Parem de chamar bolsonaristas de bolsonaristas!
Afinal, em um país polarizado, a distinção entre discursos extremistas e o uso de certas terminologias pode não ser tão clara
A fala caótica, desesperada e cheia de palavrões do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) sobre uma possível anistia, que poderia livrar seu pai da prisão iminente, revelou o desespero bolsonarista no plenário do Senado. Com a "iluminada" parceria de Eduardo Girão (Novo-CE) — desculpem, Brasil —, Flávio analisou um vídeo no qual afirma que o homem-bomba de Brasília, Wanderlei, foi "muito provavelmente" vítima de um "ataque cardíaco fulminante ou de um tiro". Para reforçar essa teoria mirabolante, citou declarações da vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP-DF), que, poucas horas após o atentado, teria vasculhado o celular do falecido Francisco Luiz e concluiu que ele era um "lobo solitário", que também "queria matar Bolsonaro".
Aparentemente, Celina Leão seria, secretamente, uma perita criminal capaz de realizar análises técnicas e desvendar motivações complexas em tempo recorde, enquanto os especialistas ainda tentam compreender a totalidade do caso. A rapidez com que ela absolveu o caso Francisco Luiz e outros integrantes da "alcateia bolsonarista” impressiona tanto quanto a capacidade do grupo de fabricar narrativas que desafiam a lógica e o bom senso. Flávio ainda alternou entre chantagens veladas e ameaças diretas ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Propôs duas opções: uma anistia ampla para todos os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, incluindo o próprio Moraes, alegando que ele teria cometido crimes no exercício de suas funções; ou, caso contrário, prometeu buscar o impeachment do ministro, contando que a extrema direita conquiste a maioria no Senado. O primogênito ainda acusou Moraes de "desgraçar a vida de centenas de milhares de famílias brasileiras". Minha família, por enquanto, segue brigando apenas por potes de plástico.Essas declarações foram feitas em um contexto de desespero crescente, marcado pelas investigações da Polícia Federal que levaram à prisão de militares acusados de planejar atentados contra o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes, além do indiciamento do pai do senador. A postura de Flávio contrasta com sua posição de abril de 2024, quando declarou ser contra o impeachment de Moraes, afirmando que isso "não resolveria os problemas do Brasil". Oxe?Ao surto somou-se Bia Kicis (PL-DF), com seu discurso repetitivo e absurdo tentando culpar Alexandre de Moraes pela polarização política no Brasil (me compre um bode!). Mas, antes disso, as primeiras notícias sobre o caso já faziam os bolsonaristas correrem para classificar o atentado como um fato isolado. Wanderlei, ex-candidato pelo Partido Liberal, demonstrou sua lealdade a uma ordem questionável, ao tentar explodir a Praça dos Três Poderes, um ato que, tragicamente, resultou em sua própria morte. Com a divulgação de investigações que incriminam militares e Bolsonaro em planos de golpe, a missão de justificar o injustificável ficou ainda mais difícil.
O desespero chegou a tal ponto que Flávio insinuou que a jornalista Andréia Sadi estaria sob efeito de drogas pesadas por apresentar uma tese baseada em investigações: a de que militares envolvidos na tentativa de golpe planejavam dispensar Bolsonaro caso a empreitada fosse bem-sucedida. Resta saber o que doeu mais: ver Bolsonaro objetificado (ainda mais depois do Trump) ou a possibilidade de Sadi ter acertado em cheio. Certo é que o bolsonarismo se arretou e acho é massa.
Em meio à busca pela proteção da imagem do movimento, surge uma oportunidade brilhante: no pacote de 57 projetos destinados a atrasar a análise da PEC pelo fim da jornada desumana de 6x1, estava o Projeto de Lei 254/2022, de autoria de Bia Kicis, que criminaliza a "falsa acusação de nazismo". Apois: por que não expandir essa proteção a todos que, inadvertidamente, possam ser associados ao bolsonarismo? Seria justo! Estamos lidando com pessoas que adotam a estética, o discurso e o diálogo com células nazistas, mas que, claro, jamais poderiam ser consideradas nazistas. E se você pensou naquela lógica que diz que, se algo tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré... teje preso! Conforme o “projeto”, acusar alguém de ser nazista, ainda que todas as características estejam alinhadas, será considerado um crime passível de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.O projeto de Kicis, já pautado pela CCJ, argumenta que acusações “sem fundamento” podem causar danos irreparáveis às pessoas. E quem poderia discordar?
Afinal, em um país polarizado, a distinção entre discursos extremistas e o uso de certas terminologias pode não ser tão clara. A fim de proteger o bolsonarismo de figuras como Fátima de Tubarão, o mecânico Antônio Cláudio Ferreira – preso pela Polícia Federal por, entre outras coisas, destruir o relógio histórico de Dom João VI nos atos de 8 de janeiro – e o próprio terrorista Francisco Wanderley, proponho: que a falsa acusação de bolsonarismo se torne crime. Afinal, não é porque alguém comunga de ideias conservadoras, exalta Bolsonaro, se carrega de estética patriótica, adota o léxico bolsonarista, acredita que as urnas foram fraudadas, defende a prisão de Alexandre de Moraes e, eventualmente, possui filiação ao Partido Liberal que o sujeito deve ser automaticamente rotulado como bolsonarista. Olha eu aqui pensando na honra deles. A maternidade muda mesmo a gente, né?
No mesmo dia 19 de novembro, naquela sessão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o senador Bolsonaro afirmou que a extrema direita, da qual faz parte, é a maior defensora da democracia. Pode rir! Ele destacou que tem se empenhado intensamente, chegando a afirmar que – atenção – não tem dormido direito, para garantir a aprovação de uma possível anistia para seu pai. Diante de tanta sensibilidade da comissão, seria uma extensão lógica garantir que nenhum brasileiro seja indevidamente associado a grupos de “inspiração questionável” sem fundamento sólido. Afinal, se palavras – e indiciamentos – realmente têm o poder de ferir tão profundamente, o que poderia ser mais justo do que uma PEC para salvaguardar a integridade pública – especialmente contra difamações que, segundo a autora dessa proposta, podem causar danos irreparáveis?
Assim, ao propor a criminalização da falsa acusação, buscamos proteger a imagem de um movimento que, injustamente, é frequentemente mal interpretado por conta de sua estética peculiar. Seu patriotismo inflamado, seu compromisso com a “ordem e progresso”, sua defesa a valorização de uma raça ou cultura nacional, repetem discursos de ódio contra minorias e clamam por uma autoridade centralizada e autoritária, por negarem a validade de processos democráticos, exaltarem líderes carismáticos, desprezarem a pluralidade política e serem capazes de sacrificar a própria vida ou liberdade em nome de seus mitos. Estou falando do bolsonarismo, é claro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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