento e da falta de consciência social dos mais vulneráveis? Uma sociedade onde boa parte de seus membros mais vulneráveis se identificam com o seu opressor. E porque há essa identificação? Por que a caça se apaixona pelo caçador? Porque o Estado que deveria zelar pelo bem-estar coletivo, quando não é permissivo com os vigaristas e intolerantes, está aliado a eles. De que forma? Sucateando propositalmente a educação, impedindo que os mais vulneráveis adquiram o conhecimento que poderia libertá-los das investidas de vigaristas e farsantes como Marçal. 

    Essa corrida maluca ainda terá fortes emoções, graças a tolerância ilimitada com a desonestidade de um candidato que já foi condenado por integrar uma quadrilha que dava golpe em bancos, que quase matou 32 pessoas levando o grupo ao alto de um pico para um exercício de superação, e que prometeu fazer uma mulher cadeirante andar em nome de Jesus, diante de uma plateia de tolerantes alienados pela religião. O que ele promete é "ouro de tolo" que Raul Seixas já cantava nos anos 1970. A origem de sua fortuna é uma incógnita, mas uma coisa é certa. Caso vença a corrida, ele não terá a menor tolerância com os perdedores. E a sociedade de um modo geral vai perdendo um pouco mais.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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